• Olá Visitante, se gosta do forum e pretende contribuir com um donativo para auxiliar nos encargos financeiros inerentes ao alojamento desta plataforma, pode encontrar mais informações sobre os várias formas disponíveis para o fazer no seguinte tópico: leia mais... O seu contributo é importante! Obrigado.

Ciência em Portugal - Episódios

Luz Divina

GF Ouro
Entrou
Dez 9, 2011
Mensagens
5,990
Gostos Recebidos
0


A Física nos tempos de Pombal


pombal1.jpg




Quem esteja em Coimbra ou por lá passe não deve perder a oportunidade de visitar o Museu de Física da Universidade e apreciar a riquíssima colecção de instrumentos do século XVIII que aí se exibe. Trata-se do grupo de peças que sobrevive do que foi o Real Gabinete de Física, «o melhor da Europa, melhor que o de Pádua que possui apenas 400 máquinas, quando o nosso possui mais de 500», como o acentuava orgulhosamente o marquês de Pombal em carta dirigida ao reitor da universidade.

Durante mais de 200 anos, desde meados do século XVI até meados do século XVIII, o ensino esteve quase totalmente nas mãos dos jesuítas. Nos estudos elementares e intermédios, os membros da Companhia de Jesus tiveram uma intervenção directa e extensiva.

Nos estudos universitários, dominavam a Universidade de Évora, mas exerciam uma influência moderada na Universidade de Coimbra. Os membros dessa ordem religiosa eram homens cultos, que desempenharam um papel importante na difusão da cultura e da ciência.

No início do século XVII, acompanharam alguns dos progressos astronómicos de Galileu e chegaram a apoiar as descobertas das fases de Vénus e das luas de Júpiter, que reforçaram com observações independentes. O jesuíta Cristóvão Clavius (1538-1612), amigo pessoal de Galileu e talvez o mais importante cosmógrafo da altura, desenvolveu o nónio de Pedro Nunes, abrindo caminho ao moderno Vernier.

Foi Clavius quem também impulsionou a reforma do calendário, encerrando um período de confusão que se arrastava há muitos séculos. Os jesuítas desempenharam ainda um papel único na difusão da matemática e da astronomia ocidentais no Oriente.

No entanto, em meados do século XVIII, os jesuítas vinham a acentuar o apego à cultura do passado, opondo-se às extraordinárias descobertas do século precedente. Em 1746, o padre jesuíta José Veloso, reitor do Colégio das Artes de Coimbra, proibia, em edital, «opiniões novas pouco recebidas, ou inúteis para o estudo das Sciencias mayores como são as de Renato Descartes, Gacendo (GASSENDI), Neptono (NEWTON), e outros».

No mesmo edital, proibia «quaisquer conclusõis oppostas ao sistema de Aristoteles», tornando claro que os jesuítas se opunham oficialmente ao progresso do pensamento científico. As vozes discordantes que se manifestavam no seio da Companhia de Jesus eram vozes minoritárias e tinham uma influência reduzida na política de ensino dessa ordem religiosa.

Rómulo de Carvalho, grande especialista na nossa história científica do século XVIII, afirma que a Companhia de Jesus tinha passado à posição de lutar «pela conservação do estatuto aristotélico», «obstruindo a passagem a todo o progresso científico e a tudo quanto ele arrastaria consigo».

Por seu lado, «a sociedade tinha-se transformado radicalmente, e o ambiente tornava-se cada vez menos receptivo à doutrinação dos jesuítas». O conflito explodiu em 1759, como se sabe, com a expulsão dos jesuítas de todo o território português.

Criou-se imediatamente uma situação caótica nas escolas, que se defrontavam com uma tremenda falta de professores preparados, e o marquês de Pombal decidiu proceder a uma reforma radical do ensino. Como parte dessa reforma, mandou construir o Gabinete de Física Experimental «para Deposito de Machinas, Aparelhos e Instrumentos; os quaes são necessarios para que as liçoens de Fysica se façam com aproveitamento dos Estudantes». Pretendia-se ensinar «as verdades ate o prezente conhecidas», em oposição à teoria de Aristóteles, e formar «Exploradores da Natureza».

As demonstrações de física experimental tornaram-se tão apreciadas que os nobres se divertiam assistindo a verdadeiros espectáculos promovidos pelos físicos. O próprio monarca aparecia por vezes nessas sessões, que eram, muitas vezes, uma autêntica forma de diversão pública, à semelhança do que se passava noutros países da Europa.

Com o decorrer dos tempos, os instrumentos foram centralizados no Real Gabinete de Física da universidade coimbrã, onde foram utilizados para demonstrações e experiências educativas. Existe ainda hoje um catálogo da época, com a descrição pormenorizadas das «Machinas» e das suas funções.

Passaram-se os anos, e o que eram experiências inovadoras e materiais pedagógicos de grande utilidade caíram em desuso. Em meados do século XX, o professor Mário Silva, que foi um dos introdutores em Portugal da mecânica relativista e da física moderna, iniciou a recuperação desses instrumentos.

Mais recentemente, com a preparação da exposição Europália, o valioso espólio do Real Gabinete de Física foi recuperado, catalogado e exposto ao público. Está hoje patente no edifício pombalino do primitivo Gabinete de Física Instrumental, na Universidade de Coimbra.

Os responsáveis do museu decidiram acompanhar os tempos e criar uma página na Internet em que mostram as peças existentes e explicam o seu funcionamento. O aspecto mais interessante deste museu virtual, aspecto em que ultrapassa mesmo a exposição, é a animação dos instrumentos e a apresentação de pequenos filmes, que realizam as experiências para que eles foram concebidos.

Como é natural, a maioria dos instrumentos encontra-se hoje em estado precário e o seu uso continuado conduziria rapidamente à sua destruição. Por isso, a exposição é estática e os instrumentos apenas podem ser observados a uma certa distância. As experiências para que foram concebidos são apenas imaginadas pelos visitantes. Ao reproduzir filmes em que se observa o movimento dos instrumentos, o museu virtual possibilita ao público reviver cenas experimentais com o sabor de um passado remoto.

Em Coimbra, não se deve deixar de visitar o magnífico Museu de Física da Universidade. Mas hoje, passados mais de 300 anos do nascimento do Marquês de Pombal, a Internet celebra o espírito inovador da sua reforma do ensino, com um museu virtual acessível em qualquer parte do mundo.



O engenho e a arte


engenho.jpg




O catálogo da exposição do Museu de Física da Universidade de Coimbra apresenta magníficas fotografias e descrições dos objectos expostos e é complementado com vários textos históricos e didácticos de grande interesse, tais como um documento de 1963 do Professor Mário Silva, grande impulsionador da recuperação das peças do museu, e um texto de Rómulo de Carvalho, que situa o museu no quadro da reforma pombalina dos estudos superiores. O Museu está localizado no Largo Marquês de Pombal, muito perto do centro da universidade, e está aberto ao público de 2ª a 6ª feira, das 14h30 às 17h30. Para uma visita virtual ao museu, dirija-se à página da Internet.




O efeito da força centrífuga


engenho1.jpg



«As lâminas deformam-se quando são postas em rotação, adquirindo a forma duma elipse. Esta deformação acentua-se quando se aumenta a velocidade angular» «Com este dispositivo era possível ao professor, nas suas lições, simular a deformação do Globo Terrestre e relacioná-la com o seu movimento de rotação»



A incompressibilidade dos fluidos

engenho2.jpg




«ESTE aparelho é um modelo de prensa feita de ferro e de latão e montada sobre uma base de madeira. Destina-se a comprimir esferas de chumbo cheias de água. Esta era introduzida no interior da esfera através dum orifício que em seguida era hermeticamente fechado através de uma tampa de rosca.

Quando se fazia rodar a manivela da prensa em torno do seu eixo vertical, o êmbolo descia, indo comprimir a esfera de chumbo que se deformava ligeiramente. Aumentando a pressão do êmbolo contra a esfera, começavam a surgir pequenas gotículas de água no seu exterior, sem uma acentuada deformação da esfera. Este resultado permitia evidenciar a pouca compressibilidade da água, e, ao mesmo tempo, demonstrar a porosidade do chumbo.»





Fonte:
instituto-camoes
 

Luz Divina

GF Ouro
Entrou
Dez 9, 2011
Mensagens
5,990
Gostos Recebidos
0
O Laboratório Chimico da Escola Polytechnica




laboratorio1.jpg

O antigo laboratório, numa gravura da revista «O Occidente» de Maio de 1891. Hofmann regista «uma profusão de espaço que poucas vezes tenho encontrado» e confessa não se lembrar «de nenhum laboratório que tenha conseguido combinar de tal maneira a elegância e a utilidade»




Muitos dos grandes museus de ciência existentes pelo mundo, tais como o Deutsches Museum e o Science Museum de Londres, apresentam reconstituições de laboratórios de química do passado, onde reproduzem algumas experiências clássicas e explicam como começou a investigação nesta importante ciência. O Museu de Ciência da Universidade de Lisboa mostra aos seus visitantes um exemplo vivo de um antigo laboratório. Trata-se do «Laboratorio Chimico» da antiga Escola Polytechnica.

A Escola Polytechnica, transformada em 1911 na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, era uma das instituições de ensino mais prestigiadas do país. O edifício primitivo, que acolhia o Noviciado da Cotovia, fora construído em 1619 pela Companhia de Jesus, com base numa igreja edificada no local em 1605. Estava situado numa zona nobre da cidade, o chamado Monte Olivete.

Em 1755, o edifício foi parcialmente destruído pelo terramoto. Poucos anos depois, os jesuítas foram expulsos do país e o edifício foi reconstruído, com o propósito de albergar o recém-formado Colégio dos Nobres. Em 1766, foi inaugurada a nova instituição de ensino. A marcar a importância da data, o rei D. José assistiu à abertura solene do ano lectivo.



Em 1837, o Colégio dos Nobres foi extinto e foi criada a Escola Politécnica, que viria a dar o nome à rua fronteira. A actividade da nova instituição foi interrompida em 1843, com um incêndio que destruiu quase por completo as antigas instalações. O laboratório químico só foi construído em 1857, depois de aprovada a nova planta geral de reconstrução.


Os fundadores do laboratório esmeraram-se na concepção e construção do espaço e no seu equipamento, que vieram a ocupar lugar central no novo edifício. O Laboratorio Chimico passou a constituir o orgulho dos mestres portugueses e a suscitar a admiração de químicos europeus. Inaugurou-se uma época em que a química portuguesa teve razoável projecção internacional.

No século precedente, a Química tinha-se individualizado como ciência. Sob o impulso, entre outros, de Antoine Lavoisier (1743-1794), tinha adoptado uma nomenclatura sistemática e tinha dado nova importância à quantificação. No século XIX, a Química especializa-se em várias áreas e torna-se um empreendimento colectivo. É nessa altura que se criam escolas de investigação nas grandes universidades e se constituem grupos de investigação.

O antigo laboratório, numa gravura da revista «O Ocidente» de Maio de 1891. Hofmann regista «uma profusão de espaço que poucas vezes tenho encontrado» e confessa não se lembrar «de nenhum laboratório que tenha conseguido combinar de tal maneira a elegância e a utilidade»

Portugal acompanhou a evolução desta ciência através de alguns mestres excepcionais. No século XVIII, Vicente Seabra (1764-1804), professor da Universidade de Coimbra, introduziu em Portugal o novo rigor teórico e a nova nomenclatura. No século XIX, Agostinho Vicente Lourenço (1826-1893), lente responsável pelas práticas de química da Escola Politécnica, associou o ensino à investigação e realizou trabalhos pioneiros na preparação de polímeros, área que viria a ter uma enorme importância industrial no século XX.

Agostinho Lourenço tinha trabalhado com Adolphe Wurtz (1817-1884), no laboratório da Faculdade de Medicina de Paris, e tinha visitado vários outros laboratórios europeus. Após catorze anos de prática de investigação no estrangeiro, Lourenço regressou a Portugal e tornou-se lente da Escola Politécnica. A sua descrição tem a autoridade de quem conhecia o melhor que existia na Europa: «O laboratorio chimico da escola é o mais vasto e ao mesmo tempo mais grandioso que todos os laboratórios da Europa, em que estudei, ou os que visitei; mede uma área de 860 metros quadrados, incluindo o amphytheatro de chimica, que pode receber 200 alumnos.»

Entre os colegas de Lourenço destacava-se José Júlio Bettencourt Rodrigues (c. 1845-1893), lente da cadeira de Química Mineral e Inorgânica. Como investigador, Bettencourt Rodrigues colaborou com alguns dos maiores vultos da época. Na Escola Politécnica, valorizou as aplicações industriais e aperfeiçoou processos fotográficos e tipográficos.

