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INCONSTITUCIONALIDADE. INSOLVÊNCIA"O que disse o tribunal"

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santos2206

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[h=2]Tribunal Constitucional, 2ª Secção, Acórdão 55/2018 de 31 Jan. 2018, Processo 421/16
[/h]N.º de Acórdão: 55/2018

Processo: 421/16


JusNet 629/2018

Padece de inconstitucionalidade a norma que equipara o requerimento de insolvência do administrador judicial provisório ao reconhecimento de insolvência pelo próprio devedor, sem que este manifeste a sua anuência quanto à requerida insolvência


NORMAS INCONSTITUCIONAIS. INSOLVÊNCIA. DISPENSA DE AUDIÊNCIA. É julgada inconstitucional a norma extraível do artigo 17.º-G, n.º 4, do CIRE, interpretada no sentido de que, requerida a insolvência do devedor pelo administrador judicial provisório, se deve aplicar, de imediato, o disposto no art.º 28, com as necessárias adaptações, isto é, que o requerimento do administrador judicial provisório pedindo a insolvência do devedor deve implicar o reconhecimento por este da sua situação de insolvência e a dispensa da sua audiência. A equivalência do requerimento de insolvência formulado pelo administrador judicial provisório à apresentação à insolvência pelo devedor quando este não tenha manifestado a sua anuência quanto à situação de insolvência, a decidir em processo judicial em que não se prevê qualquer forma de participação do devedor em defesa dos seus direitos, representa uma restrição desproporcionada dos direitos do devedor de acesso ao direito e a uma tutela judicial efetiva.

Disposições aplicadas
DL n.º 53/2004, de 18 de Março (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas) art. 17-G.4
Jurisprudência relacionada
Em sentido equivalente:
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TC, 3ª Secção, Ac. de 12 de Julho de 2017

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TC, 1ª Secção, Ac. de 16 de Novembro de 2017

Vide também:
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TC, Ac. de 10 de Março de 1998

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TC, Ac. de 20 de Novembro de 1996

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TC, 2ª Secção, Ac. de 28 de Novembro de 2006

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TC, Ac. de 1 de Julho de 2008

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TC, Ac. de 13 de Janeiro de 2010

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TC, Ac. de 12 de Maio de 2010

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TC, Ac. de 7 de Junho de 2011

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TC, Ac. de 5 de Julho de 2012

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TC, Ac. de 8 de Outubro de 2013

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TC, Ac. de 5 de Dezembro de 2013

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TC, 1ª Secção, Ac. de 24 de Maio de 2017
 

santos2206

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Texto

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,


[h=3]I - Relatório
[/h]1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, o Ministério Público veio interpor recurso do acórdão de 3 de maio de 2016, invocando o disposto no artigo 70.º, n.[SUP]o[/SUP] 1, alínea a), da Lei n.[SUP]o[/SUP] 28/82, de 15 de novembro, (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante designada por LTC).

Fundamentou tal recurso na circunstância de a decisão recorrida ter recusado, por inconstitucionalidade material assente na violação do artigo 20.º, n.[SUP]os[/SUP] 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa, "a aplicação do disposto no n[SUP]o[/SUP] 4 do art. 17º-G do CIRE, interpretado no sentido de que, requerida a insolvência do devedor pelo administrador judicial provisório, se deve aplicar, de imediato, o disposto no art.º 28, com as necessárias adaptações, isto é, que o requerimento do administrador judicial provisório pedindo a insolvência do devedor deve implicar o reconhecimento por este da sua situação de insolvência e a dispensa da sua audiência".


2. No âmbito de processo especial de revitalização instaurado por A., Lda., tendo sido frustrada a aprovação do plano de recuperação conducente à revitalização da empresa, o administrador judicial provisório emitiu parecer, nos termos do n.[SUP]o[/SUP] 4 do artigo 17.º-G do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE), no sentido da decretação da respetiva insolvência.
Nesta sequência, foi proferida decisão que, aplicando o disposto nos artigos 2.º, n.[SUP]o[/SUP] 1, alínea a), 3.º, n.[SUP]o[/SUP] 1, e 28.º, por força do artigo 17.º, n.[SUP]o[/SUP] 4, todos do CIRE, declarou a insolvência, sem prévia audição da empresa a respeito do parecer do administrador judicial provisório.
Notificados da referida decisão, os credores B. e C. interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, alegando, em suma, que a empresa devedora não se encontra em situação de insolvência, que o parecer do administrador judicial provisório invoca fundamentos que não encontram correspondência nos factos apurados nos autos e que não resulta do artigo 28.º e 17.º-G, n.[SUP]o[/SUP] 4, ambos do CIRE, que a declaração de insolvência tenha um cariz automático.
Decidindo, o Tribunal da Relação de Coimbra proferiu o acórdão de 3 de maio de 2016, que figura como decisão recorrida no âmbito do presente recurso de constitucionalidade.

