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O Remate

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Autor: João Santana Fialho Acabado

A Caça Grossa é para quem gosta de emoções fortes. Neste tipo de caça mesclam-se ingredientes ancestrais que a tornam apaixonante, obsidiante mesmo.

Lá…! Nos cerros e barrancos o­nde vivem os bichos bravos, aí tudo é sério e autêntico, desde o ar que respiramos impregnado de cheiros que inebriam, aos matorrais agrestes, fechados, hostis, mas de beleza única e promissora. A chamar-nos irresistívelmente!

Na caça e perseguição dos bichos bravios, o campo, os montes, as fragas, os rochedos, ganham alma e espantam pela bruteza e sobranceria primitivas. Aí se desenrola o drama da vida e da morte, em toda a sua crueza.

A Caça Grossa é a que mais nos aproxima da Natureza, da nossa própria natureza! É a que melhor desperta em nós os instintos atávicos há muito adormecidos do homem antigo, do Homem Caçador. Aqui não cabem meios-termos, aqui não há lugar para sentimentos frouxos!

O ponto alto de todo o acto cinegético é o encontro e a morte do animal que perseguimos.

Por isso… há que matar, e matar bem! Assim mesmo!

Aqui toda a hesitação ou falta de decisão redunda em desnecessário sofrimento para a presa e é feia acção.

Vamos falar do Remate, ponto culminante da Caça Grossa.

No remate vive os momentos mais intensos todo aquele que for caçador.

Rematar é o acto de dar morte a um animal ferido, agarrado ou encurralado pelos cães.
 

helldanger1

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«São estes lances, arrojados e com uma ponta de barbarismo, a pedra de sal que tempera e aviva o gosto próprio da Caça Grossa.»

Normalmente o Remate faz-se à faca, como mandam as boas normas, mas também poderá ser feito, e bem, com lança curta para nossa maior segurança, ou mesmo com arma de fogo, para salvaguardar os cães ou impedir que o animal se escape.

Requer este acto certa afoiteza e desembaraço, e em casos mais bicudos algum tanto de cautela e saber.

Comecemos pois pelo Remate à faca, o mais puro e também o mais emocionante.

Deve o confrade munir-se de faca adequada, sólida, com boas guardas, não vá a mão correr para diante. Terá de preferência dois gumes, e há-de ser bem pontiaguda e afiada, que a cota dos porcos velhos assim o exige. Folha de palmo ou pouco mais, não precisa ser muito larga.

Deve também o confrade munir-se de muita prudência, que o perigo e o imprevisto andam por aqui de mãos dadas…!

Assim a primeira e mais importante coisa a saber é avaliar a situação antes de nela entrarmos, pois casos há em que o risco é excessivo ou simplesmente não são para este tipo de Remate.

Este conhecimento adquire-se pouco a pouco pela prática, ou vendo-se fazer, ou em conversa ouvindo caçadores experientes que contam este ou aquele caso.

Alguns matilheiros serão naturalmente grandes práticos, mas o que eles dizem e fazem não servirá para toda a gente, pois trata-se de homens habituadíssimos ao mato, que sabem da têmpera e do jeito de cada um dos seus cães, e que só pelo seu ladrar, pela sua "voz", os reconhecem à distância e sabem o que está a passar.

Muito do que estes homens fazem, só eles o poderão fazer! Eles e mais quem tenha e ande com cães seus! Entre estes caçadores e os seus cães há laços de confiança e conhecimento únicos, que permitem os mais belos e arrojados lances de caça!

 

helldanger1

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Para quem não tenha cães seus a coisa é bem diferente e para estes estamos a falar!

Assim sendo há que ver se o animal que vamos rematar está:

- Bem agarrado.
- Se de vez em quando se solta.
- Se está solto e rodeado apenas.
- Se tem só um ou dois canicalhos a assinalá-lo.
- Se está sem cães, ferido e impossibilitado de fugir.
- Se está acuado e dando nos cães.


No primeiro caso, de agarre firme, não há que hesitar, é mesmo à faca! Vai-se lá, vê-se bem a posição do porco, grita-se aos cães para lhes dar força e confirmar se o agarre continua firme, e entra-se ao bicho por trás e de lado, tendo cuidado com os cães que, na confusão, cegos e encarniçados e não nos conhecendo, ou não se apercebendo de nossa presença, podem “tocar-nos” no braço ou na cara.

