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FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO. GRAVAÇÃO LÍCITA" O que disse o tribunal"

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santos2206

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Tribunal da Relação de Évora, Acórdão de 23 Jan. 2018, Processo 821/15


Relator: MARIA LEONOR ESTEVES.
Processo: 821/15





Não existe obstáculo à valoração da gravação efetuada por um dos condóminos presentes na assembleia com o propósito de verificar se a ata posteriormente elaborada correspondia ao que se havia tratado na reunião


FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO. GRAVAÇÃO LÍCITA. É ilícita e criminalmente punível, na ausência de consentimento, tanto a gravação de palavras proferidas por outrem e não destinadas ao público e mesmo que dirigidas ao agente como a utilização ou permissão de utilização de tais gravações mesmo quando licitamente produzidas. No caso em apreço, não existe obstáculo à valoração da gravação efetuada por um dos condóminos presentes na assembleia com o propósito de verificar se a ata posteriormente elaborada correspondia ao que se havia tratado na reunião. Ora, a valoração da gravação deve ser feita de acordo com o princípio da livre apreciação da prova e para verificar se a gravação a regista fielmente ou, na eventualidade de se detetar ou vir a ser apontada truncagem ou edição, se procure confirmação ou desmentido de tal através de exame pericial. Nestes termos, determina-se que se proceda à audição da gravação e ao interrogatório da arguida para, só depois, ser proferida decisão instrutória em conformidade com os indícios que venha a ser possível coligir.
Disposições aplicadas
DL n.º 78/87, de 17 de Fevereiro (Código de Processo Penal) art. 126; art. 167.1
DL n.º 400/82, de 23 de Setembro (Código Penal) art. 192; art. 199


Texto

I – A gravação áudio feita em assembleia geral de condóminos por um dos condóminos presentes, com o único propósito de permitir verificar se o conteúdo da acta a elaborar posteriormente traduzia fielmente o que havia sido tratado na reunião, pode ser utilizada para demonstrar em tribunal a discrepância existente entre o teor do que foi tratado na reunião e o que ficou a constar em acta, se a sua utilização para aquele fim constitui a única forma ao dispor do assistente para reagir eficazmente contra uma situação que lhe é prejudicial.II - A utilização da gravação, na estrita medida em que através dela seja possível verificar se foi ou não tomada na reunião a deliberação que ficou a constar da acta constitui meio necessário e adequado para o recorrente afastar o perigo que ameaça os seus interesses, em concreto a instauração de execução por dívidas cuja existência contesta e a penhora de bens de sua propriedade (interesses privados aliados ao interesse público de segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório protegido pelo crime de falsificação sensivelmente superiores ao simples direito à palavra – consagrado no n[SUP]o[/SUP] 1 do art. 26º da C.R.P. - das pessoas que participaram na assembleia de condóminos tendo em conta a natureza dos assuntos que a mesma tinha como objecto).III - Só demonstrando a inexistência daquela deliberação pode o recorrente evitar que a acta seja utilizada como título executivo e assim impedir a instauração de execução, acantonando a administração do condomínio (na eventualidade de não lograr fazer "passar" deliberação idêntica em nova assembleia de condóminos) à via de demonstrar a existência e extensão da dívida em acção de natureza declarativa.
 

santos2206

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Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:


[h=3]1. Relatório
[/h]No termo do inquérito que, com o n[SUP]o[/SUP] 821/15.0T9LAG, correu termos no DIAP de Lagos da comarca de Faro foi proferido despacho no qual foi determinado o arquivamento dos autos, nos termos do art. 277º n[SUP]o[/SUP] 2 do C.P.P. em virtude de se ter considerado não terem sido recolhidos indícios suficientes da prática do crime de falsificação, p. e p. pelo art. 256º n[SUP]o[/SUP] 1 al. d) do C. Penal que o queixoso M, devidamente identificado nos autos, havia denunciado.

Discordando desse despacho, o queixoso constituiu-se assistente e requereu a abertura da instrução após o que, realizada esta, foi proferido despacho que não pronunciou a arguida, AF, também devidamente identificada nos autos por considerar não se indiciar com o grau de suficiência exigível a factualidade vertida na acusação alternativa e necessária ao preenchimento dos elementos típicos do crime cuja prática lhe vinha imputada nessa peça.
Inconformado com a decisão instrutória, dela interpôs recurso o assistente, pretendendo a sua revogação e substituição por outra que leve em consideração a prova excluída ou que pronuncie a arguida nos termos requeridos no RAI, para o que formulou as seguintes conclusões:

No cerne do doutamente decidido encontra-se a conclusão, extraída por dedução, de acordo com a qual não terá havido consentimento para a única gravação que, sem qualquer mistério pelo meio, logrou aportar aos autos


Trata-se, realce-se, da terceira gravação ao encontro do que a tal respeito declararam a arguida, AF (fls. 32), a testemunha indicada por esta, PM (fls..66) e AC (fls. 29 v .).

7 pessoas reuniram num pequeno espaço, acompanhadas de 3 gravadores o que não só ilustra a tensão entre os intervenientes, como a sua presença, em três vias, é explicada por aquela, uma vez que os maus relacionamentos entre os intervenientes são já de muito longa data. Tudo isto para dizer que as três gravações foram consentidas/impostas pela totalidade dos presentes, razão pela qual, a questão do consentimento não é, sequer, levantada pelos interessados (a arguida e a testemunha por si indicada e que tem interesses convergentes, assim como AC).

O exercício lógico elaborado pelo Tribunal, peca, por ter assumido como boa uma possibilidade, também ela lógica, que, face, ao contexto e com salvaguarda de melhor opinião, não se apresentaria como a conclusão factual mais adequada.

E se, apesar do que já se expôs, dúvidas sobejassem quanto às condições de recolha das intervenções na assembleia, sempre as, mesmas poderiam ter sido ultrapassadas pela inquirição da testemunha VS, como aliás se requereu/sugeriu no art. 3° da reclamação apresentada pelo assistente nos termos do disposto no art. 291 °, 2 CPP .



Assim, o que resulta dos autos é, com salvaguarda do devido respeito por opinião diversa, que as gravações efectuadas (todas elas) foram consentidas. Existindo consentimento, nunca a previsão da al, a) do n.[SUP]o[/SUP]1, do art. 199° CP pode ser sequer, cogitada, seguindo-se a validade da prova ao encontro da previsão do n[SUP]o[/SUP] 1, do art. 167º CPP. Foram, pois, por indevida aplicação, violadas as normas. da al. a) do n[SUP]o[/SUP] l, do art. 199° CP e do n.[SUP]o[/SUP] 1, do art. 167° CPP.