3. Notificado para apresentar alegações, o recorrente concluiu, do seguinte modo:
«1.ª) Vem interposto recurso, pelo Ministério Público, para si obrigatório, nos termos do disposto nos artigos 70.º, n.[SUP]o[/SUP] 1, alínea a) e 72.º, n.[SUP]o[/SUP] 3, da LOFPTC, "do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 3 de maio de 2016, proferido nos autos em epígrafe [Proc. n.[SUP]o[/SUP] 1414/15.7T8ACB-F.C1 / Apelações em processo comum e especial] no qual se decidiu "recusar por inconstitucionalidade material, por violação do art. 20.º n[SUP]o[/SUP] 1, 4 da CRP que consagra o direito a um processo equitativo e à tutela jurisdicional efetiva, a aplicação do disposto no n[SUP]o[/SUP] 4 do art. 17º-G do CIRE, interpretado no sentido de que, requerida a insolvência do devedor pelo administrador judicial provisório, se deve aplicar, de imediato, o disposto no art. 28.º, com as necessárias adaptações, isto é, que o requerimento do administrador judicial provisório pedindo a insolvência do devedor deve implicar o reconhecimento por este da sua situação de insolvência e a dispensa da sua audiência".

2.ª) Objeto do presente recurso é a interpretação normativa, perfilhada na sentença de 1ª instância que decretou a insolvência de A., Lda., segundo a qual: "o n.[SUP]o[/SUP] 4 do art. 17.º-G do CIRE, interpretado no sentido de que, caso o administrador judicial provisório emita parecer de que o devedor se encontra em situação de insolvência, se deve aplicar, de imediato, o art. 28º do CIRE, com as necessárias adaptações, isto é, que o requerimento do administrador judicial provisório pedindo a insolvência do devedor deve implicar o reconhecimento por este da sua situação de insolvência e a dispensa da sua audiência".

3.ª) O artigo 20.º (Acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva), n.[SUP]o[/SUP] 4, da Constituição, na redação do artigo 8.º, n.[SUP]o[/SUP] 4, da Lei n.[SUP]o[/SUP] 1/97, de 20 de setembro (Quarta revisão constitucional), in fine, consagra o princípio do "processo equitativo", o qual, segundo jurisprudência constitucional consolidada, integra um aspeto de "(…) correcto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada uma das partes poder deduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e resultado de umas e outras»", enquanto garantia da defesa e do contraditório.
4.ª) A interpretação normativa perfilhada na decisão de primeira instância, na medida em que resolve decretar a insolvência do devedor, no caso a A., Lda., com fundamento exclusivo no requerimento em tal sentido do administrador provisório do processo especial de revitalização, em virtude de o ter equiparado à "apresentação à insolvência do devedor", prevista no artigo 28.º do CIRE, dispensando assim a prévia audição ou pronúncia judicial do devedor, infringe o conteúdo material do direito ao "processo equitativo", no aspeto da garantia do defesa e do contraditório, tal como consagrado no artigo 20.º, n.[SUP]o[/SUP] 4, parte final, da Constituição.
5.ª) Portanto, é de manter a decisão de recusa de aplicação dessa interpretação normativa, expressa no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 3 de maio de 2016, em virtude de a ter julgado materialmente inconstitucional, pelos aludidos fundamentos, de direito e de facto, decorrentes da violação do direito ao processo equitativo, consagrado no artigo 20.º, n.[SUP]o[/SUP] 4, da Constituição, no que este princípio implica de direito à defesa e de direito ao contraditório, quer no plano da alegação quer no plano da prova».