Como docente, introduziu um ensino prático e experimental obrigatório, em que todos os alunos eram chamados ao laboratório, para fazerem eles próprios as experiências.

Os estudantes, que até aí se tinham praticamente limitado a assistir no anfiteatro à realização de experiências, passaram a ser admitidos na sala do laboratório, para mexerem eles próprios nos tubos de ensaio e nas pipetas. Sob a direcção de Bettencourt Rodrigues, passa-se a querer que todos os alunos confirmem experimentalmente os resultados e que sejam preparados para aplicar à investigação ou à indústria os conhecimentos adquiridos.

Um dos vultos da época com que Bettencourt Rodrigues manteve contacto era August von Hofmann (1818-1892), químico alemão que revitalizou a investigação e ensino desta ciência em Inglaterra e na Alemanha. Hofmann tinha-se tornado famoso pelo desenvolvimento de um processo de extracção de anilina e por descobrir substâncias que são a base da tinturaria moderna. De visita a Portugal em 1890, fica impressionado com o laboratório da Politécnica.

«Admiro sobretudo os laboratórios e o anfiteatro de química», revela em carta dirigida a Bettencourt Rodrigues. «Tendo construído os laboratórios das universidades de Bona e de Berlim», acrescenta, «não hesito em afirmar que não conheço laboratório melhor preparado para o ensino e a investigação.»

Passado mais de um século, depois de ter servido muitas gerações de docentes e estudantes, o velho laboratório manteve-se com a traça original, tendo ainda hoje muitos instrumentos e peças de mobiliário dos tempos de Lourenço e Bettencourt Rodrigues.

O incêndio de 1978, que destruiu grande parte da Faculdade de Ciências, poupou o laboratório, que até 1999 continuava a ser utilizado por alunos e professores. A circunstância infeliz de não se ter procedido, ao longo do século XX, à actualização das instalações e equipamentos transformou-se na circunstância feliz de existir hoje, em Portugal, um sobrevivente quase perfeito de uma época passada.



A entidade hoje responsável por este laboratório, neste momento bastante degradado pelo uso de mais de um século, é o Museu de Ciência da Universidade de Lisboa, que se encontra instalado na antiga Escola Politécnica. Uma das prioridades desse museu consiste em recuperar o Laboratorio Chimico e oferecê-lo ao público. Pretende-se construir um espaço museológico que combine a autenticidade das instalações e de grande parte do equipamento com o propósito didáctico que caracteriza os modernos museus interactivos.




laboratorio3.jpg
laboratorio3.jpg

O antigo anfiteatro, numa fotografia da sua época áurea. Ao centro, mostra-se a bancada onde os professores realizavam as experiências. Por detrás do quadro removível, acedia-se directamente à bancada traseira, que comunicava com o laboratório. Os assistentes e técnicos preparavam aí os materiais que passavam ao professor.




Fonte:instituto-camoes







 

Luz Divina

GF Ouro
Entrou
Dez 9, 2011
Mensagens
5,990
Gostos Recebidos
0
O Telescópio do Comandante



O Telescópio do Comandante


O pai dos astrónomos amadores portugueses foi um comandante de carreira que construiu o maior telescópio da Península e fundou o Planetário de Lisboa.

Conceição Silva é considerado o pai da astronomia amadora em Portugal. Na realidade, o comandante transmitiu aos seus inúmeros alunos e amigos o seu amor pelos céus, trabalhou incansavelmente pela divulgação científica e a ele se deve em grande parte o Planetário de Marinha, um instrumento precursor da divulgação astronómica no nosso país.

Conceição Silva era um homem sabedor e simples, que por natureza e por ideais nunca esteve do lado do regime salazarista. Dizem todos os que o conheceram que se via nesse homem de grande talento uma simplicidade igualmente grande. Tinha a arte de tornar simples as coisas difíceis, pelo que atraía para a ciência e para a astronomia os seus alunos e amigos.


comandante1.gif




Ao longo de mais de 25 anos, o comandante Conceição Silva acumulou milhares de observações astronómicas e um conjunto surpreendente de fotografias celestes. Alguns dos seus trabalhos fotográficos vieram a ser publicados em livros de astronomia, como o Outer Space Photography de H.E. Paul, saído em 1970, e em muitas revistas internacionais.

A fotografia astronómica é um trabalho de precisão e paciência que exige ciência e arte, nomeadamente nas fotografias de objectos de céu profundo, tais como galáxias e nebulosas. Ora as câmaras fotográficas são acopladas aos telescópios e é necessário trabalhar com exposições muito longas, de forma a acumular a fraca luminosidade que nos chega de objectos muito distantes.

E as exposições longas levantam um problema considerável. Como a esfera celeste tem um movimento aparente bastante rápido - um grau em cada quatro minutos - se o telescópio estiver parado as estrelas aparecem como riscos e os objectos menos luminosos ficam esbatidos e irreconhecíveis na fotografia.

Por isso, a fotografia tem de acompanhar o movimento da esfera celeste, o que se consegue com o movimento de rotação dos telescópios na montagem chamada equatorial: o telescópio roda para acompanhar a esfera celeste. Em fotografias de poucos minutos tal movimento não levanta problemas consideráveis, desde que o telescópio esteja montado com razoável precisão.

Mas em fotografias com horas e horas de exposição os problemas são muitos, pois um pequeno desvio é o suficiente para provocar imagens esbatidas.

Ora
algumas das fotografias de Conceição Silva foram tiradas com uma exposição que alcançou as sete horas, por vezes conseguida acumulando períodos de céu favorável ao longo de vários dias sucessivos. Imagina-se a dificuldade de tal trabalho. As magníficas fotografias que nos legou eram das mais perfeitas conseguidas na época.

Conceição Silva foi oficial da marinha de guerra portuguesa. Fez várias comissões na China, no tempo das concessões ocidentais, e foi durante muitos anos professor da Escola Naval, onde ensinava matemática, electricidade, hidrografia, instrumentação e balística, esta última a sua especialidade. Costumava dizer que a sua profissão e o seu «hobby» tinham algo de comum: em ambos os casos se apontavam canudos para o céu.


comandante3.jpg

Comandante Conceição e Silva, pai da astronomia portuguesa e construtor do que foi o maior telescópio da Península Ibérica


Conceição Silva foi também director do Laboratório de Explosivos da Marinha e criou a Oficina de Óptica da Armada, uma instituição inovadora que permitiu uma relativa auto-suficiência na instrumentação óptica da marinha de guerra. Interessou-se desde sempre pela astronomia.

Começou as suas observações com um simples óculo e foi construindo ele próprio instrumentos cada vez mais poderosos. Participava regularmente nos congressos mundiais de astronomia e fez um trabalho notável de cartografia celeste, nomeadamente no reconhecimento de estrelas duplas e de estrelas variáveis. Construiu um espectroscópio com que estudava a composição das estrelas.

Os filhos do comandante, Tomás e Guilherme, seguiram também a carreira militar. Tomás George Conceição Silva entrou para a aviação naval e juntou-se depois à Força Aérea. Foi chefe do Estado-Maior da Força Aérea e reformou-se em 1997 como general de quatro estrelas.

Guilherme George Conceição Silva tornou-se muito conhecido no 25 de Abril como um dos homens do MFA. Dirigiu a Comissão de Extinção da PIDE/DGS e foi secretário de Estado da Comunicação Social. Continuou na Marinha e reformou-se como capitão de fragata. É hoje advogado especialista em direito internacional marítimo.

A família morava no Alfeite, local que «o meu pai escolheu para se afastar do céu iluminado da capital», diz Guilherme Conceição Silva. «Aí construiu um anexo da casa com uma cúpula em que instalou o telescópio.»

O general Tomás Conceição Silva lembra-se bem dos tempos em vivia no Alfeite e em que o comandante construiu o maior dos seus telescópios, aquele que se tornaria conhecido internacionalmente como um modelo de engenho inventivo e de perfeição óptica. «Lembro-me ainda do processo de correcção do espelho reflector.

Foi feita com meios extraordinariamente simples, no corredor da nossa casa. Numa ponta estava o espelho, noutra uma vela. A luz da vela passava por um pequeníssimo orifício de um cartão. Do outro lado estava o meu pai com a ocular e com uma lâmina de barba, a fazer de régua, com que verificava a curvatura do espelho. É extraordinário como com meios tão caseiros conseguiu obter resultados tão precisos.»

O telescópio que Conceição Silva então construiu tinha 500mm de abertura e seria, à altura, o maior da península ibérica. Em Janeiro de 1951 o boletim da Associação Astronómica Francesa, «L'Astronomie», dizia tratar-se de um «magnifique instrument» e o «Scientific American» de Setembro de 1952 falava do «fine telescope of a Portuguese navy officer».

Muitas das fotografias que Conceição Silva conseguiu obter com esse telescópio estão hoje reproduzidas num CD preparado por Pedro Ré e distribuído pela Associação Portuguesa de Astrónomos Amadores. Mesmo numa época em que nos habituámos ao esplendor das imagens do Hubble, as fotografias do comandante continuam a destacar-se pela sua beleza e riqueza de pormenor.

Igualmente notáveis são os instrumentos que Conceição Silva construiu e utilizou e com os quais conseguiu tais fotografias. Muitos desses instrumentos encontram-se agora em Belém, no Planetário Gulbenkian. Aí pode hoje o público apreciar o telescópio do comandante.




Fonte:institutocamoes






 

Luz Divina

GF Ouro
Entrou
Dez 9, 2011
Mensagens
5,990
Gostos Recebidos
0
Cinco Séculos de Ilustração Científica



A ilustração científica é uma técnica e uma arte velha de cinco séculos. É uma técnica especializada, que serve naturalistas, médicos, biólogos e outros cientistas. E é uma arte que tem produzido gravuras de incomparável beleza - gravuras que espantam, pelo pormenor e pela composição, tanto o cientista como o leigo.



ilustracao4.jpg

1543, «De Humani Corporis Fabrica», de Andreas Vesalius. O autor insistia em fazer ele próprio a dissecação dos cadáveres. As suas ilustrações contribuíram para formar várias gerações de médicos e esclareceram muitos pontos anatómicos até então obscuros.



Os últimos cinco séculos de ilustração científica compreendem praticamente todo o património desta técnica e arte, que só pôde florescer com a invenção e desenvolvimento da imprensa.

Anteriormente, quando a reprodução dos textos estava a cargo dos copistas, as ilustrações que neles eram inseridas não podiam ser reproduzidas com fidelidade.

Plínio o Velho (23-79 d.C.), talvez o naturalista mais importante da antiguidade, dizia que «a diversidade de copistas, e os seus comparativos graus de habilidade, aumentam consideravelmente os riscos de se perder a semelhança com os originais».

E explicava que «as ilustrações são propensas ao engano, especialmente quando é necessário um

grande número de tintas para imitar a natureza». Por tudo isso, recomendava Plínio, os autores devem-se «limitar a uma descrição verbal» da natureza.


Em meados do século XV, tudo mudou. O advento da imprensa de caracteres móveis incentivou a reprodução de gravuras, feitas em madeira ou cobre e por processos manuais.

Essas gravuras passaram a poder ser inseridas em livros e reproduzidas em grande quantidade, mantendo fidelidade quase absoluta ao original. É nessa altura também que invenção renascentista da perspectiva veio a introduzir técnicas mais realistas de criação de imagem.

Com a perspectiva linear, os artistas do renascimento iniciaram um conceito em pintura que só no século XX veio a ser questionado: a ideia de que o quadro plano era uma janela para o mundo e que essa janela respeitava a perspectiva da visão, a cor local e as proporções visuais.

A perspectiva tinha as suas bases em conceitos geométricos e matemáticos, o que reforçou a ideia renascentista de que era possível reproduzir a natureza com rigor científico. O cepticismo de Plínio o Velho sobre as imagens veio a ser substituído pelo optimismo renascentista na possibilidade de representação da realidade.



ilustracao5.jpg

Ilustração de dragoeiro (Dracaena draco), de Peeter van der Brocht, publicado na Flora, de Clusius, em 1576. Biblioteca Jagiellonska, Cracóvia.


A transição dos séculos XV para o XVI traz consigo uma explosão no conhecimento do mundo. É nessa altura que se realizam as grandes viagens de descobertas.

Contrariando a crença grega clássica de que os trópicos eram inatingíveis e inabitáveis, os navegadores do Infante D. Henrique descem pouco a pouco a costa africana, dobram o equador e atingem o sul de África.

Vasco da Gama contorna o continente africano e descobre o caminho marítimo da Europa à Índia. Colombo encontra a América. Pedro Álvares Cabral chega ao Brasil, terra de espantosa fauna e flora que ainda hoje espanta o mundo.