Como se referiu no RAI, a única questão aí colocada foi:
Se a deliberação, constante da acta situada no último parágrafo de fls. 23 e que continua a fls. 24 e que consubstancia o conteúdo do título que foi dado à execução contra o ora requerente, ocorreu, ou não?
Ora, dispondo os autos da gravação da assembleia a que respeita a acta, parece elementar a resposta:

A gravação não assinala tal tomada decisória, tornando-se evidente que a acta é um produto intencionalmente adulterado, sendo, atento o destino, também evidente a intenção de causar prejuízo ao assistente.

Segue-se, pois, sempre com salvaguarda de melhor entendimento, que haverá a arguida de ser pronunciada nos termos requeridos pelo assistente.
O recurso foi admitido.
Responderam o MºPº e a arguida, ambos defendendo a manutenção da decisão recorrida O MºPº, concluindo ser seu entendimento que "a douta decisão instrutória não violou o disposto nos arts. 283 n.[SUP]o[/SUP] 2, 308 n.[SUP]o[/SUP] 1, 167 e 199 n.[SUP]o[/SUP] 1 al. a), todos do CPP", e a arguida concluindo como segue:
1. Ao contrário do que o Recorrente quer fazer crer, não houve facções nem autorizações a uma e outra parte para a obtenção da gravação.
2. Houve apenas e só uma autorização para a obtenção de registo fonográfico (gravação) da reunião, a qual foi dada à administradora.
3. Pelo que qualquer outra gravação que eventualmente exista é ilegal à luz do disposto no art.º 199.º n.[SUP]o[/SUP] 1 al.s a) e b) do C. Penal e art.º 167.º n.[SUP]o[/SUP] 1 do CPP.
4. A exequibilidade da ata não lhe é conferida pelo teor do parágrafo em questão nos presentes autos, porquanto, título executivo é o documento do qual resulta a exequibilidade de uma pretensão e, portanto, a possibilidade de realização coerciva da correspondente pretensão através de uma ação executiva.
5. De acordo com o disposto no n[SUP]o[/SUP]1 do artigo 6°do DL n[SUP]o[/SUP] 268/94, de 25 de Outubro as ''A acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias a conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte".
6. Temos assim que a ata da reunião da assembleia de condóminos e um documento que, por disposição especial, tem força executiva, nos termos previstos na al. d) do n[SUP]o[/SUP]1 do elenco taxativo de títulos executivos constante do art.v 703° do CPC, e não da redação que qualquer parágrafo possa conter.

7, Não houve pois qualquer intenção de prejudicar o Recorrente e de com isso, obter qualquer vantagem para o condomínio.

8. Até porque, como muito bem sabe o recorrente, a sua dívida existe, não por força de qualquer ata alegadamente "adulterada", "falsificada'' ou "fraudulenta", mas sim por força da falta de pagamento em que teimosa e sistematicamente incorre.
9. E não podendo ser atendida a gravação junta aos autos, por ter a mesma sido obtida de forma ilegal, bem esteve o MM.º juiz de Instrução ao proferir despacho de não pronúncia.
10. Pelo que, fazendo a costumada JUSTIÇA, deverão V. Exas, Venerandos Juízes, manter a decisão recorrida!!!
Nesta Relação, a Exmª Procuradora-geral Adjunta limitou-se a apor o seu visto.
Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência.

Cumpre decidir.
 

santos2206

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[h=3]2. Fundamentação
[/h]Têm interesse para a decisão do recurso as seguintes ocorrências processuais:
- M apresentou queixa contra AF alegando, em síntese, ser proprietário da fracção AD/Apartamento 305 do Condomínio "Apartamentos ...", administrado pela firma "A... - Administração de Condomínios Lda", da qual a denunciada é gerente e proprietária, ter sido convocado para a assembleia desse condomínio que teve lugar em 28/3/15 com determinada ordem de trabalhos, ter sido feita a gravação da assembleia com o consentimento de todos os condóminos presentes e representados, e ter sido feito constar da acta posteriormente elaborada uma deliberação, tomada por unanimidade, relativa à concessão de poderes à administração para proceder judicialmente contra os condóminos com dívidas vencidas quando o conteúdo da mesma não foi lido, falado ou votado na dita assembleia, o que foi feito para servir de título executivo e dessa forma causar prejuízos ao queixoso (fls. 2-4);
- indicou como testemunhas AC e VS, requereu a apresentação da gravação efectuada pela administração para comparação com aquela que juntou, e juntou os seguintes documentos:
1- certidão comprovativa da aquisição da fracção de que se afirma proprietário (fls. 5-7);
2- cópia da aludida convocatória, da qual consta como ordem de trabalhos a seguinte: "1- justificação do orçamento e balanço das fracções do ano 2014, 2- orçamento para o ano 2015, 3- outros assuntos de interesse dos condóminos" (fls. 8);
3- cópia da acta n[SUP]o[/SUP] 21 referente à assembleia ordinária de condóminos realizada em 28/3/15 "no hall de entrada do edifício ---", na qual vêm discriminados os condóminos presentes e os representados (entre os quais as testemunhas PM, AC e LS, tendo a primeira desempenhado as funções de presidente da mesa da assembleia), vindo mencionado que "Foi solicitado a pedido da administradora autorização para proceder à gravação audio da assembleia para facilitar a feitura da acta, tendo sido autorizado por todos os presentes" e, depois de discriminados os valores em dívida por cada fracção, períodos e despesas a que se reportam (especificamente refere-se em relação "à fracção AD apartamento 305 no montante de quatro mil oitocentos e cinquenta e um euros e sessenta e cinco cêntimos, referente à quotização do condomínio até 2007, ano 2008, parcial de Agosto de 2009 a Dezembro de 2014, reparação dos elevadores, pintura e despesas processuais"), bem como montantes entretanto já liquidados, tendo-se, ainda, feito consignar, para o que aqui interessa, que "Posto à votação a Justificação do Orçamento e Balanço das fracções do ano 2014, foram estes aprovados por maioria dos presentes e representados, com o voto contra do proprietário da fracção C apartamento 101 (1) .
Foi deliberado por unanimidade conceder um prazo de trinta dias para os condóminos devedores liquidarem ou contestarem as suas dívidas. Findo este prazo sem que tenham pago ou contestado ficam desde já conferidos à administração "A... - Administração de Condóminos, Lda", poderes para representar o condomínio em juízo e bem assim poderes para mandatar advogado para interpor acção judicial contra os devedores, cobrando as dívidas vencidas de acordo com as respectivas contas correntes e vincendas e respectivos juros sendo debitados aos mesmos todas as despesas inerentes ao processo, nomeadamente honorários de advogado, despesas judiciais com o processo, registos de penhora, e honorários de agentes de execução." (fls. 9-13);
4- cópia de carta remetida à A..., Lda, datada de 26/5/15 e subscrita pela testemunha AC, na qual esta se afirma estupefacta por ter constatado que na acta n[SUP]o[/SUP] 21 ficou a constar a deliberação acima mencionada ("pois tinha a absoluta certeza de que eu não tinha ouvido nada disto, e muito menos não tinha votado aquela estupida proposta! E logo eu, (que sempre tive o cuidado de votar contra tudo o que toca a despesas de certo tipo por elas estarem ilegalmente mal distribuídas, beneficiando sempre e claramente as facções A e B do amigo da Vale do Pincho, desde 2009) iria votar favoravelmente uma proposta (que repito, não foi feita!), para me condenar a mim próprio, e o 305 e todos os desgraçados vítimas dos mesmos atropelos e ilegalidades, e que reclamam dos injustos custos imputados, tal como eu (com carradas de razão e com poucos recursos, os quais se veriam obrigados a pagar tudo o que é despesas de tribunal, que sempre foram da responsabilidade do Condomínio, conforme a lei determina? Acham que isso era plausível ou admissível? Serei parvo ou masoquista capaz de estar do vosso lado e contra mim, 3305 e todas as outras vitimas dessa macabra manobra? Vocês não acham que seria demais, eu, o 305, e todos os outros estarmos a colaborar convosco neste verdadeiro assalto aos nossos bolsos? Por enquanto e até prova em contrário, prezo muito a minha sanidade mental, que felizmente mantenho! Sei o que faço.") e, entre outras considerações, afirma ter ouvido a gravação da reunião e confirmado "a NÃO EXISTÊNCIA DE TAL DELIBERAÇÃO, NEM COM NEM SEM UNANIMIDADE", acrescentando ter verificado que o respectivo texto consta de algumas outras actas apesar de em nenhuma das assembleias ter sido lido, referido ou votado, com verificou através das "outras gravações que possuo, igualmente autorizadas, como as vossas" (fls. 14-16);
5- cópia de carta remetida à A..., Lda, datada de 30/5/15 e subscrita por VS, na qual este afirma ter acabado de ouvir as gravações das assembleias do condomínio que lhe foram cedidas por AC bem como a carta acima aludida, referindo, para além de outras considerações que se prendem, nomeadamente, com a alegada irregularidade da convocatória da assembleia, que "Agora percebo melhor ainda, porque é que me negaram sempre as gravações das actas que pedi (...) bem como a recusa sistemática da listagem dos condóminos que nos permitiria impugnar, como desejávamos, muitas das barbaridades que têm cometido ao longo do vosso inglório reinado no X, desgraçadamente iniciado em 2009, em assembleia para a qual não fui sequer convocado, tal como o 101" (fls. 17-19);