4. Os recorridos B. e C. sintetizaram as suas alegações, nas seguintes conclusões:
«1.º
O douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 3.05.2016 ao decidir "recusar por inconstitucionalidade material, por violação do art. 20.º, n.[SUP]o[/SUP] 4 da CRP que consagra o direito a um processo equitativo e à tutela jurisdicional efetiva, a aplicação do disposto no n.[SUP]o[/SUP] 4 do art. 17.º-G do CIRE, interpretado no sentido de que, requerida a insolvência do devedor pelo administrador judicial provisório, se deve aplicar, de imediato, o disposto no art. 28.º, com as necessárias adaptações, isto é, que o requerimento do administrador judicial provisório pedindo a insolvência do devedor deve implicar o reconhecimento por este da sua situação de insolvência e a dispensa da sua audiência" nenhuma censura merece e deve por isso ser integralmente confirmado. Aliás,

2.º
O caso dos autos patenteia à saciedade a correção deste entendimento: dos factos apurados não resulta que a A. esteja impossibilitada de cumprir as suas obrigações vencidas, nem que o seu passivo seja superior ao ativo, uma vez que "a sua contabilidade foi destruída por descuido" (cit. artigo 25.º do requerimento inicial e Parecer do AJP enviado a juízo a 28.05.2014), mas antes os factos contrários:

3.º

A A. é titular de prédios urbanos avaliados pelo senhor administrador de insolvência em € 263.538,23 (cf. auto de apreensão de 22.05.2015) e os ora recorridos reclamaram créditos no montante de € 79.930,98. Assim,
4.º
Na interpretação do disposto nos artigos 28.º e 17.º-G, n.[SUP]o[/SUP] 2 do CIRE, reputada inconstitucional pela douta decisão recorrida, a declaração de insolvência fundamenta-se na mera opinião do senhor administrador de insolvência, não fundamentada em quaisquer factos conhecidos, o qual assim se substitui ao Tribunal.
5.º
É, assim, de manter a decisão acolhida no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 3.05.2016, que reputou de inconstitucional esta interpretação, por violação do direito ao processo equitativo consagrado no artigo 20.º, n.[SUP]o[/SUP] 4 da Constituição, apenas assim se fazendo a costumada.
JUSTIÇA».

5. A recorrida A., Lda., notificada para tal, não apresentou contra-alegações.
Cumpre apreciar e decidir.
 

santos2206

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[h=3]II - Fundamentação
[/h]6. A questão de constitucionalidade, que o recorrente definiu como objeto do presente recurso, corresponde, substancialmente, à que já foi apreciada no âmbito do Acórdão n.[SUP]o[/SUP] 401/2017 deste Tribunal Constitucional (disponível em www.tribunalconstitucional.pt, sítio da internet onde poderão ser encontrados os restantes arestos doravante citados).

O juízo de inconstitucionalidade a que chegou o referido acórdão foi, aliás, reiterado no âmbito do Acórdão n.[SUP]o[/SUP] 771/2017.
Não havendo motivos para divergir da fundamentação exarada nos mencionados arestos do Tribunal Constitucional, aderimos à mesma, reproduzindo os excertos mais significativos do Acórdão n.[SUP]o[/SUP] 401/2017, nos termos seguintes:
«14. Retomando a questão de constitucionalidade colocada nos presentes autos - por referência à norma do artigo 17.º-G, n.[SUP]o[/SUP] 4, do CIRE, quando interpretada no sentido de o parecer do administrador judicial provisório que conclua pela situação de insolvência equivaler, por força do disposto no artigo 28.º - ainda que com as necessárias adaptações -, à apresentação à insolvência por parte do devedor, quando este discorde da sua situação de insolvência - está em causa o juízo de inconstitucionalidade proferido nos autos, tendo sido entendido decorrer do regime normativo em causa o desrespeito pelos princípios constitucionais plasmados no artigo 20.º da Constituição, em especial nos seus números 1 e 4.

(…)
Com efeito, o artigo 20.º da CRP garante a todos o direito de acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente legítimos (n.[SUP]o[/SUP] 1), determinando ainda que esse direito fundamental possa ser efetivamente exercido através de um processo equitativo (n.[SUP]o[/SUP] 4).
O direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva consagrado no artigo 20.º, CRP - enquanto «norma-princípio estruturante do Estado de Direito Democrático (art. 2.º)» (J.J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4ª edição revista, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, anotação ao artigo 20.º, p. 409) - constitui, porventura, a maior das garantias de defesa dos demais direitos fundamentais dos cidadãos, compreendendo o direito de ação ou de acesso aos tribunais, o direito ao processo perante os tribunais, o direito à decisão da causa pelos tribunais e o direito à execução das decisões dos tribunais (cfr. idem, p. 414).