É nesta época maravilhosa que surge a ilustração científica moderna. Quando regressam das suas viagens, os exploradores e os naturalistas pretendem descrever os rinocerontes que encontraram em África, as plantas de onde provêem as especiarias que trazem a bordo, as cores exóticas com que se pintam os nativos do novo mundo e os promontórios com que se defrontaram.

A descoberta de uma nova natureza encontra na imprensa e nas técnicas da perspectiva um meio adequado à sua difusão pelo mundo europeu, que assim partilha as viagens dos que ousaram defrontar os mares.



ilustracao2.jpg

1665, micrografia realizada pelo
polifacetado cientista inglês Robert Hooke.



Ao
dobrar os séculos, nota-se um apuro da técnica, mas não se pode deixar de admirar o pormenor realista e a preocupação didáctica e descritiva dos autores mais antigos.

Ao contrário de reproduções artísticas motivadas por preocupações puramente estéticas e expressivas, como se observa nos óleos dos pintores que habitualmente apreciamos nos museus, estas ilustrações científicas preocupam-se em contar uma história, em descrever uma realidade, pelo que inserem cortes, perspectivas variadas e anotações explicativas.

A ilustração científica é uma arte aplicada que serve um propósito: dissecar a realidade da natureza.

Ao chegar aos séculos XIX e XX, a técnica atinge um requinte inaudito. As ilustrações contemporâneas de Alfredo Conceição, um ilustrador português que dedicou a vida à ilustração biológica, sobretudo de insectos moçambicanos, surpreendem pelo requinte de pormenor e fidelidade de cor.

Já nos finais deste século, atinge-se um novo patamar nesta história antiga de cinco séculos. O ilustrador tem agora à sua disposição um instrumento gráfico novo: o computador.

Essa nova ferramenta permite-lhe um controlo sem precedentes sobre o pormenor das imagens, sobre as cores, as perspectivas e as proporções. O ilustrador científico moderno utiliza as novas tecnologias a par com as antigas.

Pedro Salgado, um biólogo e ilustrador português conhecido, sobretudo, pelos seus magníficos desenhos de peixes, não desdenha a tinta da china nem a aguarela.

Daniel Muller, biólogo português que se especializou em ilustração médica, não deixa de recorrer ao computador para os retoques finais nos seus slides e gravuras.

Estes artífices, que produzem as ilustrações que os cientistas e médicos utilizam para comunicar as suas experiências, são também artistas que deleitam os olhos do público.



ilustracao3.jpg

Tartaruga de duas cabeças reproduzida em Viagens Filosóficas, de Alexandre Rodrigues Ferreira (Lisboa, séc. XVIII): Museu Bocage.




ilustracao1.gif

Litografia de palmeira (Geonoma paniculigera) pintada à mão por L. Emmert e publicada em Genera et Species Palmarum da autoria de Carl Martius, 1823. Colecção particular de Nuno Farinha.





ilustracao6.jpg

Desenho de mão

Desenho de mão totalmente realizado em computador pelo biólogo português Daniel Muller. Trata-se de uma ilustração didáctica muito rigorosa, apenas possível de obter com conhecimentos profundos de anatomia humana.






Fonte:institutocamoes






 

Luz Divina

GF Ouro
Entrou
Dez 9, 2011
Mensagens
5,990
Gostos Recebidos
0
A Historiografia da Matemática em Portugal



A investigação da história das matemáticas no nosso país desloca-se, pouco a pouco, de uma simples análise das grandes figuras para um estudo de escolas e da prática dessa ciência.


historiografia.jpg

Gomes Teixeira (1851-1933) foi, com Pedro Nunes, um dos poucos matemáticos portugueses a ter notável projecção internacional


Há poucos anos, o estudioso John Martyn, de passagem pelo nosso país, teve a curiosidade de procurar manuscritos antigos na Biblioteca de Évora. Entre os documentos não catalogados que folheou, veio a encontrar um inédito de Pedro Nunes que se julgava perdido.

Tratava-se de uma «Álgebra» que tinha sobrevivido mais de quatro séculos e que durante mais de quatro séculos se encontrava à espera que alguém a descobrisse. O documento foi publicado em Nova Iorque («Pedro Nunes (1502-1578): His Lost Algebra and Other Discoveries», Peter Lang, 1996) e suscitou o interesse de muitos especialistas pelo trabalho de quem é, ainda hoje, o mais conhecido matemático português.

Na Biblioteca de Évora, tal como noutros arquivos, deverá haver ainda muitos outros documentos à espera de um historiador que os descubra e revele. O facto pode parecer estranho para os que não são especialistas, mas a verdade é que muito há a fazer na história da matemática portuguesa.

A História da Matemática é hoje uma disciplina autonomizada, a que se dedicam por todo o mundo muitos especialistas. Tal como a História em geral e a História da Ciência em particular, registou grandes avanços neste século, deixando muito do que tinha de simples registo de factos, de personagens e de curiosidades, para se tornar numa disciplina muito rigorosa, que procura conhecer os documentos originais, as correntes de pensamento e o contexto social em que se dão os progressos científicos.

No nosso país, a historiografia da matemática está um pouco incipiente. Apesar da existência de estudos de grande valor, e de outros que continuam a vir a lume, pouco se conhece de sistemático e rigoroso sobre muitas personalidades e escolas. Há mesmo trabalhos matemáticos fundamentais na nossa história que ainda são pouco estudados. Além disso, tal como se verificou em Évora, há uma imensidade de documentos por catalogar e conhecer.

A Sociedade Portuguesa de Matemática integrou há poucos anos um grupo de estudo, o Seminário Nacional de História da Matemática, que reúne muitos dos interessados nesta disciplina. O grupo considera que, «com raras excepções, a nossa tradição de pesquisa está minada pela ausência de um trabalho sistemático sobre as fontes, sobre os textos matemáticos em si, utilizando-se frequentemente a informação dos textos de reflexão histórica, das fontes secundárias, como se primárias fossem».

Como resultado, as três principais sínteses existentes - de Francisco Borja Garção Stockler (1819), de Rudolfo Guimarães (1909) e de Francisco Gomes Teixeira (1934) - são ainda, com as suas virtudes e as suas insuficiências, a referência quase única a que muitos estudiosos recorrem. Muitos trabalhos seguem a linha interpretativa destes autores, mas relativamente poucos avançam no conhecimento de documentos e factos novos.

Em particular, o estudo histórico tem estado limitada ao estudo de personalidades mais marcantes. O facto é natural numa certa etapa da historiografia, mas não é suficiente. Sabe-se algo sobre Pedro Nunes e os seus trabalhos. Mas pouco se sabe sobre quem eram os seus alunos, o que eles estudavam, que compêndios liam e como funcionava a universidade.

O mesmo se pode dizer de outras grandes personagens, como Monteiro da Rocha (1734-1819), José Anastácio da Cunha (1744-1787), Daniel da Silva (1814-1878) e Francisco Gomes Teixeira (1851-1933), de quem se conhece o trabalho, mas de quem pouco se sabe sobre a influência no meio intelectual da época.

Há longos períodos em que poucas figuras de vulto se destacam e, sendo assim, pouco ou quase nada se sabe sobre a história da matemática e das ciências nessas épocas. Talvez o período mais ignorado seja o do século XVII, em que nenhum matemático aparece que se acerque do génio de Pedro Nunes. Estando ainda muito limitada ao estudo de personalidades marcantes, a nossa historiografia tem desprezado injustamente esse século.

Há uma excepção neste panorama. Trata-se da história da náutica e das matemáticas que estiveram ao seu serviço. Nesse campo, os estudos notáveis de António Barbosa, Fontoura da Costa, Luciano Pereira da Silva e Luís de Albuquerque, para apenas citar alguns dos nomes mais conhecidos de uma tradição continuada, vieram a revelar a riqueza de trabalhos teóricos e aplicações existentes no nosso país, sobretudo na época dos descobrimentos, e sobretudo com Pedro Nunes.

É natural que assim seja, pois essa é uma época maior da nossa história, época que está bastante estudada entre nós, apesar de os contributos científicos portugueses não serem conhecidos internacionalmente como mereceriam. Talvez a nossa tradição de pouco publicar em línguas científicas internacionais, nomeadamente, nos dias de hoje, em língua inglesa, não seja estranha a esse relativo desconhecimento.

O isolamento científico que resulta da publicação apenas em língua portuguesa não é um facto novo. O grande matemático Daniel da Silva queixava-se amargamente do reconhecimento internacional de alguns resultados de Darboux, resultados que ele, Daniel da Silva, tinha obtido décadas antes: «A minha obra jaz ignorada, há quase vinte e cinco anos, nas bibliotecas de quase todas as Academias do mundo. O que aproveita escrever em português!»

Para além do seu interesse próprio, o estudo da nossa história científica ajuda a pensar o presente e o futuro. Porque é que as instituições de ensino e investigação no nosso país estiveram sempre muito limitadas às grandes figuras em torno das quais gravitavam? Porque é que os grandes matemáticos portugueses, com poucas excepções, não deixaram uma escola que incluísse discípulos que continuassem as tradições dos mestres?

Porque é que as nossas matemáticas têm estado excessivamente limitadas a aplicações, de interesse que definha com o inevitável avanço científico e tecnológico? Porque é que tem havido tantas limitações no estudo das matemáticas puras e de ciências fundamentais que são, afinal, um motor insubstituível do progresso? Estas são questões para que se procura resposta. É que encontrar um manuscrito de Pedro Nunes perdido em Évora pode-nos ajudar a construir o nosso futuro científico.




Fonte:institutocamoes
 

Luz Divina

GF Ouro
Entrou
Dez 9, 2011
Mensagens
5,990
Gostos Recebidos
0
Pedro Nunes, Mercator e Escher




No século XVI, o cosmógrafo real Pedro Nunes descobriu a «linha de rumo» e explicou que a distância mínima a percorrer por um barco entre dois pontos da Terra não é uma linha recta, mas um arco. Escher representou esta ideia 300 anos depois
.





escher1.jpg



QUEM viaja de Lisboa para Nova Iorque costuma aproximar-se da costa norte-americana pelo menos uma hora antes da chegada ao destino. Nessa hora, observa a costa recortada do Estado do Massachusetts, a ilha Martha's Vineyard e outros destinos turísticos.

Sobrevoa depois Long Island e as suas praias, viajando de norte para sul em direcção à cidade de Nova Iorque. Olhando para o mapa, parece que o avião fez um grande desvio e que, em vez de voar a direito sobre o Atlântico, preferiu encontrar o Novo Mundo a norte, onde pela primeira vez os portugueses o abordaram, e descer depois para o seu destino.

Quem olhar para um globo, no entanto, repara que terá viajado pelo caminho mais curto, que corresponde a um arco de círculo máximo, isto é, um arco de um círculo que contém os pontos de partida e de chegada e que tem o centro no centro da Terra.

Esticando um cordel sobre o globo e fazendo-o passar por Lisboa e por Nova Iorque, verifica-se que o caminho mais curto entre as duas cidades bordeja de facto a costa do Massachusetts. Quer dizer, para seguir o caminho mais curto entre dois pontos de latitude muito semelhante - 39 graus para Lisboa e 41 para Nova Iorque -, o avião começa por voar para oeste e um pouco para norte e acaba por fazer um trajecto para oeste e um pouco para sul.

Tudo isto pode parecer simples e evidente, mas demorou muito tempo a que os navegadores o entendessem. O primeiro a percebê-lo em toda a sua extensão foi Pedro Nunes (1502-1579).


O cosmógrafo real deparou-se de facto, com o problema inverso, que é um problema mais difícil: será que, para se viajar entre dois pontos, é conveniente tomar sempre a mesma direcção? O problema foi-lhe sugerido por Martim Afonso de Sousa, fundador das primeiras colónias que Portugal teve no Brasil.

Querendo vir do Rio da Prata para Lisboa, verificou que deslocar-se para leste não bastava e que precisava de se deslocar também para norte. Mais importante, não era fácil perceber qual era a direcção exacta em que deveria viajar.

O génio de Pedro Nunes consiste em ter distinguido claramente duas possíveis trajectórias para um barco no mar alto. Uma seria a trajectória de distância mínima entre dois pontos, correspondendo a um arco de círculo máximo - é a chamada ortodromia.

Outra, seria a trajectória seguida por um barco que mantivesse sempre a mesma orientação em relação aos pontos cardeais - é a chamada linha de rumo, mais tarde conhecida como loxodromia. Só em casos muito especiais é que as duas trajectórias coincidem: quando se viaja ao longo do Equador, de leste para oeste ou de oeste para leste, ou quando se viaja ao longo de um meridiano, de norte para sul ou de sul para norte.

Em todos os outros casos, as duas trajectórias não coincidem. Para seguir a trajectória mínima entre Lisboa e Nova Iorque, os aviões não seguem uma linha de rumo, mudam constantemente de orientação cardeal, para poderem seguir um arco de círculo máximo.