Este perigo é bem real com um porco "carregado" de cães.

Se o porco é pequeno não requer cuidados de maior, mas se for médio ou grande, aí…cautela, que pode soltar a cabeça e atingir-nos!

Acontece amiúde o bicho estar já caído. Aí faremos por nos aproximarmos pelo lado do espinhaço, põe-se-lhe um pé no cachaço e remata-se.

Pode ainda suceder que quando o caçador se encontra já bem próximo, os cães que até aí tinham aguentado firmes, largam de repente total ou parcialmente, vendo-se o caçador nos apuros correspondentes.

Pensamos que isto se passa por alguns cães terem medo do estranho que se aproxima, pois como sabemos é bastante comum algumas portas darem-lhes varadas quando eles estão de volta de um bicho que ainda nem está bem morto. Será esta uma boa maneira de estragar cães como qualquer outra…

 

helldanger1

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No segundo caso, do porco que se solta e volta a ser agarrado, há que ver bem o que se passa.

Pode o bicho soltar-se pôr os cães serem poucos ou fracos.

Se assim for, este é porco que só pensa em fugir, solta-se, escapa-se, e volta a ser agarrado na fuga.

Este porco normalmente não representa grande perigo para nós nem para os cães. Pode ser morto à faca enquanto está agarrado, ou a tiro, com os devidos cuidados, quando se escapa.

Pode também acontecer, e acontece, a situação ser parecida, mas com a grande diferença de o porco ser rijo, bem armado e os cães o soltarem por levarem pancada e haver baixas!

Este é o porco que em vez de fugir se firma e que corre atrás dos cães, atirando-lhes fiadas… E melhor o fará direito a nós se nos pressentir por perto!

Esta situação só sucede com cães bons e valentes, com os outros nunca aqui se chega, pois esses afastam-se logo às primeiras tarrascadas e limitam-se a ir atrás ladrando, ou a rodear sem entrarem, ou simplesmente abandonam...

Há que lá ir e bem preparado, com espingarda, evidentemente.

Querer matar logo um porco destes à faca, é muito pouco sensato e esperar que porventura os cães acabem por firmar é ter pouco respeito pela matilha, pois quando o caçador lá chegou já havia com certeza baixas e navalhadas, além de que estas fugas e correrias tiram-nos logo da vista e do alcance o reboliço do porco mais dos cães.

Se se apanhar o bicho rodeado pelos cães ou escapando-se-lhes, e se a segurança destes não for comprometida…! Ferra-se-lhe um tiro, e a conversa fica por aqui!

Cuidado e decisão neste tiro!

Se se encontram os cães agarrados, grita-se para lhes dar força e para que se inteirem bem da nossa presença, e espera-se de arma aperrada, pois que se se soltar, este porco, é quase certo que se venha por nós… e aí haverá que apeitá-lo conforme puder ser. O melhor é deixá-lo chegar a um ou dois palmos da boca do cano ou mesmo encostar-lho, e... fogo!

Se falhar este tiro caro confrade conte com uma voltereta e uma péssima recepção no fim da acrobacia... A arma normalmente perde-se e voa não se sabe para o­nde.

A partir daqui será mesmo à unha e à faca… Boa sorte!
 

helldanger1

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Nesta parte do lance têm-se visto subidas velocíssimas a chaparros e há conhecimento até de uma ultrapassagem em plena escalada...

Mas voltemos ao chão o­nde normalmente tudo se passa.

Caçadores experientes deparando-se com uma situação destas, batem-lhes o pé no chão, com força, ou chamam-nos como se chama um touro, o que provoca a arrancada do bicho direito a nós. Depois… é só encostar-lhe o cano, ou firmá-lo com a lança!

Este porco, como digo, mesmo com cães anda à roda para os trincar, e não raro carrega-nos com eles filados e pendurados!

Bem, se os cães, aos gritos, agarram e mantêm a presa firme então é à faca, mas com todo o cuidado e frieza possíveis. Há que andar também à roda, e ligeiro. Ligeiro, para lhe entrarmos por trás! Agarra-se-lhe então com alma uma pata detrás, levanta-se-lha e segura-se-lha firme à altura da cintura, e estoca-se por baixo, na bexiga. O efeito é imediato…! O porco desequilibra-se e cai ou fica sem força nos quartos traseiros, sentando-se com as patas de rojo, e aí o caso muda de figura…Devemos tentar estocar logo ao coração, o que se consegue na maior parte das vezes.