Por seu turno, deve este direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, sobretudo na vertente do direito de ação, ser efetivado mediante um processo equitativo, que reclama, também nas palavras de. J.J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA (cfr. ob. cit., p. 415): «(1) direito à igualdade de armas ou direito à igualdade de posições no processo (…); (2) o direito de defesa e o direito ao contraditório traduzido fundamentalmente na possibilidade de cada uma das partes invocar as razões de facto e de direito, oferecer provas, controlar as provas da outra parte, pronunciar-se sobre o valor e resultado destas provas; (3) direito a prazos razoáveis de acção ou de recurso (…); (4) direito à fundamentação das decisões; (5) direito à decisão em tempo razoável; (6) direito ao conhecimento dos dados processuais; (7) direito à prova, isto é, à apresentação de provas destinadas a demonstrar e provar os factos alegados em juízo; (8) direito a um processo orientado para a justiça material sem demasiadas peias formalísticas».
Também a jurisprudência constitucional tem dedicado a sua atenção aos comandos derivados do artigo 20.º da CRP. Como se escreveu no recente Acórdão n.[SUP]o[/SUP] 251/2017 (disponível, bem como os demais citados, em www.tribunalconstitucional.pt):
«O Tribunal Constitucional tem ampla jurisprudência sobre o direito fundamental de acesso ao Direito e à tutela jurisdicional efetiva consagrado no artigo 20.º da Constituição.
De acordo com essa jurisprudência «o direito de acesso aos tribunais ou à tutela jurisdicional implica a garantia de uma proteção jurisdicional eficaz ou de uma tutela judicial efetiva, cujo âmbito normativo abrange nomeadamente: (a) o direito de ação, no sentido do direito subjetivo de levar determinada pretensão ao conhecimento de um órgão jurisdicional; (b) o direito ao processo, traduzido na abertura de um processo após a apresentação daquela pretensão, com o consequente dever de o órgão jurisdicional sobre ela se pronunciar mediante decisão fundamentada; (c) o direito a uma decisão judicial sem dilações indevidas, no sentido de a decisão haver de ser proferida dentro dos prazos preestabelecidos, ou, no caso de estes não estarem fixados na lei, dentro de um lapso temporal proporcional e adequado à complexidade da causa; (d) o direito a um processo justo baseado nos princípios da prioridade e da sumariedade, no caso daqueles direitos cujo exercício pode ser aniquilado pela falta de medidas de defesa expeditas» (cfr. Acórdão n.[SUP]o[/SUP] 839/2013).

O artigo 20.º da Constituição garante a todos o direito de acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente legítimos, impondo igualmente que esse direito se efetive - na conformação normativa pelo legislador e na concreta condução do processo pelo juiz - através de um processo equitativo (n.[SUP]o[/SUP] 4).
Como o Tribunal Constitucional tem sublinhado, "o direito de acesso aos tribunais é, entre o mais, o direito a uma solução jurídica dos conflitos a que se deve chegar em prazo razoável e com observância das garantias de imparcialidade e independência, mediante o correto funcionamento das regras do contraditório (Acórdão n.[SUP]o[/SUP] 86/88 […]. Como concretização prática do princípio do processo equitativo e corolário do princípio da igualdade, o direito ao contraditório, por seu lado, traduz-se essencialmente na possibilidade concedida a uma das partes de "deduzir as suas razões (de facto e de direito)", de "oferecer as suas provas", de "controlar as provas do adversário" e de "discretear sobre o valor e resultados de umas e de outras" (entre muitos outros, o Acórdão n.[SUP]o[/SUP] 1193/96)» (cfr. Acórdão n.[SUP]o[/SUP] 186/2010, ponto 2).
15. No caso em presença está em causa a específica dimensão do direito à tutela jurisdicional efetiva, designada por "proibição de indefesa". Este princípio, decorrente do reconhecimento do direito geral ao contraditório inerente ao direito a um processo justo implicado no direito fundamental de acesso à justiça, consagrado no artigo 20.º da Constituição, afirma uma proibição da limitação intolerável do direito de defesa perante o tribunal.
Sobre este aspeto existe também abundante jurisprudência do Tribunal Constitucional, nomeadamente o Acórdão n.[SUP]o[/SUP] 350/2012, ponto 3, onde se refere que:
«(…) no âmbito de proteção normativa do artigo 20.º da CRP se integrarão, além de um geral direito de ação, ainda o direito a prazos razoáveis de ação e de recurso e o direito a um processo justo, no qual se incluirá, naturalmente, o direito de cada um a não ser privado da possibilidade de defesa perante os órgãos judiciais na discussão de questões que lhe digam respeito. Integrando, assim, a "proibição da indefesa" o núcleo essencial do "processo devido em Direito", constitucionalmente imposto, qualquer regime processual que o legislador ordenaria venha a conformar - seja ele de natureza civil ou penal - estará desde logo vinculado a não obstaculizar, de forma desrazoável, o exercício do direito de cada um a ser ouvido em juízo». (cfr. também o Acórdão n.[SUP]o[/SUP] 657/2013, ponto 7.1.)

