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Crise da justiça, crise da lei e crise de Estado

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GF Ouro
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Jun 2, 2007
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Cremos que nenhuma época foi tão juridicidade como a nossa. Cada Diário da República traz uma carga de novas leis e, se existe um ponto de acordo entre as forças sociais que se opõem hoje no nosso país, é que, se a regulamentação fosse melhor, tudo correria muito melhor. A inflação do número de normas jurídicas não leva, per si, à adesão ao fundo da norma.

Quando se fala na crise da justiça, vêm imediatamente ao espírito os casos mediáticos que correm pachorrentamente nos tribunais portugueses, como o processo da Casa Pia, o caso Freeport, os casos BPN e BPP etc., etc. Enumerados assim, pouco provariam, porque cada época tem os seus casos, os seus erros judiciários, os seus escândalos e as suas indignações. A característica do período actual vem da repetitividade na lentidão e na frequência do erro judiciário, como se a justiça não conseguisse recuperar o fôlego. Na gestão do justo e do injusto, do bem e do mal, do verdadeiro e do falso, a justiça hesita, o seu discurso é contraditado e a sua voz é coberta por outras.

A crise do discurso jurídico, da lei e do direito pode explicar esta ausência de “saber dizer a justiça”. Este fenómeno actual produz outras forças que estavam caladas desde há muito ou que raramente eram ouvidas: um movimento de contestação nas profissões judiciárias encarnado pelos Sindicatos das Magistraturas, remoinhos e revoltas nos advogados. Ao mesmo tempo que, contestada, a justiça parece ultrapassada, outras instâncias de regulação social se instalam, ao mesmo tempo que começam a surgir vozes a denunciar a existência de um Estado policial, cerceando os direitos fundamentais dos portugueses.

Cremos que nenhuma época foi tão juridicidade como a nossa. Cada Diário da República traz uma carga de novas leis e, se existe um ponto de acordo entre as forças sociais que se opõem hoje no nosso país, é que, se a regulamentação fosse melhor, tudo correria muito melhor. A inflação do número de normas jurídicas não leva, per si, à adesão ao fundo da norma. As verdadeiras normas legais devem obedecer a três requisitos essenciais derivados da ideologia democrática e dos princípios do direito: a sua generalidade, a sua objectividade e a sua coerência.

Generalidade enquanto produto de todos e aplicável a todos; a sua objectividade deve derivar da sua formulação geral e permanente que não permita suspeitá-la de ser utensílio de interesses particulares; a coerência é a ambição da razão democrática, que terá por vontade abranger tudo num discurso definitivo e sem falha. Quando o direito perde a universalidade, um desequilíbrio permanente instala-se entre os particularismos que explodem à procura do seu reconhecimento e uma universalidade que o Código Civil manda construir.

Hoje, os desequilíbrios da situação económica, social e política, ao actualizarem e tornarem colectivos estes problemas, fazem deles objectos que os tiram dum estatuto teórico, aproximando-os daqueles que gostariam já de propor uma outra justiça, outras leis e um outro Estado. A verdade é que a justiça tem dificuldade em cumprir a sua missão no âmbito da decisão de conflitos.

Há quem entenda que, garantida a segurança, observada a justiça e provendo-se ao bem-estar colectivo, encontrar-se-á realizada a “ordem”. Mas não nos esqueçamos que, numa sociedade onde há clivagens de profunda desigualdade social, não pode nunca ter essa “ordem” uma existência duradoira. Supondo que chegue a existir, em breve será afectada, por exemplo, por novos problemas sociais, como o aumento do desemprego ou as reivindicações salariais, a criminalidade, a desordem pública, de modo que será desfeito esse precário equilíbrio. E surgindo assim em conflito diversos fins do Estado, tem este que decidir, escolhendo aquele que deve prevalecer. De modo quase constante, os Estados costumam dar a sua preferência à segurança, no confronto com os direitos e liberdades dos cidadãos. Mas, neste caso, está em causa a qualidade da democracia. É impossível agradar a gregos e a troianos e, por isso, os portugueses têm de escolher.

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