- foi inquirida (2) a testemunha AC que afirmou habitar no apartamento 101, ter estado na reunião do condomínio presidida por PM, sendo este quem tomava nota dos assuntos discutidos para elaboração da acta embora todas as actas das reuniões feitas com a presente administração tenham sido sempre feitas posteriormente e apresentadas aos condóminos algum tempo depois, ter havido antes do início da reunião a concordância de todos os presentes para que a mesma fosse gravada, tendo sido, não obstante, discutidos diversos assuntos que não viu vertidos na acta e ter não tendo sido discutido na reunião e muito menos deliberado ou votado o último parágrafo a fls. 23 da acta (3) (fls. 26);
2- foi inquirida como testemunha a denunciada AF que afirmou que a reunião teve lugar no átrio do prédio em questão e, por não existirem condições logísticas para redigir a acta nesse momento, a mesma é gravada com autorização de todos, servindo essa gravação precisamente para auxiliar posteriormente na elaboração da acta, que "Acerca do último parágrafo a fls. 23 da acta, a depoente explica que efectivamente foi falado na reunião este assunto, no entanto ressalva, que poderá não ter sido falado com os mesmos termos técnicos com que foi redigida, uma vez que a feitura da acta obedece a critérios específicos. Esse assunto foi inclusive votado pelos presentes, tendo a maioria entendido que poderiam avançar com o proferido no mesmo parágrafo" e "Acerca da gravação feita pelo Sr. AC (...) informa que desconhecia tal como os restantes membros da assembleia, que este por sua autoria estaria a proceder à gravação desta, bem como das restantes reuniões" (fls. 29);
- tendo-se comprometido a verificar se ainda possuía a gravação da reunião, a denunciada veio posteriormente informar que já não a tinha e juntar aos autos o Regulamento do Condomínio "Apartamentos X" (fls. 32 e 33-39);
- foi inquirida a testemunha PM que confirmou ter estado presente na reunião de condóminos, ter presidido à mesma e ter ela sido gravada em formato áudio pela administração do condomínio e com a autorização de todos os presentes à semelhança das 3 anteriores reuniões, afirmando ainda que "todo o conteúdo da acta, corresponde na íntegra ao que foi debatido em assembleia, esclarecendo que o último parágrafo a fls. 23 da acta foi debatido tal como está escrito, bem como votado, e por unanimidade ficou a decisão que se encontra redigida nesse mesmo parágrafo. Não se recorda se alguém votou contra", que foi chamado pela administração para assinar a acta em questão cerca de duas semanas depois e "que teve conhecimento através da Drª AF, representante da Administração do condomínio, que nessa reunião foi feita uma outra gravação audio pelo Sr. AC, a qual não foi autorizada, porque este não deu conhecimento que iria proceder também à sua gravação, ao contrário da Srª AF que antes das reuniões se iniciarem pede autorização aos presentes para proceder à gravação áudio, e só o faz se for autorizada por maioria" (fls. 46-47);
- foi inquirida a testemunha LS que afirmou ter estado na reunião, ter sido a mesma gravada em áudio pela administração do condomínio, depois de pedida autorização para tal e com a concordância de todos, ter tido conhecimento do conteúdo da acta cerca de 15 dias depois, tendo-a achado conforme e assinado, terem sido discutidos em assembleia e devidamente votados todos os assuntos constantes da acta, que "No que concerne ao último parágrafo a fls. 23, disse que foi discutido e votado, tendo sido aprovado pela maioria, tal como consta da acta", exprimindo ainda a sua satisfação em relação à actuação da administração e, em particular, à administradora do condomínio (fls. 48);
- foi inquirido o queixoso, que confirmou os factos denunciados e esclareceu nomeadamente que já lhe tinha sido instaurada execução pelo condomínio por não terem chegado a acordo quanto ao pagamento de determinadas quantias (fls. 50);
- solicitada à testemunha PM o envio da gravação da reunião de condóminos, veio informar que a mesma foi apagada após a feitura da acta e que, à semelhança de anos anteriores, essa gravação é feita com o único e exclusivo intuito de ajudar à elaboração da acta, por não ser possível elaborá-la no momento e local da realização da assembleias (fls. 66);
- foi, de seguida, proferido despacho de arquivamento - no qual não foi feita qualquer alusão à gravação que o recorrente havia junto aos - por se ter considerado que "não se encontra suficientemente indiciada a prática do crime em causa uma vez que os depoimentos são contraditórios (apesar de em maioria ser contrariada a versão do denunciante) e inexistem argumentos para desconsiderar qualquer uma das versões, para além do facto de o denunciante ser devedor daquele condomínio e a referida votação ter servido para aprovar a decisão de o perseguir judicialmente por tais dívidas. (...) Nesta conformidade, não tendo a investigação, por falta de indícios e não por mitigação de esforços, alcançado nenhuma conclusão validamente sustentada, não se nos afigura relevante prosseguir com o inquérito, uma vez que não se vislumbra a pertinência ou utilidade da realização de qualquer diligência" (fls. 67-68);
- dissentindo do entendimento do titular do inquérito, o queixoso veio constituir-se assistente e requerer a abertura da instrução, indicando as diligências que pretendia ver realizadas (em concreto, a inquirição de VS, que já havia indicado na queixa e que por razões que os autos não esclarecem não foi inquirida em sede de inquérito, e a audição da gravação da assembleia que tinha junto com a queixa) e pugnando para que a denunciada fosse pronunciada pela prática de um crime de falsificação, p. e p. pelo art. 256º n[SUP]o[/SUP] 1 al. d) do C. Penal, com base nos factos ali descritos e que a seguir se transcrevem:

A arguida, na sua qualidade de gerente da sociedade "A... - administração de condomínios, Ld.[SUP]a[/SUP]" sociedade que era, ao tempo, administradora do condomínio do prédio "Apartamentos X" sito na Rua ..., em Lagos, convocou uma assembleia de tal condomínio a realizar no dia 28 de Março de 2015, pelas 09h30,

Foi a seguinte a Ordem de trabalhos estabelecida na convocatória da referida assembleia:
1- Justificação do orçamento e balanço das fracções do ano 2014
2- Orçamento para o ano 2015
3- Outros assuntos de interesse dos condóminos.

A assembleia realizou-se no dia aprazado, pelas 10 horas.

Tendo a mesma, por expresso acordo entre todos os presentes, sido gravada.

De tal assembleia a arguida lavrou a acta, a que foi atribuído o n.[SUP]o[/SUP]21, sendo que no último parágrafo de fls. 23 e que contínua a fls. 24 fez a mesma arguida constar a seguinte deliberação;
Foz deliberado por unanimidade conceder um prazo de trinta dias para os condóminos devedores liquidarem ou contestarem as suas dívidas. Findo este prazo, sem que tenham pago ou contestado, ficam desde já conferidos à administração "A... - administração de condomínios, Ld.ª" poderes para representar o condomínio em juízo e bem assim poderes para mandatar advogado para interpor acção de cobrança de judicial contra os devedores, cobrando as dívidas vencidas de acordo com as respectivas contas correntes e vincendas e respectivos juros, sendo debitados aos mesmos todas as despesas inerentes ao processo, nomeadamente honorários de advogado, despesas judiciais com o processo, registos de penhora, e honorários de agentes de execução.

Tal matéria, porém, além de não constar na ordem do dia, não foi discutida, ou sequer alvitrada, na reunião.

Razão pela qual, ainda sobre a mesma matéria, não incidiu, ao contrário do afirmado na acta pela arguida, qualquer deliberação.

A arguida ao redigir a acta e nela fazendo constar facto que bem sabia ser falso, sabia e quem com tal procedimento causar prejuízo, nomeadamente ao requerente e paralelo benefício pára o condomínio administrado pela sociedade de que era gerente.

A arguida agiu livre e conscientemente,
10°
Bem sabendo que o referido comportamento era proibido e punido por lei, configurando a prática de crime, não se coibindo, contudo de o praticar.
- distribuídos os autos à 2ª secção de instrução criminal - J1 da instância central de Portimão, foi proferido despacho que declarou aberta a instrução, indeferiu as diligências requeridas (nos seguintes termos: "Diligências: Indeferida a sugerida audição do assistente e da testemunha VS por desnecessárias à realização das finalidades legais da instrução em face do conteúdo dos autos; Indeferida a audição da gravação ante o teor de fls. 32 e 66 (inexistência)."), e designou data para a realização do debate instrutório (fls. 105-106);
- o assistente apresentou "reclamação", insistindo na audição da gravação por a mesma, de facto, existir, e também na audição da testemunha, nomeadamente quanto às circunstâncias da reunião, arguindo à cautela a irregularidade que em seu entender decorreria da manutenção do decidido por redundar na impossibilitação prática de fazer prova (fls. 117-118);
- foi, de seguida, proferido despacho do qual consta, nomeadamente, que:
"O JI já procedeu à audição dos dois cd’s juntos com a queixa. Não se vislumbra necessidade de proceder à respectiva audição em sede de debate instrutório. Tais cd’s são mais um elemento do processo a levar em linha de conta em momento oportuno.
Não se torna necessária a inquirição da sugerida testemunha pelas razões já indicadas." (fls. 219);
- foi realizado o debate instrutório, após o qual foi proferida a decisão instrutória objecto de recurso, cujo teor é o seguinte (fls. 129-138):

 

santos2206

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I. Relatório.

1. Na sequência do despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público a fls. 67-68 e s. veio o assistenteM requerer a abertura de instrução pela forma que consta a fls. 91 e s., pretendendo, em sua consequência, submeter a julgamento a arguida AF a quem imputa a prática de um crime de falsificação p. e p. pelo artigo 256.º, n.[SUP]o[/SUP] 1, al. d), do Código Penal.

2. Recebido o requerimento apresentado pelo assistente, a instrução foi declarada aberta e teve lugar o debate instrutório onde o Ministério Público pugnou pela prolação de despacho de não pronúncia, no que foi secundado pela defesa, posições de que dissentiu o assistente que, por sua vez, sustentou a prolação de despacho de pronúncia.
II. Saneamento.

O tribunal é competente.
Inexistem quaisquer excepções, nulidades ou questões prévias que importe conhecer e tenham sobrevindo após o recebimento do requerimento de abertura da instrução.
III. Das finalidades da instrução.