Este entendimento acompanha jurisprudência anterior. Como se refere no Acórdão do Tribunal Constitucional n.[SUP]o[/SUP] 286/2011, ponto 9:
«(…) O princípio da proibição da indefesa, ínsito no direito fundamental de acesso à justiça, tem sido caracterizado pelo Tribunal Constitucional como a proibição da "privação ou limitação do direito de defesa do particular perante os órgãos judiciais, junto dos quais se discutem questões que lhe dizem respeito" (Acórdão n.[SUP]o[/SUP] 278/98). No Acórdão n.[SUP]o[/SUP] 353/08 […] refere o Tribunal:
"O Tribunal tem entendido o contraditório, exigido no artigo 20.º da Constituição, essencialmente, como o direito de ser ouvido em juízo, do qual retira uma genérica proibição de indefesa, isto é, a proibição da limitação intolerável do direito de defesa do cidadão perante o tribunal onde se discutem questões que lhe dizem respeito".
Mas o Tribunal tem feito sentir a necessidade de ponderar a preocupação de garantir o acesso ao tribunal para permitir o contraditório, com outros princípios processuais. Afirmou no Acórdão n.[SUP]o[/SUP] 20/2010, […]:

"Da estrutura complexa que detém o princípio do processo equitativo, consagrado no artigo 20.º da Constituição, decorrem, para o legislador ordinário, para além da obrigação que se cifra em não lesar o princípio da ‘proibição da indefesa’, a obrigação de conformar o processo de modo tal que através dele se possa efetivamente exercer o direito a uma solução jurídica dos conflitos, obtida em tempo razoável e com todas as garantias de imparcialidade e independência, existindo à partida, entre os valores da ‘proibição da indefesa’ e do contraditório e os princípios da celeridade processual, da segurança e da paz jurídica, uma relação de equivalência constitucional, devendo o legislador optar por soluções de concordância prática, de tal modo que das suas escolhas não resulte o sacrifício unilateral de nenhum dos valores em conflito, em beneficio exclusivo de outro ou de outros"
O Tribunal reconhece, portanto, ser possível introduzir limitação à garantia de acesso aos tribunais em nome do interesse geral ou público (assim, o Acórdão n.[SUP]o[/SUP] 658/06 […]

Desta jurisprudência decorre que o princípio da proibição da indefesa não é um princípio absoluto, devendo ser ponderado com outros princípios conflituantes, o que pode levar à limitação do seu alcance, desde que não se transforme numa restrição intolerável».