Ao descobrir a linha de rumo, Pedro Nunes provou também que um barco que, hipoteticamente, num planeta completamente coberto de água, seguisse sempre uma mesma direcção cardeal, acabaria por não regressar ao mesmo lugar, como na altura se pensava, mas seguiria uma espiral infinita, dita espiral loxodrómica, aproximando-se de um dos pólos, mas só o alcançando após um número infinito de voltas.


Os desenhos mais espectaculares de espirais loxodrómicas são, sem dúvida, os de Mauritus Cornelius Escher (1898-1972). Em 1958, Escher criou alguns desenhos de esferas com espirais, ao que parece sem consciência do seu profundo significado histórico e geométrico.

A gravura que aqui reproduzimos chama-se «Bolspiralen», espirais esféricas, e é um dos seus mais belos exemplos. Trata-se de uma gravura de madeira em quatro blocos, cada um para sua cor, com 32 cm de diâmetro. Podemos imaginar um barco que decida seguir sempre um rumo a um ângulo de cerca de 60 graus com a direcção norte-sul.

As espirais mostram o caminho seguido por tal barco. E mostram que o barco pode partir de sítios diferentes, que a sua trajectória convergirá. As faixas são mais largas perto do Equador e tornam-se mais estreitas perto dos pólos.




caminho.jpg





Além de mostrar aos navegadores o caminho que se segue quando se toma um rumo cardeal constante, as loxodrómicas de Pedro Nunes tiveram um efeito decisivo na nossa visão do mundo. Elas determinaram a maneira como os mapas começaram a ser feitos e criaram a visão que hoje temos dos continentes.

O nosso matemático teve a intuição de que os antigos mapas portulanos tinham de ser refeitos, mas foi Gerardus Mercator (1512-1594) quem haveria de originar uma revolução em cartografia, com base na descoberta de Pedro Nunes.

O grande problema da construção de mapas planos é o aparecimento de deformações inevitáveis. Tal como ao calcar uma casca de laranja sobre uma mesa, esta se fractura e deforma, assim os fazedores de mapas têm de deformar a geometria do globo para poder reproduzir no plano uma superfície esférica.

As deformações não são graves quando se trata de áreas reduzidas. Mas o mundo tinha-se tornado maior com as viagens dos Descobrimentos e começavam a fazer-se mapas de continentes e oceanos, que eram necessários para as navegações.

Mercator, que conhecia os resultados de Pedro Nunes, resolveu construir um mapa que servisse directamente os navegadores. Como primeiro princípio decidiu que o mapa teria uma rede, em que as linhas de igual latitude seriam todas paralelas ao Equador e perpendiculares aos meridianos, e em que os meridianos seriam todos paralelos entre si.

Como segundo princípio, Mercator decidiu que as linhas de rumo apareceriam como rectas, para o que aumentou progressivamente as distâncias entre os paralelos à medida que a latitude se aproxima dos pólos. Assim nasceu a chamada projecção de Mercator, ainda hoje a mais conhecida e mais utilizada.



O mapa de Mercator é o que se chama um mapa conforme, pois preserva a direcção entre quaisquer dois pontos do globo. Mas o mapa de Mercator introduz distorções inevitáveis, que moldaram a nossa intuição geográfica. Nesse mapa, a Gronelândia parece enorme, maior que a América do Sul, quando, afinal, esta tem uma área nove vezes maior. E o mapa engana também os viajantes modernos, que ainda hoje se espantam com os caminhos que os aviões seguem.




Fonte:institutocamoes
 

Luz Divina

GF Ouro
Entrou
Dez 9, 2011
Mensagens
5,990
Gostos Recebidos
0
Astrolábios



Astrolábios



As viagens das Descobertas não seriam possíveis sem o génio e o engenho dos matemáticos e cosmógrafos, que colocaram nas mãos dos navegadores um instrumento tão simples como eficaz: o astrolábio




astrolabio.jpg

Astrolábio planisférico de Nicol Patenal 1616 (frente) existente no Museu da Marinha, Lisboa





astrolabio1.jpg

Astrolábio Náutico de fabrico português existente no Museu de Marinha de Lisboa



O astrolábio consiste no desenvolvimento de uma ideia da antiga Grécia, que nos chegou por via dos árabes. Conhecem-se instrumentos construídos no século X, e há, por todo o mundo, cerca de 1500 astrolábios antigos de vários tipos, incluindo os náuticos.

O astrolábio que existia no início da época das Descobertas é o chamado astrolábio planisférico, um instrumento muito complexo e delicado, destinado não só a medir a altura das estrelas e calcular as horas pela posição do Sol, como também a prever a posição dos astros para determinado dia do ano e para determinada hora.

Essencialmente, trata-se de uma peça circular, chamada madre, onde se coloca um disco com uma projecção da esfera celeste no plano equatorial, havendo vários discos para várias latitudes. Por cima desse disco, move-se a chamada aranha, que aponta com pequenos bicos artisticamente desenhados para a posição das estrelas de maior grandeza.

Há uma grande variedade de astrolábios planisféricos, mas, no reverso, existe habitualmente uma mira ou alidade, chamada medeclina, que se aponta para os astros, para medir as suas alturas. Também no reverso, estão gravados gráficos para calcular a hora pela altura do Sol ou para medir a altura de um edifício.

O astrolábio planisférico era um instrumento muito sofisticado, um autêntico computador analógico que exigia um grande rigor e cálculos complexos para a sua construção.

Julga-se que nunca foram construídos tais instrumentos no nosso país, mas o astrolábio simplificado que os cosmógrafos e navegadores das Descobertas terão inventado, tornou-se num instrumento de grande utilidade para a navegação. É natural que esse astrolábio náutico tenha aparecido no século XV, mas o instrumento mais antigo que se conhece data de 1540.

O astrolábio náutico é constituído simplesmente por um aro graduado, com um eixo no centro, seguro por uma armação em cruz, e uma mira ou alidade, a chamada medeclina, que roda nesse eixo.

Trata-se de um instrumento mais pesado e mais robusto do que o astrolábio planisférico. Não oferece grande resistência ao vento e mantém-se mais facilmente na vertical, mesmo nas difíceis condições da navegação de alto mar.

O astrolábio náutico era utilizado para medir a altura de astros, nomeadamente a da Estrela Polar ou a do Sol ao meio-dia. Para o efeito, a medeclina tinha duas pequenas placas, as pínulas, com orifícios nas partes centrais, através dos quais se espreitava para as estrelas ou se projectava a luz do Sol, para alinhar essa mira com a direcção do astro.

Ao medir a altura angular da Estrela Polar, conseguia-se calcular a latitude do lugar. No Pólo Norte, a Polar aparece no zénite, mesmo por cima do observador - a sua altura corresponde à latitude de 90 graus norte. No equador, a Polar aparece no horizonte - a sua altura corresponde à latitude zero do lugar.

Todas estas medidas são aproximadas, pois a Polar não se encontrava, e ainda hoje não se encontra, exactamente no Pólo. Para medir a latitude através da Polar, era necessário compensar as alturas, usando um conjunto de regras que constituíam o chamado Regimento da Estrela do Norte.

Quando os navegadores se aproximaram do equador e, por maior razão, quando se deslocaram para o hemisfério sul, onde a Polar deixa de se ver, a medida da latitude pela estrela do norte tornou-se impossível. A sul do equador, não há nenhuma estrela facilmente observável que desempenhe as funções de Polar do sul.

Utilizou-se o Regimento da Cruzeiro do Sul, com base na estrela Alfa desta constelação, mas o método não foi muito utilizado, talvez por essa estrela se encontrar bastante afastada do Pólo.

Usou-se, isso sim, o regimento do Sol ao meio-dia, pelo que se calculava a latitude pela altura meridiana deste astro, isto é, a sua altura diária máxima, comparando-a com a declinação do Sol, que se conhecia para cada dia do ano pelos almanaques, o primeiro dos quais devemos a Abraão Zacuto.

Os astrolábios náuticos usados para medir a altura do Sol diferiam dos usados para medir a altura das estrelas. Os orifícios da mira eram mais estreitos e, em vez de espreitar por eles, os pilotos suspendiam o astrolábio à altura da cintura e rodavam a medeclina até conseguirem que a luz do Sol passasse através dos dois orifícios e se projectasse no chão ou noutra superfície.

No aro graduado mediam então a altura do Sol. Sugestivamente, chamava-se a este processo a «pesagem do Sol». Foi pesando o Sol com astrolábios náuticos que os marinheiros portugueses singraram pelo Atlântico, Índico e Pacífico.




institutocamões
 

Luz Divina

GF Ouro
Entrou
Dez 9, 2011
Mensagens
5,990
Gostos Recebidos
0
Galileu em Portugal



Galileu em Portugal

Galileu nunca esteve em Portugal, mas as suas ideias chegaram ao nosso país surpreendentemente cedo, como só agora foi descoberto




galileu1.gif

O sistema de Tycho Brahe




galileu2.gif

O sistema heliocêntrico de Copérnico



Até há pouco, pensava-se que o debate cosmológico despoletado pelas descobertas astronómicas de Galileu tinha demorado a chegar ao nosso país. De acordo com uma opinião muito difundida, a morte de Pedro Nunes (1502-1578) teria terminado um período de ouro do desenvolvimento científico português, a que se seguiram muitos anos de atraso. Na realidade, talvez se exagere a apreciação do estado da ciência em Portugal no século XVI, pois Pedro Nunes, certamente um dos maiores vultos matemáticos da Europa da época, trabalhou sempre sozinho, não tendo deixado escola nem se tendo inserido num movimento científico nacional.

No século XVI não há no nosso país um despertar científico significativo - pelo menos nada acontece de semelhante ao que se registava então em Itália e na Europa central.

Mas tampouco é verdade que as trevas da ignorância tenham atingido Portugal nessa altura crítica em que a morte de Camões e de Pedro Nunes coincide com o início do reinado de Filipe de Espanha. Lisboa continuou a ser o ponto de partida das carreiras para a Índia, e uma cidade frequentada pelos cientistas da época. Era por Lisboa que passavam aventureiros e mercadores. E era também por Lisboa que passavam os homens cultos de uma ordem religiosa que era, na altura, um dos centros do saber científico. Essa ordem era a dos jesuítas, membros da Igreja Católica que se destacavam pela importância dada ao conhecimento científico. A sua universidade, o Colégio Romano, acompanhava de perto as grandes descobertas e as grandes polémicas científicas da época. Era aí que estava o padre Cristóvão Clavius (1538-1612), amigo de Galileu (1564-1642) e, ao tempo, autoridade em cosmologia e matemática respeitada por toda a Europa.

Foi aí que Galileu se dirigiu quando descobriu os satélites de Júpiter e as fases de Vénus, procurando divulgar as suas descobertas telescópicas e conquistar aliados. Os jesuítas confirmaram as observações de Galileu, que implicaram a queda do sistema geocêntrico de Ptolemeu, mas mantiveram-se reticentes em aderir ao sistema heliocêntrico de Copérnico.

O grande objectivo das missões dos jesuítas era a evangelização da China, iniciada por Matteo Ricci (1552-1610), um italiano de famílias nobres que tinha partido para o Oriente em 1578, equipado de uma vasta cultura científica. Ricci percebera o grande interesse chinês pelos conhecimentos científicos que os ocidentais possuíam e foi o primeiro europeu a conseguir conquistar a confiança de altos dignitários do Império do Meio. Na sua esteira, os missionários jesuítas, muitos dos quais portugueses, conseguiram pouco a pouco ter uma posição influente em Pequim, chegando a presidir ao Tribunal das Matemáticas, que era um conselho imperial para matérias científicas, nomeadamente para a organização do calendário, para a previsão de eclipses e para a observação astronómica. Na sua correspondência com o Vaticano, Ricci e os seus companheiros insistiam frequentemente na importância da ciência. «Enviem-nos matemáticos!», pedia Ricci, «enviem-nos livros!»


Ao passarem por Lisboa a caminho do Oriente, os jesuítas quedavam-se na cidade. Os mais preparados davam aulas e traziam as novidades científicas mais recentes. Os mais jovens completavam em Portugal a sua educação científica, e partiam preparados para a transmissão de conhecimentos. Era vulgar que os jovens padres, ou apenas futuros padres, passassem vários meses ou anos em Lisboa, em Évora ou em Coimbra, adquirindo conhecimentos matemáticos e astronómicos. Os estudos continuavam ininterruptamente a bordo dos navios, nas longas viagens da carreira para a Índia, com paragem de outros tantos meses em Goa. Ricci, que chegou a Portugal em 1577 já com estudos científicos muito completos feitos em Itália, actualizou alguns conhecimentos no Colégio de Coimbra e partiu para Goa no ano seguinte. Passou três anos nessa cidade, completando aí os seus estudos teológicos até ser ordenado padre. Os seus estudos científicos precederam os religiosos.