Se não conseguimos fazê-lo, daqui por diante passaremos a entrar-lhe ao codilho mas sempre por trás e com a máxima cautela pois o bicho ainda se firma nas mãos, e nem nós nem os cães estamos livres de uma tarrascada.

Entrar logo, na primeira fase do lance, ao codilho é imprudente pois fácil se toma o sermos carregados ou pode acontecer nem conseguirmos espetar a faca por o porco e os cães rodarem para o outro lado, além de que com uma pata bem firme e levantada, o porco perde apoio e mobilidade e nós aguentamo-nos melhor, quase com facilidade, por trás dele.

Quero aqui lembrar que, com faca, de modo algum se deve esperar um porco que se arranca connosco, há que fugir-lhe e furtar-se, ou saltar mesmo, o mais depressa possível!

Temos que ser rápidos, frios e ponderados.
 

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Estranharão alguns o facto de aconselharmos a levar-se a arma até à refrega, mas a experiência a isso nos conduziu. Por não o fazermos quantas vezes vimos porcos soltar e rasparem-se, ou ficámos impotentes vendo os cães serem vindimados. Sempre os mais valentes!

Até por palermice nos metemos em apertos desnecessários e perigosos, quando algumas destas situações teriam sido tranquilamente salvas com um tiro seguro e bem colocado.

Não aconselhamos o tiro sempre, não, nada disso! Só quando tem de ser e sem perigo algum para os cães.

Em andanças destas a arma nunca estará demais, e quer, não quer…!

Já no caso de porco amagado ou ferido, apenas assinalado por um ou dois cães que ladram de parado, aí nem faz sentido ir-se lá sem arma. Estes bichos estão normalmente bem escondidos, na espessura, e preparados para o que vier.

Se nos aproximarmos, a maior parte das vezes tentam escapar-se, mas também podem firmar-se, e mormente se feridos. Deixam-nos chegar até o­nde já não possamos fugir ao seu ataque, que será curto e rapidíssimo.

Entram-nos por baixo sem que consigamos vê-los a maior parte das vezes, e qualquer toque nas pernas nos fará cair!

Se o mato é menos cerrado podem até inesperadamente levantar-se, a tentar derrubar-nos com as patas da frente, de boca aberta, como os cães...

É claro que em qualquer dos casos, só a tiro. Com calma e à boca do cano… Ou então com lança!

 

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Se vemos que nos entra por baixo e não temos visibilidade, há que cair de cócoras ou de joelho em terra para fazer o tiro por baixo do mato, com um mínimo de condições de visibilidade.

Os tojais, os sargaçais altos, bem como o mato de estevão, são os sítios mais propícios a este tipo de situação.

Este lance a sós, ou sem força de cães, é bonito, mas verdadeiramente perigoso! Muita coisa aqui pode falhar...

Finalmente chegamos à situação do porco velho, acuado.

Este bicho já esgotou as manhas que os anos lhe ensinaram para se livrar dos cães e só por falência de todas elas se deixou encurralar.

Se conseguiu escolher sítio de seu agrado para se defender sem ter sido atirado e ferido, então a matilha tem aqui o Diabo pela frente. A matilha, e nós se nos arrimarmos!

De certeza que o vamos encontrar de nalgas bem guardadas, tendo tempo para recobrar o fôlego, e desejoso de voltear tudo o que lhe apareça por diante!

Felizmente há sinais que nos podem indicar o que se está a passar.

O porco bem armado, forte e seguro de si, quando agarrado, por regra não guincha, deixa isso para os fracos e para as marrãs. Distingue-se na luta, pelo silêncio ou pelos roncos furiosos, mas até aqui há surpresas, e bem ruins!

Quando cercado, bufa, ronca, anda à roda, atira fiadas aos cães mais atrevidos.

Se acuou, mostra os colmilhos de boca escancarada e bate-lhes a matrácula. Este som característico dá-nos a certeza de porco velho, disposto a dar cabo da canzoada.

Devemos aproximar-nos então com cuidado, vendo e ouvindo bem o que se passa para avaliarmos a situação.