O princípio do contraditório pressupõe, portanto, como regra a admissibilidade e conhecimento da defesa por impugnação e exceção na mesma ação. A proibição de indefesa enquanto elemento indispensável da via judiciária de tutela efetiva implica não apenas a impugnação dos fundamentos da ação como a possibilidade de os ver todos apreciados na mesma. Não se trata, no entanto, de um princípio absoluto, devendo, antes, ser ponderado com outros princípios conflituantes.»
15. Ora, quanto ao objeto do presente recurso - e à luz dos parâmetros constitucionais acima enunciados - verifica-se que a norma agora objeto de fiscalização impossibilita a defesa do devedor perante o Tribunal, em face do regime associado ao requerimento do administrador judicial provisório no sentido da insolvência do devedor na sequência do encerramento do PER sem aprovação do respetivo plano especial de revitalização, não se prevendo qualquer participação do mesmo no processo que se segue ao do referido requerimento, pese embora não tenha manifestado a sua anuência quanto à requerida insolvência (e se possa ter manifestado antes da emissão do parecer pelo AJI e perante este).Com efeito, de acordo com o disposto no n.[SUP]o[/SUP] 4 do artigo 17.º-G do CIRE - e da aplicação do artigo 28.º do CIRE com as devidas adaptações, para o qual aquela disposição remete -, o requerimento do AJP no sentido da insolvência do devedor é feito equivaler à apresentação à insolvência por parte do devedor, implicando o reconhecimento por este da sua situação de insolvência, que é declarada até ao 3.º dia útil seguinte ao da distribuição da petição inicial (o que, com as necessárias adaptações, aqui se compreende por referência ao parecer do AJP com requerimento de insolvência do devedor). Isto, mesmo quando o devedor se tenha oposto ao parecer/requerimento do administrador judicial provisório no sentido da declaração da sua insolvência (ou não tenha manifestado a sua concordância).

Na sua formulação a norma configura, assim, um processo de insolvência requerido e decidido à margem da intervenção do devedor nesse mesmo processo e perante o Juiz. Contudo, a declaração de insolvência do devedor - cuja participação no processo judicial assim configurado é omissa - não deixa de apresentar fortíssima projeção no estatuto do insolvente, associando-se-lhe um feixe de obrigações e constrangimentos que assumem inegável relevo na esfera jurídica daquele a quem a declaração de insolvência visou.

Com efeito, ao fazer equivaler o requerimento de insolvência do devedor à sua apresentação à insolvência (nos casos, como ocorre nos autos, em que o devedor não concordou com o parecer e requerimento do AJP quanto à sua insolvência) e ao fazer avançar o processo de insolvência para uma declaração a proferir no curtíssimo prazo com termo n[SUP]o[/SUP] 3.º dia útil seguinte ao da apresentação do requerimento do AJP (o que, para além da remissão para o artigo 28.º, é também corroborado pelo teor da norma contida no n.[SUP]o[/SUP] 3 do mesmo artigo 17.º-G, do CIRE), o legislador não apenas postergou qualquer possibilidade de o devedor trazer a juízo os factos e as razões que pudessem levar a conclusão diversa quanto à sua situação de insolvência, como configurou um processo sem paralelo por comparação com os processos em que a iniciativa coube a terceiros, em especial, os próprios credores (tal como permitido pelo artigo 20.º do CIRE).
A isto acrescem outras limitações que para o devedor podem decorrer do requerimento do AJP no sentido da insolvência quanto a certos mecanismos previstos no CIRE e que, por aquela razão, podem ser afastados (vide os artigos 224.º, n.[SUP]os[/SUP] 1 e 2, e 236.º, n.[SUP]o[/SUP] 1, ambos do CIRE - respetivamente, administração da massa insolvente pelo devedor e pedido de exoneração do passivo restante, ficando naquele caso afastada a possibilidade de o devedor requerer tal exoneração).
Assim sendo, a norma constante do n.[SUP]o[/SUP] 4 do artigo 17.º-G do CIRE, tal como interpretada no caso dos autos, configura uma restrição ao direito fundamental de defesa em tribunal, previsto no artigo 20.º da CRP, não garantindo ao devedor a defesa da sua posição mediante um processo equitativo.

E esta restrição não parece encontrar justificação bastante nos demais direitos e bens constitucionalmente protegidos que habilitasse, em ponderação e de acordo com critérios de proporcionalidade e justa medida, adequar o regime normativo em presença aos ditames constitucionais derivados dos n.[SUP]os[/SUP] 2 e 3 do artigo 18.º da Lei Fundamental.