Lisboa estava pois num dos centros de comunicação do saber entre o Ocidente e o Oriente. No Colégio de Santo Antão, onde é hoje o Hospital de São José, era leccionada a famosa Aula da Esfera, onde se revia aprofundadamente a cosmologia da época. Ora, os professores jesuítas, em contacto constante com o Colégio Romano e os centros científicos da época, não podiam deixar de estar a par das grandes polémicas cosmológicas da altura. Devido à situação de Lisboa no trânsito de missionários, alguns dos mais competentes professores do Colégio Romano, tais como Christopher Grienberger, vieram por algum tempo para Portugal, com o objectivo de ensinar no Colégio de Santo Antão.

Esta correia de transmissão de conhecimentos funcionava com tal eficiência que, em 1614, o padre Manuel Dias publicou na China o «Tien wen lueh», descrevendo já as observações astronómicas que Galileu tinha feito em 1609 e 1610. Numa altura em que as cartas de Pequim para Roma chegavam a demorar oito anos a chegar ao destino, quatro anos bastaram, mesmo com os longos meses da carreira da Índia, somados à paragem em Goa e aos meses da viagem até Macau, para que a Companhia de Jesus tivesse feito chegar ao Oriente as mais recentes e mais polémicas observações científicas da época. Esta medida da rapidez da difusão científica leva a crer que Portugal não possa ter ficado imune à circulação da informação. No entanto, não eram até há pouco conhecidos documentos históricos que provassem a penetração rápida da astronomia galileana no nosso país.



galileu.jpg

Discussão das observações das fases de Vénus no manuscrito das aulas de G.P. Lembo, na Aula da Esfera do Colégio de Santo Antão, em Lisboa, 1615/16: Vénus tem de orbitar em torno de Sol.



Em 1943, Joaquim de Carvalho, professor de Coimbra a quem a história da ciência em Portugal muito deve, escreveu um artigo, intitulado «Galileu e a cultura portuguesa sua contemporânea», em que fixou o conhecimento das descobertas de Galileu só em 1631, por volta da publicação da «Collecta astronomica» de Cristóvão Borri, ele próprio professor no Colégio de Santo Antão. Essa referência de Joaquim de Carvalho tornou-se canónica na historiografia portuguesa, que sempre a tem repetido e tomado como evidência histórica do nosso atraso científico na época filipina.

É por isso que a descoberta recente de documentos que contradizem a tese de Joaquim de Carvalho está a despertar o maior interesse entre os historiadores. Segundo Henrique Leitão, um físico teórico da Universidade de Lisboa que tem investigado estas questões, tudo terá começado com observações dispersas do padre João Pereira Gomes. Esse erudito jesuíta nunca acreditou que as teorias de Galileu tivessem aparecido em Portugal apenas em 1631. Tinha a intuição de que tal não seria possível e foi o primeiro a referir que Giovanni Paolo Lembo (1570?-1618), jesuíta italiano que ensinou em Lisboa a Aula da Esfera entre 1615 e 1617, conhecera pessoalmente Galileu. Na realidade, Lembo tinha construído em 1610 os telescópios do Colégio Romano e tinha subscrito o célebre parecer de quatro matemáticos de 1611, documento que tinha confirmado às autoridades eclesiásticas a justeza das observações de Galileu.

Ugo Baldini, a maior autoridade mundial sobre a ciência dos jesuítas, e Henrique Leitão observaram recentemente os apontamentos das aulas de Lembo e de outros professores do Colégio de Santo Antão, depositados na Torre do Tombo, e concluíram que a discussão sobre as observações e teorias de Galileu tinha chegado a Portugal com surpreendente rapidez. Estes investigadores, que trabalharam independentemente, conseguiram ainda detectar os vínculos estreitos existentes entre o Colégio de Santo Antão e o Colégio Romano e determinar que a construção de telescópios no nosso país se terá iniciado em 1616, ou ainda antes. Galileu nunca esteve em Portugal, mas a sua ciência chegou cedo ao nosso país.





galileu1.jpg



Nos princípios do século XVII assistiu-se a um dramático debate cosmológico em que se defrontavam diversos sistemas do mundo. A visão geocêntrica, herdada de Ptolomeu (século II d.C.), aparece representada numa gravura da «Crónica de Nuremberga» de 1493. Ao centro aparece a Terra, cercada das sete esferas planetárias e do firmamento. No século XVI, esta visão foi posta em causa. Tycho Brahe (1546-1601) sugeriu um outro sistema, em que a Terra estava parada no centro do Universo. O Sol e a Lua rodavam em torno da Terra, e os planetas em torno do Sol. Galileu (1564-1642) defendeu o sistema heliocêntrico de Copérnico (1473-1543), representado numa gravura retirada do seu «Diálogo dos Grandes Sistemas do Mundo» (1632). Os matemáticos jesuítas perceberam que as observações astronómicas de Galileu, nomeadamente das luas de Júpiter e das fases de Vénus, tinham destruído o sistema de Ptolomeu. Mas não quiseram abandonar a visão geocêntrica e aderiram ao sistema de Tycho Brahe, que era também compatível com as novas observações.




institutocamões
 

Luz Divina

GF Ouro
Entrou
Dez 9, 2011
Mensagens
5,990
Gostos Recebidos
0
A Passarola



A Passarola






passarola1.jpg




A passarola de Bartolomeu de Gusmão faz parte do imaginário nacional. O primeiro homem a voar teria sido português. O seu dirigível seria aquela barca elevada por ar quente, uma espécie de cesto onde cabiam homens e instrumentos.

No entanto, quem perceba um mínimo de física reconhece, imediatamente, que aquela construção não se poderia elevar nos ares. Que se passou, afinal?

Bartolomeu Lourenço de Gusmão nasceu em Dezembro de 1685 em Santos, no Brasil, que era então território português. Estudou em Belém, na Baía, ingressou na Companhia de Jesus e deslocou-se definitivamente para a capital em 1708.

Ainda no Brasil, destacou-se como inventor, tendo construído uma bomba hidráulica que elevava a água do rio até ao Seminário onde estudava.

Em 1709 teria já a ideia de construir uma máquina voadora, pelo que dirigiu ao rei D. João V uma petição em que requeria para si uma patente sobre os proveitos de um «instrumento que inventou para andar pelo ar».

Nesse documento, enumera as vantagens do desenvolvimento futuro do seu invento, tanto para as comunicações como para a guerra e o comércio. Sabe-se que o rei despachou favoravelmente a petição.

Ainda no mesmo ano, nos primeiros dias de Agosto, Bartolomeu de Gusmão fez várias experiências perante o rei e a corte. Conseguiu elevar ao ar «mais de vinte palmos», no dizer de um cronista da época, «um globo de papel grosso, metendo-lhe no fundo uma tigela com fogo».

Esta demonstração é tudo o que se conhece com segurança sobre as experiências do Padre Bartolomeu. Sem que se saibam as razões, as experiências terminaram. Não é de crer que elas tenham sido um fracasso total, pois os cronistas são unânimes em descrever a subida destes balões de ar quente, que muito surpreenderam a assistência.

Há quem afirme que o abandono das experiências foi motivado pela tremenda chacota que os ignorantes e invejosos fizeram do seu invento. Ainda antes das suas demonstrações junto à corte, os boatos circulavam pela capital. O povo alcunhava o padre de «Voador», e o seu engenho volante passou a ser chamado «Barcarola».

Circulavam chacotas e pasquins ridicularizando o inventor. Um poeta escreveu, entre outras, uma poesia intitulada «Ao novo invento de andar pelos ares». Aí se queixava do dinheiro gasto na construção desta «urdida paviola» e dizia que «Esta fera Passarola/ ... Assim eu fora cedo santo/ Como se há-de acabar cedo».

Misturando-se facto e ficção, o relato das experiências do padre Bartolomeu chegou aos nossos dias envolto numa áurea de mistério que os desenhos fantasiosos da fantasiosa Barcarola ajudaram a construir. Essas fantasias, propagadas pela chacota popular, desprestigiam o inventor português.

A honra de voar pela primeira vez num balão haveria de caber a dois franceses, Pilâtre de Rozier e o marquês de Arlandes, que se elevaram nos ares em 1783, 74 anos depois das experiências de Gusmão. Mas a honra de construir pela primeira vez um balão capaz de subir por meio de ar quente cabe - segundo o que se sabe ao certo - ao inventor português.




institutocamoes
 

Luz Divina

GF Ouro
Entrou
Dez 9, 2011
Mensagens
5,990
Gostos Recebidos
0
Os astrónomos mandarins



Os astrónomos mandarins




Os missionários jesuítas partiram para a China no século XVI e tornaram-se uma ajuda preciosa para o desenvolvimento da ciência astronómica da civilização oriental




mandarins1.gif




«NA HISTÓRIA do encontro entre civilizações - escreve Joseph Needham na sua monumental Science and Civilization in China - não parece haver nada de comparável à chegada à China, no século XVII, de um grupo de europeus tão inspirados por fervor religioso como o foram os jesuítas e, ao mesmo tempo, tão versados nas ciências que se tinham desenvolvido com a Renascença e a ascensão do capitalismo».

À frente desses missionários europeus, muitos dos quais portugueses, foi colocado Matteo Ricci (1552-1610), um jesuíta de origem italiana, nascido em Macerata, no centro da Itália, numa família nobre. Ricci era discípulo de Cristóvão Clavius (1538-1612), o responsável pela reforma do calendário moderno e o mais importante matemático e astrónomo do seu tempo.

São Francisco Xavier tinha morrido em 1552 na pequena ilha de Sanchoão junto à costa chinesa, à vista do grande país que tanto ambicionara evangelizar. Quando Ricci chegou ao Oriente, em 1582, após uma longa viagem iniciada em Lisboa a bordo de uma das caravelas que anualmente daí partiam, a China estava ainda fechada aos estrangeiros.

Os missionários pararam no entreposto de Macau e começaram a estudar a língua e os costumes locais, estabelecendo contactos com os nobres e intelectuais chineses. No ano seguinte, Ricci foi autorizado a estabelecer-se na província de Quangtung. Em 1589, tornou-se amigo de vários estudiosos confucionistas e ensinou-lhes matemática, astronomia e geografia.

Em Janeiro de 1601, conseguiu estabelecer-se em Pequim, onde publicou vários livros em chinês, nomeadamente os Seis Primeiros Livros de Euclides. Seguindo o caminho aberto por Ricci, muitos missionários jesuítas vieram para Pequim e tornaram-se conhecidos dos académicos chineses, que os respeitavam pelos seus conhecimentos de astronomia, geografia, cartografia e matemática.

O segredo do sucesso destes missionários, que vieram a conseguir que o imperador da China promulgasse, em 1692, o decreto de liberdade religiosa, está na sua atitude de respeito pelos costumes locais - vestiam-se e comportavam-se como chineses, estudavam a doutrina de Confúcio e conheciam a literatura e filosofia do Oriente. Mas a influência que posteriormente vieram a ter na corte do imperador e na China deve-se, sobretudo, à sua erudição e conhecimento das ciências, nomeadamente da astronomia.

«Os jesuítas haviam observado a incapacidade dos chineses para prever correctamente a ocorrência de eclipses, bem como a sua incapacidade para resolver a relação entre os calendários solar e lunar», como o descreve Russel-Wood no seu livro Um Mundo em Movimento: Os Portugueses na África, na América e na Ásia, 1415-1808.

Percebendo a importância que esse problema tinha para a sociedade chinesa, Ricci escreveu insistentemente para Roma, pressionando Galileu e outros astrónomos a que os ajudassem. «Para nós é certo que as matemáticas nos abrirão o caminho», escreveu o padre Longobardo em pedido desesperado para Roma, «mandem-nos matemáticos». Noutra altura, o padre João Rodrigues escreve de Cantão: «mandem-nos livros de matemática em grande quantidade!»




jesuitas.gif




Os pedidos de Ricci e dos missionários foram atendidos e vários matemáticos e astrónomos europeus deslocaram-se para a China. Estabeleceram-se em Pequim, penetrando na Cidade Proibida e convivendo com os mandarins e dignatários da corte do imperador. Ricci tornou-se conhecido por «Hsi-ju», «O homem sábio do Ocidente».

A astronomia ocidental estava mais adiantada que a chinesa e alcançava resultados práticos que os orientais não obtinham, nomeadamente na previsão dos eclipses. Os ocidentais desempenharam um papel importante na reforma do calendário chinês, que estava baseado nos ciclos lunares e que, progressivamente, se tinha afastado dos ciclos das estações anuais. O calendário era decisivo para o império, como é natural, pois é um instrumento básico de uniformização da vida civil, da colecta de impostos, da organização das colheitas.