A instrução, quando requerida pelo sujeito processual assistente, como aqui sucede, visa a obtenção da comprovação judicial negativa da decisão de arquivamento, em ordem, ao invés, a lograr a comprovação positiva da sua "acusação alternativa" e, em consequência, a submissão da causa a julgamento, vd. os artigos 286.º, n.[SUP]o[/SUP] 1 e 287.º, n.[SUP]o[/SUP] 1, al. b) e 2, ambos do Código de Processo Penal.
É assim, a instrução, quando requerida pelo sujeito processual assistente, uma fase que se caracteriza, no direito positivo vigente, como um puro momento de controlo sobre a decisão do Ministério Público relativa à renúncia ao exercício da acção penal, mediante a dedução do despacho de arquivamento, pugnando-se, ao invés, pela submissão do(s) arguido(s) a julgamento com base na "acusação alternativa" comprovada.
IV. Da factualidade e Discussão. Relevância e consequências.

1. A factualidade.
É a se mostra vertida na «acusação alternativa» apresentada, após a exposição das razões de discordância com o despacho de arquivamento, no requerimento de abertura da instrução a fls. 92-93.
O inquérito encerrou com a prolação do despacho de arquivamento, nos termos do artigo 277.º, n.[SUP]o[/SUP] 2, do Código de Processo Penal, porquanto perante os elementos de prova nele especificados, todos constituídos por prova por declarações, resultaram, de um lado, versões contraditórias e, de outro, a ausência de elementos que permitissem «desconsiderar qualquer uma das versões».
1.1. Vejamos o que consta do inquérito em sentido cronológico:
- Auto de denúncia a fls. 2-4 instruída com documentos e gravação áudio da assembleia;
- Inquirição de AC, fls. 26-26v.º:
- Inquirição de AF, fls. 29-29v.º:
- Regulamento do condomínio oferecido por AF a fls. 33-39v.º
- Inquirição de AC, fls. 26-26v.º:
- Inquirição de PM, fls. 46-46v.º;
- Inquirição de LS, fls. 48-48v.º:
- Inquirição de M (denunciante), fls. 50-50v.º.
São estes os elementos recolhidos inquérito até à prolação do despacho de arquivamento.
2. Discussão.
Ora, como supra referimos os fundamentos do arquivamento estribaram-se na recolha de prova de sinal contraditório quanto a ter-se, ou não, discutido e deliberado o que, depois, se fez constar na acta.
Exarou-se com efeito nesse despacho:
«Tais factos foram confirmados pela testemunha AC (fls. 26), mas contrariados pelas testemunhas AF (fls. 29), PM (fls. 46), LS (fls. 48).
Perante tais elementos de prova consideramos que não se encontra suficientemente indiciada a prática do crime em causa uma vez que os depoimentos são contraditórios (apesar de em maioria ser contrariada a versão do denunciante) e inexistem argumentos para desconsiderar qualquer uma das versões, para além do facto de o denunciante ser devedor daquele condomínio e a referida votação ter servido para aprovar a decisão de o perseguir judicialmente por tais dívidas».
E compulsados os depoimentos referidos no despacho de arquivamento assim é efectivamente, ou seja, existem duas versões para o ocorrido e que são contraditórias entre si.
De um lado, o denunciante e a testemunha AC, cf. fls. 2-4, 26, 50, corporizam a versão de as matérias ora em causa levadas à acta da assembleia de condóminos do dia 28/03/2015 não terem ali sido discutidas e deliberadas.
De outro, AF, PM e LS, corporizam a versão contrária, ou seja, a da conformidade do teor da acta com o que se passou na assembleia de condóminos.
No decurso do inquérito não se logrou obter seja junto de AF (ora arguida e administradora), seja ainda junto de PM (presidente da mesa) a gravação da assembleia de condóminos, cf. fls. 29, 32 e 66.
Todavia, o denunciante havia oferecido, com a apresentação da queixa, uma gravação, cf. fls. 4 (e contracapa dos autos) relativa à assembleia de condóminos «para cotejar e comparar com a prova gravada que apresento» (sic), cf. fls. 4.
Sobre este elemento nada se referiu no despacho de arquivamento.
Ora, independentemente do seu teor (nós ouvimos a referida gravação) levanta-se o problema da sua admissibilidade, rectius, da possibilidade de tal gravação poder ser utilizada como meio de prova, seja para ultrapassar os fundamentos do arquivamento, seja também para firmar os factos vertidos na «acusação alternativa».
Sobre esta questão prescreve o artigo 167.º, n.[SUP]o[/SUP] 1, do Código de Processo Penal:
«As reproduções fotográficas, cinematográficas, fonográficas ou por meio de processo electrónico e, de um modo geral, quaisquer reproduções mecânicas só valem como prova dos factos ou coisas reproduzidas se não forem ilícitas, nos termos da lei penal».
Tratando-se, na situação em apreço, de uma gravação do que se disse na assembleia de condóminos estará em causa o direito à palavra e correspondente tutela material no âmbito do crime de gravações e fotografias ilícitas p. no artigo 199.º, n.[SUP]o[/SUP] 1, als. a) e b), do Código Penal, o qual por sua vez prescreve:

«1 - Quem sem consentimento:
a) Gravar palavras proferidas por outra pessoa e não destinadas ao público, mesmo que lhe sejam dirigidas;
b) Utilizar ou permitir que se utilizem as gravações referidas na alínea anterior, mesmo que licitamente produzidas;
é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 240 dias».
Donde a utilizabilidade da gravação oferecida com a queixa careceria, desde logo, da existência de consentimento dado ao autor do registo por parte das pessoas que iriam falar na assembleia de condóminos, portanto em um círculo fechado, consentimento dado pelas pessoas cujas vozes e dizeres se iriam perpetuar em consequência da respectiva gravação.
A existência desse consentimento teria por consequência a atipicidade da conduta.
Ora, ocorreu consentimento para que uma gravação da assembleia fosse efectuada na sequência do pedido da administradora, como se alude na acta a fls. 10, e pudemos comprovar mediante a audição da gravação oferecida pelo denunciante.
Porém, a audição da gravação oferecida com a queixa revela, além do mais que ora não importa, que o aparelho continuou em funcionamento (a gravar sem interrupção) para além da assembleia registando, inclusive, o que parece a entrada da pessoa, que trazia o aparelho, para um veículo, o que inculca a possibilidade de se tratar de outra gravação, isto é, de terem sido realizadas duas gravações distintas.
O que é corroborado, ou se se quiser, indiciado pelo teor das declarações que constam a fls. 29 v.º, sendo certo que para essa outra gravação faltou o consentimento de, pelo menos em face dos depoimentos recolhidos no inquérito e que a tanto se referiram, AF e PM.
Sob este horizonte, isto é, ante a possibilidade de existirem duas gravações, avancemos em outras direcções distintas.
1.ª hipótese: ser a gravação apresentada com a denúncia o resultado de outra gravação.
Caso a gravação apresentada com a denúncia se trate de outra gravação, isto é, do produto de um autónomo e distinto registo, realizado, ou não, por AC, então por faltar o consentimento das pessoas à realização dessa outra gravação, a sua realização constituiria um crime.
E que pode tratar-se de outra gravação - isto é, que a gravação oferecida com a denúncia não seria uma cópia da gravação realizada pela administração e mencionada na acta n.[SUP]o[/SUP] 21 - é que nos parece pois, além do já referido quanto ao conteúdo, a gravação "legítima" ficaria na posse da administração/mesa para realização da acta, sendo certo, ademais, que não há qualquer notícia de, então, ter sido pedida ou oferecida qualquer cópia (ou cópias) da mesma a qualquer condómino e, por último, a voz que se escuta nos derradeiros momentos da gravação é idêntica àquela que, no decurso da assembleia, se insurgiu por mais de uma vez no debate que ocorreu ou nas suas incidências, como a daquela em que apareceu na assembleia o cidadão inglês a manifestar-se contra o ruído que tal assembleia estaria a causar...
Ilação: por faltar o consentimento das pessoas à realização dessa gravação, a mesma constituiria um crime.
Depois, como nada se aduziu, sequer no requerimento de abertura da instrução, quanto às razões para a realização dessa outra gravação, fica excluída a possibilidade de afastar a ilicitude dessa gravação não consentida, com o que tal reprodução fonográfica não pode ser utilizada para prova dos factos nela reproduzidos, ex vi artigo 167.º, n.[SUP]o[/SUP] 1, do CPP.
2.ª Hipótese: ser a gravação apresentada com a denúncia cópia da gravação realizada pela administração e mencionada na acta.
Para esta hipótese poder ser convocada seria necessário que pudéssemos afirmar com alguma segurança que se trata, efectivamente, de uma cópia, o que não podemos fazer desde logo em face do teor de fls. 32 e 66 e das considerações imediatamente atrás referidas.
Só demonstrado esse pressuposto (o de se tratar de uma cópia da gravação realizada pela administração) é que se convocaria a previsão da al. b), do n.[SUP]o[/SUP] 1 do artigo 199.º, do Código Penal e, uma vez que continua a inexistir consentimento para a utilização posterior da gravação (consentida), tal actuação consubstanciaria a prática de crime.
Neste particular conspecto é que, eventualmente, poder-se-ia afastar a ilicitude da utilização não consentida da gravação por tal constituir, no mínimo, o meio seguro e objectivo de demonstração da indiciação/existência do crime de falsificação (4) .
Porém, este «salto» tem por consequência o arregimentar, em prejuízo do sujeito processual arguido, um elemento de prova cujo pressuposto não está firmado com segurança, razão porque em homenagem às garantias de defesa da arguida em processo penal, cf. artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, não podemos dar esse pressuposto por assente (o de se tratar de uma cópia da gravação realizada pela administração) e equacionar o valor dessa gravação para sustentar a factualidade vertida na «acusação alternativa».
Em síntese:
Seja pela consideração de a gravação apresentada com a denúncia ser o resultado de outra gravação, seja pela impossibilidade de podermos considerar seguro que tal gravação é uma cópia daquela outra realizada pela administração e consentida, vedada fica, pelas razões expostas, a admissibilidade, rectius, a possibilidade de tal gravação poder ser utilizada como meio de prova, seja para ultrapassar os fundamentos do arquivamento, seja também para firmar os factos vertidos na «acusação alternativa» que consta do requerimento de abertura da instrução.
O que tem por consequência que o lastro probatório até aqui recolhido continue a caracterizar-se pela existência de duas versões contraditórias entre si, sustentadas apenas nas palavras de uns e outros, e em um ambiente pautado pelo conflito e por interesses igualmente conflituantes.
Razão porque os factos concretos vertidos no requerimento de abertura da instrução sob os artigos 6.º (parte final), 7.º, 8.º, 9.º e 10.º não podem, pelas razões expostas, considerar-se suficientemente indiciados.
É que a sobre a noção operatória indiciação suficiente, a valer, tanto na fase do inquérito (artigo 283.º, n.[SUP]o[/SUP] 2, do CPP), como na fase da instrução (artigo 308.º, n.[SUP]o[/SUP] 1 e 2, do CPP), como pressuposto (a par de outros) para a prossecução dos autos para a fase do julgamento, recordamos, tão só, as palavras de Carlos Adérito Teixeira, com o qual estamos inteiramente de acordo, a propósito da suficiência dos indícios e da possibilidade razoável.
 

santos2206

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Diz o insigne autor:

«No que concerne à suficiência de indícios e ao referente de aferição, importa ter presente que, por definição legal, aquela suficiência está funcionalizada a uma parametrização de condenação e não a um mero desígnio de fazer despoletar o procedimento, participando no "saneamento" sucessivo do processo.

Com efeito, na decomposição analítica do juízo de indiciação a partir do parâmetro legal, sobreleva, por um lado, a dimensão retrospectiva da suficiência do material probatório coligido no inquérito, quando se estabelece que dos "indícios" e [...] "por força deles" (n.[SUP]o[/SUP] 2 do art. 283.º) - e não de outros, eventualmente cogitados nesta altura - há-de resultar a aplicação, em julgamento, de uma pena ou medida; e, por outro lado, a dimensão prospectiva, ou de prognose sobre o comportamento de produção e replicação da prova, em julgamento, por forma a ser expectável, como "possibilidade razoável", a aplicação de uma pena ou medida de segurança» (5) [os realces a negrito são da minha responsabilidade].

Sustenta ainda o mesmo autor, quanto à possibilidade razoável e respectivo critério operatório, que «apenas o critério da possibilidade particularmente qualificada ou de probabilidade elevada de condenação, a integrar o segmento legal da "possibilidade razoável", responde convenientemente às exigências do processo equitativo, da estrutura acusatória, da legalidade processual e do Estado de Direito Democrático, e é o que melhor se compatibiliza com a tutela de confiança do arguido, com a presunção de inocência de que ele beneficia e com o in dubio pro reo» (6) .
De facto, como há muito se anuncia, a submissão a julgamento de uma pessoa nunca é um «acto axiologicamente neutro», inócuo ou inofensivo.

