• Olá Visitante, se gosta do forum e pretende contribuir com um donativo para auxiliar nos encargos financeiros inerentes ao alojamento desta plataforma, pode encontrar mais informações sobre os várias formas disponíveis para o fazer no seguinte tópico: leia mais... O seu contributo é importante! Obrigado.

Arrendamento. Direito de preferência

santos2206

GForum VIP
Entrou
Jul 12, 2014
Mensagens
2,454
Gostos Recebidos
19
[h=2]O arrendatário, desde 1941, de parte não autónoma de um prédio não constituído em propriedade horizontal sito na Rua Augusta, em Lisboa, não tem direito de preferência
[/h]JusJornal, N.º 26, Secção Civil / Acórdão do Dia , Abril 2018, Editora Wolters Kluwer
JusNet 60/2018


O Tribunal da Relação de Lisboa, no seu acórdão de 8 de fevereiro de 2018, confirmou parcialmente a decisão recorrida no sentido de que o arrendatário de parte não autónoma de um prédio não constituído em propriedade horizontal, não tem direito de preferência sobre a totalidade do imóvel. No entanto, julgou procedente o recurso na parte em que concede uma indemnização ao arrendatário por despesas efetuadas, no âmbito de responsabilidade civil pré-contratual.

Evolução histórica do direito de preferência dos arrendatários
No direito romano, o direito de preferência era reconhecido aos co-herdeiros, visando preservar a propriedade da família contra a interferência de estranhos e veio a ser atribuído também a todos os comproprietários de prédios indivisos.
No direito português, as Ordenações Afonsinas reconheciam o direito de avoenga, a faculdade de os familiares mais próximos de quem adquirira bens por herança os haverem para si, tendo tal direito sido abolido a partir das Ordenações Manuelinas. As Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas também reconheciam direito de preferência ao senhorio na alienação do domínio útil. O Código de Seabra manteve este direito, a par da criação de outros, como o direito do comproprietário na alienação a estranhos da quota sobre a coisa indivisível, o direito do proprietário de prédio serviente ou de prédio encravado na venda dos correspetivos prédios e ainda na transmissão de outros direitos reais menores.
No entanto, foi a Lei n.º 1662, de 4 de setembro de 1924, que pela primeira vez atribuiu ao inquilino direito de preferência na venda do locado pelo senhorio, no âmbito do arrendamento comercial ou industrial. Nesta época não existia propriedade horizontal, pelo que este regime não deixava dúvidas de que a preferência era concedida mesmo ao arrendatário parcial, na venda da totalidade do prédio.
O direito de preferência do arrendatário comercial, industrial e liberal foi previsto na Lei n.º 2030, de 22 de junho de 1948, pela qual o arrendatário parcial teria direito de preferência na alienação da totalidade do prédio, prevendo a lei o modo de determinação do preferente prevalecente, no caso de pluralidade de arrendatários. Não seria assim em caso de propriedade horizontal, situação essa em que a preferência incidiria tão só sobre o andar ocupado pelo inquilino.
O Código Civil de 1966 manteve a atribuição de direito de preferência ao arrendatário comercial e industrial e liberal, continuando a reconhecer o direito de preferência ao arrendatário de parte não autonomizada do prédio, na venda da totalidade do mesmo. E a Lei n.º 63/77, de 25 de agosto, consagrou o direito de preferência do arrendatário habitacional na venda e dação em pagamento do imóvel arrendado, segundo a qual no caso de arrendamento parcial em prédio não constituído em propriedade horizontal, o direito de preferência do arrendatário abrangia a alienação da totalidade do prédio. Também se regulava a determinação do arrendatário prevalecente, em caso de pluralidade de arrendatários.

Tanto o artigo 1117.º do Código Civil, como a Lei n.º 63/77, foram revogados pelo Regime do Arrendamento Urbano, através do qual o legislador reporta, pela primeira vez, o exercício da preferência à alienação do local arrendado.