A astronomia ocidental, no entanto, estava mais errada que a chinesa em alguns aspectos cosmológicos importantes. É curioso que Ricci, ao enumerar o que considerava os «absurdos» da cosmologia chinesa, apontasse eles considerarem que «só existe um céu (e não dez céus). Está vazio (e não sólido). As estrelas movem-se no vácuo (em vez de estarem fixas no firmamento)». Outro «absurdo» enumerado por Ricci seria que «eles não sabem que há ar (entre as esferas) e afirmam que há o vazio».

Como se sabe, a cosmologia ptolemaica e aristotélica da época admitia que os corpos celestes se moviam em esferas cristalinas, como Camões tão bem descreve em Os Lusíadas. As estrelas estariam fixas na esfera do Firmamento. «Debaixo deste grande Firmamento», escrevia o poeta, «vês o céu de Saturno, Deus antigo», e abaixo deste encontrar-se-iam as esferas dos outros planetas, do Sol e da Lua.

Sabemos hoje que os chineses se encontravam, afinal, mais perto da verdade. As estrelas não estão cravadas numa esfera mas existem no espaço interestelar. Não há esferas cristalinas em que os corpos celestes se movem. Não existe ar entre a Terra, os planetas e as estrelas.

Na observação astronómica, os chineses encontravam-se também mais avançados que os ocidentais. Há séculos e séculos que observavam sistematicamente os céus, tomando nota dos fenómenos celestes mais importantes, e tinham detectado explosões de estrelas, nomeadamente a explosão em supernova registada em 1054 e que hoje revela os seus restos na nebulosa do Caranguejo.

Os ocidentais, convencidos da imutabilidade dos céus, um dos dogmas fundamentais da cosmologia aristotélica e cristã, ridicularizavam tais descobertas. O escritor francês De Fontenelle, por exemplo, ironizava em 1686 que «é aborrecido que estes espectáculos (meteoros e supernovas) estejam reservados para a China e que não possam ser vistos nos nossos países...» O que acontecia, na realidade, era que as crenças dos ocidentais os impediam de acreditar nas alterações do céu e que a Europa tinha estado durante muito tempo adormecida e de costas voltadas à observação e à experiência.

Pelo seu lado, os chineses mantiveram durante séculos, talvez quase três milénios, com algumas interrupções, uma observação sistemática dos fenómenos celestes. Segundo relata uma testemunha da época, o francês, Lecomte, «eles ainda hoje continuam as suas observações.

Cinco matemáticos passam cada noite na torre observando o que se passa por cima das suas cabeças; um fixa-se no zénite, outro no leste, um terceiro no oeste, o quarto vira os seus olhos para sul, e um quinto para norte, de forma que nada do que se passa nos quatro cantos do mundo pode escapar à sua diligente observação.»

Com tal fascínio pela observação astronómica, compreende-se que os chineses tenham ficado deslumbrados quando os ocidentais lhes mostraram e ofereceram telescópios. Foi um mundo novo que se lhes revelou: as fases de Vénus, os satélites de Júpiter, a estranha forma de Saturno.

A influência dos jesuítas na corte do imperador foi tanta que estes foram encarregues de reconstruir e equipar o observatório de Pequim. Ainda hoje aí se encontram muitos dos instrumentos que os ocidentais introduziram, nomeadamente as esferas celestes e os quadrantes metálicos.

Mesmo depois do édito imperial de 1724, que expulsou os cristãos da China, os jesuítas foram autorizados a residir em Pequim e continuaram a ocupar lugares de relevo na hierarquia científica da corte. Integraram o observatório (Tribunal Astronómico) e o Tribunal das Matemáticas, organismo que abrangia a matemática, a geografia e a cartografia.

Muitos eram portugueses, como o padre André Pereira (1689-1743), natural do Porto, que em 1724 se tornou astrónomo e matemático da corte e foi promovido pelo imperador a vice-presidente do Tribunal Astronómico, e o padre José de Espinha (1722-1788), natural de Lamego, que recebeu do imperador a dignidade de Mandarim e ascendeu a presidente do dito organismo científico.

Os «padres da corte» - como eram conhecidos entre os portugueses - alcançaram tal influência política que foram várias vezes decisivos na defesa das posições portuguesas. Como o relata Francisco Rodrigues, em obra reeditada pelo Instituto Cultural de Macau com o título Jesuítas Portugueses Astrónomos na China, é bem possível que Macau tenha sobrevivido graças aos jesuítas de Pequim. Em 1622, por exemplo, a cidade estava cercada por terra e mar pelas forças do governador de Cantão.

Foram os padres da corte que fizeram diligências desesperadas e conseguiram de Pequim um diploma que indicava ao governador provincial a manutenção da presença portuguesa em Macau.

Para o Oriente, é história extraordinária de persistência. Para o Ocidente, é uma extraordinária história de respeito pelo saber e pela ciência.



institutocamoes
 

Luz Divina

GF Ouro
Entrou
Dez 9, 2011
Mensagens
5,990
Gostos Recebidos
0
O fabuloso Museu de Marinha



O fabuloso Museu de Marinha



Sediado na ala oriental do Mosteiro dos Jerónimos e prolongando-se num pavilhão moderno, é uma jóia do nosso património histórico e científico. Aí se encontram peças de incalculável valor, a par com modelos, mapas e esculturas que introduzem o visitante na arte e ciência da navegação



astrolabio4.jpg

Colecção de astrolábios náuticos do Museu de Marinha, considerada a maior de todo o mundo




Logo à entrada, encontra-se uma imponente estátua do Infante Dom Henrique, cercada por estátuas menores de navegadores que exploraram os mares a sua instância. Ao fundo, aparece um gigantesco mapa que mostra as viagens mais importantes dos nossos antepassados. Crianças em visita escolar, casais de estrangeiros e famílias detêm-se a observar os rumos seguidos por Diogo Cão, Vasco da Gama e outros navegadores de tempos remotos.


Passando à sala principal, entra-se no coração do museu, uma sala ampla, dedicada à época áurea das navegações portuguesas. Logo à entrada, observa-se uma réplica da célebre inscrição de Ielala, efectuada por Diogo do Cão em 1483, na sua viagem de exploração do rio Zaire. Chegado à embocadura do grande rio, o navegante terá admitido tratar-se de uma passagem do oceano Atlântico para o Índico e explorou a via fluvial ao longo de mais de 150 quilómetros. Deteve-se nos inultrapassáveis rápidos de Ielala e aí deixou a marca da sua presença, com uma inscrição numa rocha situada na margem esquerda do rio. Foi mais tarde que os exploradores passaram a utilizar os conhecidos padrões, de que o museu mostra também um exemplar.




rafael.gif

Escultura de madeira do arcanjo São Rafael. Esta é a única peça remanes-cente da armada em que Vasco da Gama desco-briu o caminho marítimo para a Índia




Logo à esquerda, encontra-se uma escultura de aparência modesta, mas carregada de imenso significado histórico. É uma imagem do Arcanjo São Rafael que é a única peça sobrevivente da viagem de Vasco da Gama. Trata-se de uma magnífica escultura em madeira pintada, que foi transportada na nau comandada por Paulo da Gama, irmão do comandante da expedição marítima e também ele explorador marítimo.

Esta é uma das peças mais importantes, se não a mais importante do museu. Mas temos muitas outras preciosidades, tais como o hidroavião que terminou a viagem de Sacadura Cabral e Gago Coutinho sobre o Atlântico Sul, em 1922, ou o bergantim real mandado construir pela Rainha D.
Maria, que tem mais de 220 anos e que foi utilizado pela última vez transportando a Rainha Isabel de Inglaterra, na sua visita a Portugal em 1957.

Mais à frente, no centro da sala, aparece uma colecção de modelos de navios utilizadas nas viagens marítimas portuguesas. Não se conhecem desenhos ou pinturas da época que revelem a figura desses navios. O que se sabe foi reconstruído a partir de testemunhos escritos, nomeadamente livros de instruções de construção naval. A arqueologia submarina tem recuperado algumas embarcações antigas, mas não se teve ainda a sorte de encontrar restos dos tempos das descobertas. Os modelos exibidos no museu foram laboriosamente construídos e representam o que se sabe sobre os navios utilizados na altura.



Os modelos estão dispostos por ordem cronológica, para mostrar a evolução da arquitectura naval conseguida pelos portugueses. Um dos primeiros modelos é o da barca. A barca foi o navio com que Gil Eanes dobrou o Bojador, essa proeminência do continente africano que apenas se conseguiu vencer à décima terceira tentativa. É uma embarcação robusta, de casco forte e chato, capaz de aguentar embates em rochas e passar por águas pouco profundas. A barca estava certamente munida da chamada vela redonda, um pano aproximadamente quadrangular, em forma de pendão de igreja, que aproveitava ao máximo a força dos ventos. A vela inchava, um pouco como um balão, derivando talvez daí a sua designação de «redonda». A barca era um navio pouco manobrável e não muito veloz. Na altura, o importante era que aguentasse os embates oceânicos e que pudesse explorar cuidadosamente a rota africana. As barcas avançavam lentamente, explorando o caminho. Imagina-se que, na proximidade da costa ou perante o receio de baixios, seguisse à proa um marinheiro, de prumo na mão, medindo a profundidade e precavendo o perigo. Uma vela redonda, no entanto, não permite que o navio seja facilmente manobrado, exigindo atenção constante e grande esforço no leme. A esta vela principal acrescentou-se depois uma vela menor, pela proa, a que se deu o nome de artimão e que ajudava a governar o navio.



naus.jpg

Naus e caravelas portuguesa do tempo dos Descobrimentos, na sala do museu dedicada às embarcações dos séculos XV e XVI



Passado o Bojador, foi ultrapassado um marco simbólico que se receava intransponível e que se pensava conduzir a mares povoados por perigos insuperáveis e a regiões desertas e inabitáveis. Os geógrafos clássicos imaginavam que as regiões tropicais eram tão quentes que nenhum ser vivo aí podia sobreviver, pelo que os feitos dos marinheiros portugueses foram não só decisivos para a abertura das rotas e o contacto entre os povos, como para a nova cultura do Renascimento.

Passado o Bojador, percebeu-se também que seria possível ultrapassar o cabo pelo mar largo, evitando os perigos das rochas que espreitavam a navegação costeira e voltando a alcançar a costa mais a sul. Para essas manobras oceânicas, tal como para a exploração da costa a sul do Bojador, era necessário um navio mais veloz e mais manobrável. A barca foi substituída pela caravela, navio emblemático dos Descobrimentos.

A caravela estava munida de velas triangulares, as chamadas velas latinas, utilizadas no Mediterrâneo desde o século VIII. Por serem triangulares, eram ditas «a la trina», o que originou a designação de «latina». Essas velas estavam sustentadas por vergas suspensas em diagonal nos mastros, em vez de se apresentarem horizontais, como acontecia nas barcas e, mais tarde, nas naus e galeões. O resultado era uma maior capacidade de manobra. Além disso, a inclinação da vela latina permitia navegar contra o vento, efectuando um ziguezague a que os marinheiros chamam bolinar. Foi com a caravela que os exploradores portugueses dobraram o sul de África e viram pela primeira vez o Índico.



hidroaviao.jpg

Hidroavião «Santa Cruz», em que Gago Coutinho e Sacadura Cabral chegaram ao Brasil, na primeira travessia aérea do Atlântico Sul



Terminada essa fase de exploração, era necessário construir navios mais robustos, que pudessem transportar mais tripulantes e mais soldados, que tivessem porte para fazer face a inimigos e que pudessem transportar grandes quantidades de mantimentos, munições e mercadorias. Foi assim que nasceu a nau, habitualmente com três mastros, com velas redondas nos de vante e uma triangular no de ré, procurando obter das duas primeiras a grande força do vento e da latina a capacidade de manobra. Foi com naus que Vasco da Gama viajou até à Índia.