3.Relevância.
O assistente imputou à arguida a prática do crime de falsificação p. e p. pelo artigo 256.º, n.[SUP]o[/SUP] 1, al. d), do Código Penal o qual dispõe:
«Quem com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime:
(...)
d) Fizer constar falsamente de documento ou de qualquer dos seus componentes facto falso juridicamente relevante;
(...)».
Ora, nos autos não se indiciaram com suficiência os factos necessários ao preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos deste tipo de ilícito.
Com efeito, não se indicou com tal grau de suficiência a seguinte factualidade vertida na «acusação alternativa»:
«A matéria não foi discutia, ou sequer alvitrada na reunião» - artigo 6.º (parte final);
«Razão pela qual, ainda sobre a mesma matéria, não incidiu, ao contrário do afirmado na acta pela arguida, qualquer deliberação» - artigo 7.º;
«A arguida ao redigir a acta e nela fazendo constar facto que bem sabia ser falso, sabia e queria com tal procedimento causar prejuízo, nomeadamente ao requerente e paralelo benefício para o condomínio administrado pela sociedade de que era gerente» - artigo 8.º;
«A arguida agiu livre e conscientemente» - artigo 9.º;
«Bem sabendo que o referido comportamento era proibido e punido por lei, configurando a prática de crime, não se coibindo, contudo de o praticar» - artigo 10.º.
Razão porque o tipo de ilícito não está preenchido.
4.Consequências.
Obtém-se, pelo exposto, a verificação do controlo positivo sobre a decisão do Ministério Público de renúncia ao exercício da acção penal, mediante a dedução do despacho de arquivamento, não se comprovando a "acusação alternativa" apresentada pelo assistente, razão porque a causa não será submetida a julgamento, lavrando-se, o correspondente despacho de não pronúncia nos termos do artigo 308.º, n.[SUP]o[/SUP] 1, parte final, do Código de Processo Penal.

[h=3]V. Decisão.[/h]Por tudo o exposto decido,
NÃO PRONUNCIAR, a arguida AF, ml. id. a fls. 29, pela prática, em autoria material e sob a forma consumada, de um crime de falsificação, p. e p. pelo artigo 256.º, n.[SUP]o[/SUP] 1, al. d), do Código Penal que lhe foi imputado pelo assistente.
Sem custas pelo assistente, artigo 515.º, n.[SUP]o[/SUP] 1, al. a), do Código de Processo Penal, cuja taxa de justiça fixo em 2 UC’s nos termos do artigo 8.º, n.[SUP]o[/SUP] 2, do RCP.
Registe, notifique e oportunamente arquive.
3. O Direito
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar (7) , sem prejuízo das de conhecimento oficioso.
As questões suscitadas no recurso prendem-se com a existência de indícios suficientes da prática do crime que no RAI foi imputada à arguida e, por inerência, com a recusa de valoração da gravação que o recorrente fez juntar aos autos.
De facto, o recorrente contesta o entendimento expresso pelo Sr. JIC que levou à não valoração da referida gravação, sustentando que a inexistência de consentimento para a sua realização não passa de uma simples possibilidade, tratando-se de questão que nunca antes foi equacionada nos autos, e que, no caso, sucede que esse consentimento até foi prestado, razão pela qual inexiste qualquer obstáculo à validade desse meio de prova.
E extraindo-se dessa gravação que a deliberação constante a partir do último parágrafo da acta cuja cópia se encontra junta aos autos e que consubstancia o conteúdo do título que foi dado à execução contra o recorrente não ocorreu, sendo essa a questão que foi colocada no RAI, há que concluir que a acta é um produto intencionalmente adulterado, sendo também evidente, atento o seu destino, a intenção de lhe causar prejuízo, devendo, por isso, ser a arguida pronunciada nos termos requeridos no RAI.
Analisado o despacho recorrido, resulta claro que nele se partiu da premissa de que pelo menos dois dos presentes na reunião de condóminos não deram o seu consentimento à gravação, rectius, a outra gravação da reunião de condóminos para além daquela que foi realizada pela administração que, essa sim, foi consentida tal como, aliás, ficou a constar da acta. Premissa essa que se baseou nos depoimentos prestados pela arguida e pela testemunha PM e contrariados, nomeadamente quanto à existência de consentimento, pelo recorrente e pela testemunha AC.
Admitindo poderem existir dúvidas sobre os termos e o âmbito em que o consentimento para a gravação da reunião foi solicitado e obtido, e sendo certo que, pelo menos, não foi expressamente recusado o consentimento para a realização de outra ou outras gravações por parte de algum ou alguns dos presentes, vejamos então, se o meio de prova em questão pode ou não ser valorado.

São conhecidas as razões subjacentes à existência de limitações legais à obtenção e utilização da prova em processo penal, que radicam na exigência primordial de um Estado de Direito democrático de respeito do princípio da dignidade humana e das garantias do due process of law que implicam que a procura da verdade material e a demonstração da realidade dos factos não sejam admissíveis a qualquer preço mas apenas através de meios lícitos.
Os alicerces do regime legal encontram-se traçados na nossa Lei Fundamental que, entre as garantias do processo criminal plasmadas no seu art. 32º, inclui uma norma que fulmina com nulidade "todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações".

Norma que a lei adjectiva retoma e desenvolve no art. 126º do C.P.P., repartindo os métodos proibidos de prova em duas categorias consoante a disponibilidade ou indisponibilidade dos bens jurídicos violados: dos n[SUP]os[/SUP] 1 e 2 constam os absolutamente proibidos, pelo uso de tortura, coacção ou em geral ofensas à integridade física ou moral, que não podem em caso algum ser utilizados, mesmo com o consentimento dos ofendidos, e no n[SUP]o[/SUP] 3 os relativamente proibidos, que respeitam ao uso de meios de prova com intromissão na correspondência, na vida privada, domicílio ou telecomunicações, sem consentimento do respectivo titular, sendo apenas esta segunda categoria que no presente caso nos interessa.