Depois de nos termos inteirado de como e o­nde está o bicho, dos cães, etc. colocamo-nos prontos a atirar, fora do seu alcance, à espera do momento em que os cães se afastem ou ele se mostre, para com segurança lhe atirarmos. Se não, resta esperar o matilheiro ou que os cães o firmem para ir lá, com arma a ver o que se pode fazer, ou se é possível matá-lo à faca. Isto passa-se quase sempre em sítios impossíveis, fechados e o­nde não temos o mínimo de mobilidade.

Quase sempre nestes casos é o matilheiro que chama a porta mais próxima para o ajudar e aos cães. É também ele que indica o­nde está o bicho e como se lhe há-de entrar, e de forma geral é quem comanda as operações ou pede mesmo a arma para acudir aos seus cães.

O porco acuado pode dar cabo de todos os cães que lá se chegarem e nós temos de fazer os possíveis por lhe entrar, ou pelo menos por garantir ao matilheiro alguma ajuda ou segurança.

Nesta situação nunca nos podemos esquecer que os cães não nos conhecem e que não farão connosco, ou por nós, o que seguramente farão com o seu matilheiro!
 

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O porco pode acuar em rochas, carrasqueiros fechados, aroeiras, moitas muito espessas, canas, etc., mas o pior de tudo é entaliscar-se ou meter-se debaixo das silvas.

Se por azar se juntam estas duas circunstâncias não raro fica mesmo lá. Há que apanhar os cães, enrolar o estojo e pronto, a faena queda-se por aqui…

É em extremos destes que matilheiro e cães arriscam a própria segurança uns pelos outros.

Quantas vezes estes homens entram a remates impossíveis, movidos só pela raiva de verem os seus cães implacavelmente rasgados. E eles, avançando o dono, não hesitam em lançar-se sobre a cutela que os destroça.

São estes lances, arrojados e com uma ponta de barbarismo, a pedra de sal que tempera e aviva o gosto próprio da Caça Grossa.

Fazemos notar ao confrade que a cota dos quintaneiros e porcos mais velhos é uma autêntica couraça, dura e elástica, chegando a ter quase três dedos travessos de altura o coiro dos costados e mais ainda ao espinhaço. Os porcos velhos são por assim dizer, blindados.

Não vai longe (…agora já vai!) o tempo em que, na esfola, se encontravam entre o coiro e a carne destes bichos, cargas inteiras de zagalotes, espalmados, que aí haviam ficado por terem perdido toda a energia ao atravessar a cota.

E não se julgue que tal acontecia por as cargas serem fracas... Não! Que com elas se enrolavam porcos novos e marrãs grandes, como se fossem coelhos. Ficavam passados!

Vem isto a propósito de lembrarmos que a faca deve ser sólida e agarrada com firmeza não vá partir-se ou soltar-se-nos da mão com algum torcilhão.

Havemos de a agarrar com pega de mão cheia, bico para cima ou para baixo, conforme. A pega com o pomo na palma da mão, ao jeito dos toureiros, é boa, mas menos segura.

Lembramos ainda que ao finalizar a pinchoada, e para aumentar em muito a sua eficácia e abreviar a morte do animal, devemos num movimento só, dar dois violentos sacões, para cá e para lá, no sentido dos gumes. O efeito é fulminante!

E pronto assim se encerra a faena!
 

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A lança curta a avaliar pelas gravuras antigas foi muito usada, sobretudo por quem levava ou estava na porta com os cães.

As portas normalmente aparecem nos quadros e gravuras a atirar com besta ou com arcabuz, sendo usual terem também uma trela de cães pesados, seguros por um ajudante.

Caçava-se também a cavalo, alanceando ou com espada de caça.

A lança curta, ou venábulo, e a faca eram naturalmente as armas de quem ia ao mato, e necessitava mobilidade.

Muitas descrições e relatos nos ficaram, demonstrando que Senhores e Reis não desdenharam caçar a pé e foram grandes adeptos. Alguns até demais, que nos ficaram registadas as azedas críticas de conselheiros e ministros.

Hoje serão um punhado de matilheiros os últimos representantes desta "arte" de matar com venábulo. E bem injustas nos parecem as palavras que reprovam o levar-se lança para a mancha, pois quem a leva tem lá os seus cães!

Lembramos que do que aqui se diz nem tudo será aplicável na grande Montaria, mas que só caçando num grupo de amigos, gente experiente, se pode aprender e realizar tudo isto.

O confrade guardará para si o que mais lhe interessar.
 
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