Ao passear pelo Museu de Marinha, o visitante tem oportunidade para ver em pormenor a evolução da arte naval, seguindo os modelos de barcas, caravelas e naus, tais como os de galeões e navios mais recentes, incluindo os mais modernos. Mas não é só na arte de velejar que o museu oferece uma lição viva de ciência e de história. Na mesma sala principal encontram-se canhões e outras peças de artilharia naval. Noutras sala, encontram-se elementos de pesca, com destaque para a pesca do bacalhau. Mais ao fundo, aposentos nobres do iate real «Amélia». Passando ao pavilhão anexo, o visitante pode observar embarcações autênticas, desde barcos de pesca ao referido bergantim real de D. Maria I e ao hidroavião de Sacadura Cabral e Gago Coutinho.



sala.jpg

Vista geral da sala principal do museu



O Museu de Marinha tem colocado entre as suas preocupações primeiras, a sua função pedagógica. Há um serviço de extensão educativa, que dispõe de fichas pedagógicas que distribui às escolas. Há cerca de 100 mil alunos por ano a visitar o museu, num total de cerca de 140 mil visitantes anuais. Os professores podem ser ajudados a preparar as visitas.




institutocamoes


 

Luz Divina

GF Ouro
Entrou
Dez 9, 2011
Mensagens
5,990
Gostos Recebidos
0
A Missão Saldanha



A Missão Saldanha





chamine.jpg

Exemplo de uma 'chaminé' oceânica, que os cientistas consideram autênticos oásis de vida, dando origem a estranhos ecossistemas





UTILIZANDO o submersível francês «Nautile», cientistas portugueses e franceses exploraram no Verão de 1998 as profundidades marítimas ao largo dos Açores. Foi a primeira operação organizada por investigadores portugueses às zonas hidrotermais desses abismos oceânicos. Os organizadores deram-lhe o nome de Missão Saldanha, em homenagem ao conhecido professor português de biologia marinha que faleceu em 1997.

O «Nautile», que é um dos poucos submarinos capazes de mergulhar a tais profundidades, tem permitido aos investigadores submergir a vários locais situados entre os 800 e os 3000 metros abaixo do nível das águas do mar. O objectivo é estudar a geologia dos fundos marinhos, nomeadamente as chaminés vulcânicas submarinas, assim como a fauna que se desenvolve nesses ambientes estranhos.

A descoberta das primeiras fontes hidrotermais submarinas foi feita no oceano Pacífico, em 1977, a bordo do submersível norte-americano «Alvin». Só em 1993, depois de várias explorações infrutíferas, é que se encontraram fenómenos semelhantes no fundo do Atlântico. A descoberta deve-se a Luiz Saldanha e a outros especialistas norte-americanos e franceses que, mergulhando no «Alvin», descobriram um campo hidrotermal perto dos Açores. O campo então descoberto, a que chamaram Lucky Strike, é um dos mais activos que se conhecem.

Mergulhando mais a sudoeste, numa zona da crista médio-atlântica denominada Famous - já objecto de infrutíferos estudos anteriores -, descobriu-se depois um novo campo hidrotermal.


As fontes prolongam-se por uma área de uns 50 metros quadrados, no topo do recém-baptizado monte Saldanha. Não foi aí detectada fauna, mas observaram-se vários filamentos que se suspeita serem constituídos por bactérias.

Ao estudar mais em pormenor a formação geológica, os investigadores encontram indícios de se tratar de um campo hidrotermal na sua forma mais primitiva. O estudo continuado desta área é importante para levantar novas pistas, tanto sobre o processo de formação geológica como sobre o processo biológico em acção junto a essas fontes submarinas.

O fundo oceânico possui numerosas fissuras, através das quais as águas entram em contacto com rochas quentes, formadas recentemente a partir de magmas. As rochas de temperatura mais elevada localizam-se essencialmente ao longo dos «riftes» oceânicos, as cadeias montanhosas submarinas onde se geram continuamente as rochas do fundo do mar. A água desce através das fissuras e atinge temperaturas muito elevadas. Aquecida, sobe e arrasta consigo vários metais das rochas circundantes. Quando emerge no fundo do oceano, o fluido é rico em metais e deposita em torno da abertura um resíduo sólido, que forma uma autêntica chaminé. Essa chaminé fumega sem parar, a temperaturas que alcançam os 360 graus Celsius, e mantém-se activa durante dezenas de anos, por vezes talvez até uma centena, criando condições para o desenvolvimento de um estranho ecossistema. A biomassa aí encontrada é dez a 100 mil vezes superior à dos outros povoamentos existentes à mesma profundidade. É um autêntico oásis de vida. E de uma vida muito diferente da que se julgava possível.

Os organismos aí existentes baseiam-se numa cadeia alimentar que até há pouco não se imaginava. Ninguém pensava que uma flora que não depende da energia solar pudesse existir, nem que muitos dos estranhos animais aí encontrados habitassem o nosso planeta. A descoberta veio revolucionar o nosso conhecimento sobre a vida e mostrar que esta pode existir em ambientes muito diferentes dos encontrados à superfície da Terra ou nas camadas menos profundas dos oceanos.

Nessas zonas hidrotermais profundas descobriram-se quase 400 espécies até então desconhecidas. Na base da cadeia alimentar aparecem bactérias que obtêm a sua energia básica a partir da oxidação de sulfuretos, presentes nos fluidos que emergem das chaminés submarinas. Alimentando-se dessas bactérias, aparecem vermes e moluscos bivalves gigantescos, com 26 centímetros de comprimento. Estranhas espécies de caranguejos e de camarões e outros animais mais complexos surgem no fim da cadeia alimentar. Um facto curioso é que a maioria das espécies aí existentes apenas sobrevive nesses ambientes, o que levanta muitas questões ainda sem resposta. Como terá aparecido a vida nesses locais, à primeira vista tão inóspitos?

A descoberta destas estranhas espécies veio mostrar que a vida pode existir longe da energia solar e em ambientes muito diferentes daqueles que pensávamos ser condição necessária para a evolução biológica. Especula-se hoje, por exemplo, que possa ter sido nesses ambientes que a vida primitiva se originou no nosso planeta. Sendo assim, é bem possível que existam condições semelhantes noutros planetas, e é natural que em Marte ou em Europa, um dos satélites de Júpiter, possam existir formas de vida no subsolo ou em oceanos subterrâneos.




institutocamoes

 

Luz Divina

GF Ouro
Entrou
Dez 9, 2011
Mensagens
5,990
Gostos Recebidos
0
O Velho Senhor das Matemáticas Portuguesas




O Velho Senhor das Matemáticas Portuguesas



vgoncalves.jpg



José Martins Vicente Gonçalves nasceu no Funchal em 26 de Agosto de 1896 e veio muito jovem para Coimbra, aonde se licenciou com apenas 21 anos de idade. Foi logo contratado como 2º assistente do grupo de Mecânica e Astronomia da universidade.

Começou a trabalhar em problemas de Análise Complexa e demonstrou alguns resultados novos na teoria das funções inteiras, isto é, de funções que admitem derivada em todos os pontos do plano complexo.

Esses resultados obteve-os o jovem madeirense trabalhando sozinho, e sozinho trabalharia para o seu doutoramento, que viria a obter em 1921, com 25 anos de idade.

O doutoramento trouxe-lhe a promoção a 1º assistente, como era norma na altura. A sua passagem a professor catedrático deu-se seis anos mais tarde, em 1927, depois de ter defendido outra dissertação, como era exigido na época.

Em 1942 Vicente Gonçalves transferiu-se para a Faculdade de Ciências de Lisboa aonde ensinou até se jubilar, em 1966. No período de 1947 a 1960 ensinou igualmente no Instituto de Ciências Económicas e Financeiras, actual ISEG. Vem a morrer a 2 de Agosto de 1985.

O panorama do ensino superior das matemáticas não era ao tempo brilhante, como continuou a não o ser. Vicente Gonçalves não teve a acarinhá-lo nem a apoiá-lo qualquer estrutura colectiva de estudo e investigação nem a troca de informação e de ideias que caracteriza a produção científica moderna.

Nesse sentido, como o escreveu Tiago de Oliveira, Vicente Gonçalves era um «self-made man» tal como o eram os dois outros grandes vultos dos fins do século XIX e primeira parte do século XX, Gomes Teixeira no Porto e Mira Fernandes em Lisboa.



Se Vicente Gonçalves e outros matemáticos portugueses da altura não eram fruto de nenhuma escola, se estudavam e trabalhavam isolados, também a verdade é que não formaram qualquer escola no país nem aproximaram a academia dos grandes centros de produção intelectual do mundo de então.

É significativo que da centena de trabalhos científicos publicados por Vicente Gonçalves, muitos deles escritos em francês, que era um dos idiomas científicos da época, nem um único artigo tenha aparecido numa revista internacional.



A contribuição científica de Vicente Gonçalves foi sobretudo importante em Álgebra e Análise clássicas, aonde o matemático madeirense simplificou a demonstração de resultados conhecidos e obteve resultados inovadores.

Há quem afirme que Vicente Gonçalves merece um reconhecimento internacional muito mais significativo do que o que tem tido e que a mesma injustiça se tem registado com muitos matemáticos e cientistas portugueses.

Um caso célebre, aliás revelado por Vicente Gonçalves, passou-se com José Anastácio da Cunha (1744–1787), matemático português nomeado por Pombal na reforma da Universidade de Coimbra e condenado depois pela Inquisição.

Anastácio da Cunha parece ter sido o primeiro a fornecer uma definição correcta do conceito de convergência de uma série numérica. Com efeito, nos seus «Princípios Mathematicos», publicados em 1790, Anastácio da Cunha dá como definição de convergência a condição que Cauchy, meio século depois, demonstrará ser necessária e suficiente.



Vicente Gonçalves manteve-se um matemático clássico ao longo de toda a sua vida. Um choque com a nova geração, partidária da matemática moderna, era inevitável.

Nos anos 40 começaram a regressar a Portugal matemáticos mais jovens, que tinham conhecido directamente a Europa e que tinham estado expostos à teoria dos conjuntos e ao formalismo das matemáticas modernas. António Aniceto Monteiro (1907–1980), Hugo Baptista Ribeiro (1910–1980), Ruy Luís Gomes (1905–1984) e, sobretudo, Sebastião e Silva (1914–1972) vinham dispostos a introduzir a modernidade na academia e fizeram-no em oposição a Vicente Gonçalves. O mestre madeirense foi sempre respeitado pela nova geração, mas como o «velho senhor» das matemáticas clássicas.



Uma segunda vertente da contribuição de Vicente Gonçalves para as matemáticas nacionais foi o seu extenso trabalho pedagógico, como autor e como docente. Numa época em que abundavam, como ainda hoje abundam, as sebentas de má qualidade, Vicente Gonçalves dedicou grande cuidado à redacção de manuais escolares que primavam pelo rigor e organização.

O seu «Curso de Álgebra Superior», editado em 1933 e sucessivamente revisto, reformulado e reeditado, foi uma obra que educou gerações de estudantes no rigor matemático contemporâneo.

O estilo que Vicente Gonçalves introduziu em Portugal foi o estilo elegante e rigoroso que franceses, italianos e alemães tinham vindo a introduzir ao longo do século XIX. Com honrosas excepções, tal estilo rigoroso estava ausente das matemáticas nacionais.



O mestre madeirense tinha particular apego à economia da exposição. Vicente Gonçalves exultava quando conseguia retirar uma linha a uma demonstração e quando conseguia dispensar alguns passos na exposição de difíceis conceitos matemáticos. Como pedagogo, esse estilo estimulava alguns alunos e desanimava outros.

A terceira grande contribuição de Vicente Gonçalves para a ciência portuguesa foi constituída pelos seus estudos históricos. Numa época em que pouco interesse havia pela análise do nosso passado intelectual, Vicente Gonçalves publicou uma série de minuciosos estudos sobre os trabalhos de alguns dos maiores matemáticos portugueses.

Essa preocupação pelo passado era na altura praticamente inaudita. Com excepção da resenha histórica de Gomes Teixeira (1851–1933), publicada em 1934, já depois da sua morte, praticamente não existiam estudos históricos da época sobre a matemática em Portugal.

Vicente Gonçalves considerava que o respeito pelo passado pode desenvolver o brio no futuro e dedicou os últimos anos da sua vida ao estudo das contribuições dos matemáticos portugueses. A ele se deve, em grande parte, o reconhecimento da grandeza de José Anastácio da Cunha, em cuja sala o velho senhor das matemáticas portuguesas foi homenageado no centenário do seu nascimento, em 1996.






Vicente Gonçalves sobre a Ciência em Portugal

«Acabara a lição de Álgebra Superior […] fomos acompanhando o Mestre pela Rua Larga, a caminho de sua casa. Enchia-nos de orgulho ir ali junto com um homem capaz de ombrear com as mais altas figuras da Matemática contemporânea, e doía-nos a injustiça de não vermos seu nome na galeria dos grandes mestres europeus, nem menção dos seus trabalhos em livros da especialidade, — quando deles tanto lustre podia vir ao país. Neste redemoinho de juízos e sentimentos juvenis, destrava-se o alarme da insensatez e parte de súbito a fremente injunção — Mande esse trabalho para França, para que o ponham nos livros!

«Ainda hoje nos punge a desolação da resposta: “Que ideia! Isto é apenas o abc; nós em Matemática estamos cem anos atrás dos franceses”.
«Tenho referido por vezes esta dura lição, — sempre que a julgo oportuna ou salutar; mas nunca a entendi em desprimor dos universitários portugueses.»