No que especificamente respeita às gravações áudio obtidas por particulares, como o é aquela que foi junta aos autos, e as condições gerais da sua utilização processual estão estabelecidas no art. 167º do C.P.P., que faz depender a possibilidade da sua valoração da sua licitude em termos penais.
E as normas que no C. Penal dão resposta à questão da (i)licitude) são as dos arts. 192º e 199º deste diploma, interessando-nos neste caso apenas a segunda destas normas na medida em que, atenta a natureza da reunião e dos assuntos objecto de discussão na mesma, resulta meridianamente claro que não estamos na esfera de temas respeitantes à vida privada, propriamente dita, das pessoas que nela participaram.
Assim, e de acordo com o estabelecido no referido art. 199º, é ilícita e criminalmente punível, na ausência de consentimento, tanto a gravação de palavras proferidas por outrem e não destinadas ao público e mesmo que dirigidas ao agente como a utilização ou permissão de utilização de tais gravações mesmo quando licitamente produzidas.
Aqui chegados cumpre questionar - e admitindo que as palavras gravadas, se bem que não constituindo uma conversa privada, também não fossem destinadas ao público em geral -, em primeiro lugar, se no caso se verifica uma verdadeira ausência de consentimento.
É consensual às duas versões antagónicas que foi pedido e obtido o consentimento para a administração proceder à gravação da acta. A defesa acrescenta que a única finalidade dessa gravação era a de permitir a elaboração da acta em momento posterior, por no momento e lugar em que a reunião teve lugar não existirem condições logísticas para a fazer.
Resulta, assim, claro, que o objectivo da gravação, tal como afirmado pela arguida e pela testemunha PM, era apenas o de permitir a elaboração da acta com a tradução fiel do que se passou na reunião.
Por seu turno, a gravação efectuada por um dos condóminos presentes e que veio aportar aos autos não teve outro propósito (nenhum outro foi indicado nem se vislumbra) se não o de permitir verificar se a acta posteriormente elaborada correspondia, ou não, ao que se havia tratado na reunião. Precisamente como forma de garantir que a mesma não iria conter omissões ou referências desconformes com o conteúdo da reunião como alegadamente já havia sucedido em relação a outras actas.
Existe, pois, uma identidade de propósitos dirigidos à fidedignidade e veracidade da acta, um visando a sua elaboração, o outro a sua verificação e conferência.
Por isso, dentro deste estrito condicionalismo, entendemos que não era necessário um consentimento individual para toda e qualquer outra gravação que algum ou alguns dos condóminos presentes resolvesse levar a cabo, antes se devendo considerar extensivo o consentimento a todas as gravações que tivessem em vista unicamente possibilitar a certificação de que o conteúdo da acta traduzia fielmente o que havia sido tratado na reunião.
Refira-se a este propósito que, visando a protecção do direito à palavra evitar a redução arbitrária da palavra a coisa e eventuais possíveis manipulações da mesma, no caso não está em causa um atentado à transitoriedade da palavra pois a gravação do que foi dito pelos presentes na reunião destinava-se precisamente a ficar registado, no essencial e por escrito, na acta.
Afastada a ilicitude da gravação, também afastada se queda a da sua utilização posterior exclusivamente para demonstrar em tribunal a discrepância existente entre o teor do que foi tratado na reunião e o que ficou a constar em acta pelas razões que a seguir iremos alinhar. Sendo aqui mais duvidoso considerar a existência de consentimento, que indiscutivelmente não houve para uma utilização que extrapola a simples verificação de eventuais desconformidades, a sua utilização para aquele fim constitui a única forma ao dispor do recorrente para reagir eficazmente contra uma situação que lhe é prejudicial. A utilização da gravação, na estrita medida em que através dela seja possível verificar se foi ou não tomada na reunião a deliberação que ficou a constar da acta constituía meio necessário e adequado para o recorrente afastar o perigo que ameaçava os seus interesses, em concreto a instauração de execução por dívidas cuja existência contesta e a penhora de bens de sua propriedade (interesses privados aliados ao interesse público de segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório protegido pelo crime de falsificação sensivelmente superiores ao simples direito à palavra - consagrado no n[SUP]o[/SUP] 1 do art. 26º da C.R.P. - das pessoas que participaram na assembleia de condóminos tendo em conta a natureza dos assuntos que a mesma tinha como objecto). Pois só demonstrando a inexistência daquela deliberação pode o recorrente evitar que a acta seja utilizada como título executivo e assim impedir a instauração de execução, acantonando a administração do condomínio (na eventualidade de não lograr fazer "passar" deliberação idêntica em nova assembleia de condóminos) à via de demonstrar a existência e extensão da dívida em acção de natureza declarativa. Consideramos, pois, que se mostram preenchidos todos os requisitos do direito de necessidade (art. 34º do C. Penal) que afasta a ilicitude da conduta consubstanciada na utilização (não consentida) da gravação para o fim acima aludido.
Em decorrência, entendemos que não existe obstáculo à valoração da gravação junta aos autos pelo recorrente, valoração que deve ser feita de acordo com o princípio da livre apreciação da prova e posto que previamente tomadas as medidas pertinentes para verificar, nomeadamente no confronto do seu teor com quem esteve presente na reunião, se a gravação a regista fielmente ou, na eventualidade de se detectar ou vir a ser apontada truncagem ou edição, se procure confirmação ou desmentido de tal através de exame pericial.
A reapreciação da prova indiciária que a inclusão da gravação determina implica, ainda, que, para além de outras diligências que se venham a revelar de interesse para as finalidades da instrução - e entre elas pensamos ser pertinente o esclarecimento de alguns aspectos que fragilizam a versão da defesa, desde as discrepâncias existentes em relação aos precisos termos em que a deliberação em causa foi (se efectivamente o foi) submetida à apreciação e votação dos condóminos até à menção de ter sido aprovada "por unanimidade" quando os autos indiciam abundantemente que a mesma não teria, pelo menos, o voto de aprovação da testemunha AC -, deva ser levado a cabo o interrogatório da arguida, diligência que, apesar de obrigatória e geradora de nulidade insanável a sua omissão (cfr. arts. 272º n[SUP]o[/SUP] 1 e 119º al. d) do C.P.P., sem que se verifique a ressalva prevista nesta norma de impossibilidade da sua notificação) nunca foi efectuada nos autos, certamente por se ter entendido que contra ela não existia suspeita fundada da prática do crime.


4. Decisão


Nos termos e pelos fundamentos expostos, julgam procedente o recurso, revogando a decisão recorrida e determinando que se proceda à audição da gravação nos moldes acima indicados e ao interrogatório da arguida bem como eventuais outras diligências que se mostrem pertinentes às finalidades da instrução para, só depois, ser proferida decisão instrutória em conformidade com os indícios que venha a ser possível coligir.

Sem tributação.
Évora, 23 de Janeiro de 2018
_____________________
(Maria Leonor Esteves)
_____________________

(António João Latas)
 

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(1)
A testemunha AC.


(2) Todas as inquirições que tiveram lugar em sede de inquérito foram levadas a cabo pelo OPC, no caso a PSP, por delegação do titular do inquérito.

(3) Correspondente à deliberação acima transcrita, constante a fls. 12-13 dos autos.


(4) A propósito da articulação do artigo 167.º, n.[SUP]o[/SUP] 1, do Código de Processo Penal com o artigo 199.º, do Código Penal, veja-se o Acórdão da Relação de Évora de 16/03/2016, Relator Desembargador António João Latas (Processo 558/13.4GBLLE.E1), acessível em www.dgsi.pt

(5)
Apud «"Indícios suficientes": Parâmetro de Racionalidade e "Instância" de Legitimação Concreta do Poder-Dever de Acusar» in Revista do CEJ, 2.º Semestre 2004, N.[SUP]o[/SUP] 1, págs. 155-156.

(6)
Ob. cit., pág. 160.


(7)
cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada.
 
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