Na primeira tentativa de reforma profunda do regime jurídico do arrendamento urbano que se sucedeu à aprovação do RAU, foi prevista a eliminação do direito de preferência dos arrendatários na alienação dos prédios arrendados. Porém, a queda do XVI Governo Constitucional fez abortar essa reforma. A nova maioria política não extinguiu, contudo, o impulso reformador do regime do arrendamento urbano, o qual veio a desembocar no NRAU, que não eliminou a preferência do arrendatário na alienação do arrendado, continuando a prevê-la. Nos trabalhos preparatórios do NRAU não se encontra menção a uma eventual explicação para a modificação do texto legal respeitante à preferência do arrendatário na alienação do locado, tendo o legislador assumido uma solução intermédia, mantendo a preferência imposta à circulação do bem arrendado, mas circunscrevendo-a à proteção daquele que exerce um direito pessoal de gozo coincidente, na sua expressão física, com o bem alienado.
Atualmente, o Código Civil mantém a expressão local arrendado.
Teses em confronto
Uma posição mais restrita defende que o arrendatário de parte não autónoma de um prédio não constituído em propriedade horizontal não tem direito de preferência na alienação da totalidade do prédio.
Com efeito, pelos elementos gramatical, histórico e sistemático da lei, esta posição considera que o direcionamento da preferência para a alienação do local arrendado e a simultânea eliminação da regra cuja aplicabilidade pressupunha a concorrência da preferência de arrendatários de partes não autónomas de prédio não constituído em propriedade horizontal, acrescida da injustificável eventual atribuição de preferência na alienação do prédio a arrendatários a ele ligados por interesse meramente acessório face à sua finalidade principal.

Quanto à posição mais tradicional sobre este tema, o arrendatário de parte não autónoma de um prédio não constituído em propriedade horizontal tem direito de preferência na alienação da totalidade do prédio.
Neste sentido, o legislador atribui o direito de preferência tanto ao arrendatário de fração autónoma como ao arrendatário do prédio urbano não constituído em propriedade horizontal, sendo a expressão local arrendado uma fórmula uniformizadora que se reporta à alienação da fração autónoma e à alienação de prédio não constituído em propriedade horizontal. As modificações na redação da lei visaram harmonizar os preceitos pretéritos existentes quanto à preferência nos arrendamentos para comércio, indústria e profissão liberal, por um lado, e quanto ao arrendamento habitacional, por outro.
Posição adotada e caso concreto
O Tribunal da Relação de Lisboa defende a posição mais restrita.
No caso em apreço, a senhoria comunicou ao arrendatário o projeto de venda do imóvel onde o arrendado se localizava, ao abrigo de uma suposta preferência legal. Ora, tendo a comunicação sido enviada pela senhoria também aos outros inquilinos do prédio, tal comunicação não assume a natureza de uma verdadeira proposta de venda, apresentada com o intuito de dar forma a um autêntico contrato-promessa de compra e venda.
Assim, não é reconhecido o direito de preferência na alienação da totalidade do prédio ao arrendatário de parte não autónoma de um prédio não constituído em propriedade horizontal.
Responsabilidade Civil Pré-contratual
Ao abrigo do disposto no número 1 do artigo 227.º do Código Civil, sob a epígrafe «culpa na formação dos contratos», quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte.

Neste sentido, tendo o senhorio criado a convicção de que reconheceria o direito de preferência ao arrendatário na venda do imóvel, ao informar o preço e demais condições que haviam sido acordadas com a compradora, aquele deu azo a que o arrendatário tomasse providências e assumisse despesas tendo em vista a concretização do negócio.
Assim, o senhorio deve ser responsável por essas despesas no valor de 3.577,84 euros.

Voto vencido

Um dos juízes votou vencido esta decisão declarando que a posição adotada pelo Tribunal da Relação não segue a posição tradicional amplamente maioritária que reconhece o direito de preferência do arrendatário de parte indivisa no caso da venda de todo o prédio.
 
Topo