Pode reconhecer-se que a expedita solução legal de fazer equivaler o requerimento do AJP à apresentação à insolvência pelo devedor, que assim se vê compelido a reconhecer a sua situação de insolvência (não obstante não ter manifestado a sua anuência ou mesmo tendo-se oposto às conclusões do parecer que habilitaram tal conclusão), a decidir n[SUP]o[/SUP] 3.º dia útil posterior ao da apresentação do requerimento, é seguramente informada pelo valor da celeridade processual - a que o próprio artigo 20.º da CRP não deixa de se referir no seu n.[SUP]o[/SUP] 5 -, ao qual se reconhece assumir especial relevância na condução de processos de insolvência. Do mesmo passo, reconhece-se que a ponderação do parecer do AJP - emitido na sequência de um processo especial de revitalização que não logrou a aprovação do plano de revitalização e assim incluindo toda a informação relevante obtida no âmbito do processo que o antecedeu que permita aferir da situação do devedor - representa também para o processo um factor de celeridade e economia processual.
Todavia, o objetivo de celeridade, cuja relevância na condução dos processos de insolvência é evidente (seja em benefício dos credores cujos direitos se prosseguem e protegem, seja em benefício do próprio devedor, assim se definindo o seu estatuto) não se afigura constituir por si só um objetivo absoluto que justifique a desconsideração da posição do devedor/insolvente nos autos de insolvência que se seguem à emissão do parecer e requerimento do administrador judicial provisório com vista à declaração de insolvência do devedor.
Acresce que, no processo de insolvência, o específico papel do administrador judicial (neste caso, provisório), ditado por obrigações de rigor técnico e de imparcialidade, dificilmente se compagina com o estatuto de parte num processo contraditório, de modo a discretear as razões que possam ser aduzidas em desfavor das conclusões por si alcançadas e dos elementos trazidos ao processo. Isto também tendo presente que o AJP não representa nem o devedor nem os seus credores - cuja posição, não obstante a relevância dos seus interesses, aqui também não se mostra especialmente acautelada, a não ser por via da celeridade conferida à decisão de insolvência -, nem tem, por si, qualquer interesse no processo.

Assim, mesmo em face da invocação de outros valores constitucionalmente relevantes - como o objetivo de celeridade na condução e desfecho dos processos de insolvência - o regime normativo que resulta da remissão feita pelo n.[SUP]o[/SUP] 4 do artigo 17.º-G do CIRE para o artigo 28.º do mesmo Código (com as necessárias adaptações), ao fazer equivaler o requerimento de insolvência formulado pelo administrador judicial provisório à apresentação à insolvência pelo devedor quando este não tenha manifestado a sua anuência quanto à situação de insolvência, a decidir em processo judicial em que não se prevê qualquer forma de participação do devedor em defesa dos seus direitos, representa uma restrição desproporcionada dos direitos do devedor em processo de insolvência de acesso ao direito e a uma tutela judicial efetiva (em especial dos direitos de defesa e de acesso a um processo equitativo, garantidos pelo artigo 20.º, n.[SUP]os[/SUP] 1 e 4, da Constituição), dada a situação de indefesa do devedor que deriva da configuração do processo regulado naquelas disposições legais.»

Assim, julga-se inconstitucional a norma extraída do artigo 17.º - G, n.[SUP]o[/SUP] 4, do CIRE, interpretada no sentido de que, requerida a insolvência do devedor pelo administrador judicial provisório, se deve aplicar, de imediato, o disposto no art.º 28, com as necessárias adaptações, isto é, que o requerimento do administrador judicial provisório pedindo a insolvência do devedor deve implicar o reconhecimento por este da sua situação de insolvência e a dispensa da sua audiência.

[h=3]III - Decisão
[/h]Pelo exposto, decide-se:
a) Julgar inconstitucional, por violação do artigo 20.º, n.[SUP]os[/SUP] 1 e 4, conjugado com o artigo 18.º, n.[SUP]o[/SUP] 2, da Constituição da República Portuguesa, a norma extraível do artigo 17.º-G, n.[SUP]o[/SUP] 4, do CIRE, interpretada no sentido de que, requerida a insolvência do devedor pelo administrador judicial provisório, se deve aplicar, de imediato, o disposto no art.º 28, com as necessárias adaptações, isto é, que o requerimento do administrador judicial provisório pedindo a insolvência do devedor deve implicar o reconhecimento por este da sua situação de insolvência e a dispensa da sua audiência, e, em consequência;
b) negar provimento ao recurso.
Sem custas, por não serem legalmente devidas.
Lisboa, 31 de janeiro de 2018 - Catarina Sarmento e Castro - Maria Clara Sottomayor - Pedro Machete - Fernando Vaz Ventura - Manuel da Costa Andrade











 
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