Vicente Gonçalves, in Ciência, Abril de 1948, p. 9.
[Julga-se que o autor se referia ao professor Bruno de Cabedo.]





institutocamoes
 

Luz Divina

GF Ouro
Entrou
Dez 9, 2011
Mensagens
5,990
Gostos Recebidos
0
O aluno de Madame Curie






O aluno de Madame Curie


silva.jpg

Fotografia tirada nos jardins do Laboratório de Física em Coimbra,
em 1924, um ano antes de Mário Silva partir para Paris,
onde ambicio-nava prosseguir estudos e trabalhar com a Nobel Marie Curie.




Mário Augusto da Silva foi uma personalidade de estatura invulgar. Aluno brilhante, investigador que privou com Madame Curie e outros grandes cientistas deste século, catedrático aos 30 anos, grande pedagogo, haveria de ser afastado da Universidade de Coimbra pelo governo de Salazar e impedido de contribuir para o desenvolvimento da ciência portuguesa.

No fim da vida, assistiu ainda à queda do fascismo e voltou a prestar os seus serviços ao país. Alguns dos seus projectos, nomeadamente o Museu de Física da Universidade e o Museu Nacional da Ciência e da Técnica, continuam hoje a ser construídos.


Mário Augusto da Silva nasceu em Coimbra, em 7 de Janeiro de 1901, poucos dias passados sobre o início do século. Proveniente de uma família republicana que acarinhava a educação, licenciou-se na Universidade de Coimbra em 1922. Tanto no liceu como na universidade obteve a classificação final de 19 valores.

Ainda estudante, foi nomeado assistente da universidade. Pouco depois, em 1925, partiu para Paris, onde ambicionava prosseguir os seus estudos e trabalhar no Instituto do Rádio, criado e dirigido pela já lendária Madame Curie (1867-1934). Na altura, esse era um dos centros de investigação mais activos e prestigiados do mundo.

Marie Curie, nascida na Polónia com o apelido Sklodowska, tinha já recebido o Nobel da Física em 1903, juntamente com Henri Becquerel e Pierre Curie, seu marido. Tinha também recebido o Nobel da Química em 1911, sendo a primeira pessoa a contar duas vezes com essa distinção.



Ao ambicionar prosseguir os seus estudos com Marie Curie, Mário Silva lançava-se numa aventura que espíritos menos fortes teriam receado. Chegado a Paris, o jovem físico foi apoiado por Afonso Costa, na altura exilado na capital francesa, e apresentado a Paul Langevin e a Marie Curie.

Apesar de ter passado o prazo de matrícula para os estudos de pós-graduação, a famosa cientista acolheu-o, tornando-o seu assistente no laboratório. Em diversos escritos que nos deixou, Mário Silva fala com justificado entusiasmo dos tempos em que acompanhou a intensa e e
xtraordinária investigação desenvolvida por Madame Curie e pelos seus colaboradores.



msilva2.jpg

Visita oficial ao Museu da Ciência e da Técnica, 1973: Mário Silva junto
ao seu antigo aluno Veiga Simão, então Ministro da Educação



De início, o físico português sentiu as insuficiências da sua preparação científica e seguiu as lições de física e matemática então dadas na Sorbonne e no Collège de France. Estudou com os célebres matemáticos Édouard Goursat (1858-1936), Jacques Hadamard (1865-1963) e Émile Borel (1871-1956) e com os famosos físicos Paul Langevin (1872-1946) e Louis de Broglie (1892-1987).

Lamentava-se muito em especial do atraso do curso que tinha seguido em Coimbra, onde nem sequer a Teoria da Relatividade tinha sido referida. O seu esforço deu frutos, e Mário Silva viria a realizar vários trabalhos de investigação e a publicar os seus resultados. Em 1928 concluiu o doutoramento, tendo a honra de ter no júri, além da própria Madame Curie, o físico Jean Perrin (1870-1942), que havia sido galardoado com o Nobel da Física em 1926 pela sua confirmação experimental da hipótese atómica.


Terminado o seu doutoramento, Mário Silva foi convidado a continuar em Paris, tendo Marie Curie insistido em atrasar o seu regresso a Coimbra, de forma a poder integrar-se em vários projectos de investigação em curso. Passados muitos anos, o físico português retrataria assim o seu dilema: «De Coimbra começaram a exigir […] o meu imediato regresso. […] E para quê? - santo Deus!… Para dar aulas na velha universidade… Conformei-me e parti.»

Mário Silva sabia que estava a deixar um dos centros de investigação mais activos que a história até hoje conheceu para regressar a uma universidade envelhecida. Percebia que poderia dar um contributo muito maior à ciência portuguesa se continuasse o seu treino científico em Paris e viesse posteriormente a estabelecer no seu país uma colaboração internacional. Mas decidiu regressar. Não sabia ainda na altura que o fascismo se iria estabelecer por muito tempo em Portugal e liquidar dramaticamente a sua carreira de investigador e professor.

Em Coimbra, Mário Silva dedicou-se com entusiasmo a constituir um centro de investigação em radioactividade, o Instituto do Rádio da Universidade de Coimbra. O seu projecto iniciou-se e foi instalado algum equipamento mas, no dizer do próprio físico, «todos estes esforços se quebraram perante uma inexplicável e odienta teimosia, invejosamente desenvolvida na sombra». O instituto nunca foi oficializado, as suas portas fecharam e, no fim dos anos 30, um tremor de terra destruiu parte fundamental do equipamento existente. O projecto morreu.

Entretanto, a situação política nacional e internacional agravava-se. A guerra iniciou-se e passaram por Coimbra alguns físicos conhecidos de Mário Silva, que os tentou integrar na universidade. Apesar dos benefícios extraordinários que daí poderiam advir para a ciência portuguesa, esses cientistas de craveira internacional não foram acolhidos. Tiveram de partir para outros países, onde uma política mais aberta os admitiu em universidades e centros de investigação.

São hoje bem conhecidos os benefícios que as universidades dos Estados Unidos, que constituem o exemplo mais conhecido, ganharam com o acolhimento que prestaram a cientistas e académicos, em especial os que deixaram a Europa Central por altura da guerra. O que é extraordinário é que o nosso país, que se manteve neutro e por onde passaram tantos intelectuais de valor, não os tenha acolhido.



msilva3.jpg

Com Barros e Cunha (de costas) junto ao espólio do Laboratório de Física.
Após o doutoramento em Paris, Mário Silva foi requisitado
para leccionar na Universidade de Coimbra.




Nos anos em que leccionou em Coimbra, Mário Silva preocupou-se em actualizar o saber transmitido pela universidade. Como docente, preocupou-se com a elaboração de manuais universitários de qualidade e publicou as suas lições. Traduziu alguns livros e escreveu muitos ensaios sobre a ciência moderna.

A sua actividade pedagógica seria interrompida bruscamente em 1946, quando foi preso pela polícia política do antigo regime. Mário Silva esteve na prisão da PIDE no Porto, sem culpa formada, como represália pelo seu envolvimento no movimento democrático, ao lado do general Norton de Matos.

Em 1947, seria expulso da universidade, tal como Ruy Luís Gomes e tantos académicos e investigadores de valor, que o regime impediu de prestar o seu contributo à universidade portuguesa. Muito mais tarde, em 1961, referir-se-ia à sua situação dizendo-se «afastado do serviço docente há muitos anos, por motivos políticos que muito me honram». Depois desse afastamento, chegou a ser vendedor de vinho espumante, para sobreviver, até que foi contratado pela Philips Portuguesa como «conselheiro científico».


Mário Silva só seria reintegrado em 1976, quase dois anos depois da revolução de 25 de Abril. Viria a falecer em 13 de Julho de 1977, mas prestaria ainda serviços à ciência e à cultura portuguesas. Em 1971, o professor de Física seria nomeado para a comissão de planeamento do Museu Nacional da Ciência e da Técnica, que ele projectou.

Pouco tempo antes de morrer, o referido museu seria criado oficialmente e Mário Silva nomeado seu director. Enquanto esteve à frente deste projecto, lutou com falta de meios e incompreensões várias, mas lançou as sementes de um museu que hoje renasce em Coimbra, no antigo edifício do Colégio das Artes e no Palácio Sacadura Botte.


Ainda antes de ser demitido, Mário Silva tinha recuperado também o que restava da colecção de instrumentos de física pombalinos que estavam abandonados na sua universidade. Ao descobrir e divulgar esse valioso espólio, criou um museu que manteve e desenvolveu enquanto aí trabalhou.

Nos longos anos que se seguiram, esse museu esteve abandonado e só seria reaberto em 1997. O Museu de Física da Universidade de Coimbra é hoje uma das jóias da velha universidade. Se hoje regressasse a Coimbra, Mário Silva teria algumas razões para ficar contente. E outras, muito mais, para ter esperança no futuro.




instituto-camoes
 

Luz Divina

GF Ouro
Entrou
Dez 9, 2011
Mensagens
5,990
Gostos Recebidos
0
A Estrela de Cabral





A Estrela de Cabral



Poucos países terão uma bandeira tão bonita como a bandeira do Brasil. E poucos países terão uma bandeira tão carregada de simbolismo. As cores nacionais, que aparecem já na primeira bandeira de país independente, representam a natureza brasileira: o verde simboliza as grandes matas do interior do país; o amarelo, as suas riquezas minerais. A disposição é invulgar: sobre um campo verde flutua um losango amarelo, onde se inscreve uma esfera celeste atravessada por uma faixa branca.


atlas.jpg

O conhecido Atlas de Farnese mostra a esfera celeste nas costas de Atlas, o mítico gigante condenado por Zeus a carregar o peso do mundo. A escultura data do século segundo e apresenta o globo celeste mais antigo que se conhece, mas é certamente copiado de modelos anteriores. Reproduz a astronomia de Eudoxo e Hiparco, com as constelações clássicas. A imagem do céu está «invertida», pois corresponde à visão imaginária das estrelas vistas de fora da esfera celeste. A bandeira brasileira mostra também uma imagem da esfera celeste vista de fora, mostrando o céu austral tal como os gregos imaginavam que os deuses podiam ver o firmamento.





A esfera azul, que representa a esfera celeste, é uma herdeira do culto luso pela esfera manuelina, que simboliza as grandes viagens de exploração marítimas 1. Mas trata-se de um globo celeste diferente. O dístico da faixa branca sintetiza um mote racionalista e positivista de Auguste Comte: «o amor por princípio e a ordem por base; o progresso por fim». Era um mote famoso à época e um dito em que muitos republicanos se reviam. A faixa em que o dístico está inscrito tem sido interpretada como simbolizando o grande Rio Amazonas 2; no entanto, tal como a faixa equivalente da esfera manuelina, ela aparece em representação do zodíaco, a banda da esfera celeste por onde o Sol passa no seu movimento anual aparente.


igrejapositivista.jpg

Os artífices da bandeira da República do Brasil eram positivistas, seguidores de Auguste Comte. Em nenhum outro país teve esta corrente filosófica tanta influência política e cultural. As fotografias mostram o Templo Positivista do Rio de Janeiro, onde se anunciam aulas de catecismo positivista. Por ironias da história, uma corrente agnóstica transformou-se em algo aparentado a uma religião.


O simbolismo celeste é muito importante na bandeira brasileira. Os seus fundadores decidiram que a esfera representaria o céu sobre o Rio de Janeiro nos momentos da madrugada em que foi proclamada a república. A lei brasileira é precisa: «As constelações que figuram na Bandeira Nacional correspondem ao aspecto do céu da Cidade do Rio de Janeiro, às 8 horas e 30 minutos do dia 15 de novembro de 1889» (Lei N.º 5.443, de 28 de Maio de 1968). O número de estrelas da bandeira – 27 desde 12 de Maio de 1992 – corresponde aos actuais 26 estados do Brasil, acrescentados do Distrito Federal, que aloja Brasília.

Na esfera azul aparecem três constelações facilmente reconhecíveis – Cruzeiro do Sul, Triângulo Austral e Escorpião. É preciso, contudo, atentar que a sua representação na bandeira apresenta uma imagem inversa da sua aparência no firmamento. Seguindo a tradição dos globos celestes, a esfera é representada como que vista de fora, do infinito. Somos levados «para trás» das estrelas, vendo a imaginária esfera celeste tal como os antigos imaginavam que os deuses a podiam ver.



brasil.gif




As estrelas aparecem com cinco pontas, como é costume heráldico, e com cinco dimensões diferentes, procurando representar o brilho aparente das estrelas celestes, habitualmente chamado magnitude. Os antigos pensavam que todas as estrelas estavam fixas numa mesma esfera cristalina e à mesma distância da Terra. Julgavam que as diferenças de brilho derivavam apenas do seu tamanho, da sua grandeza. Classificavam como estrelas de primeira grandeza as mais brilhantes, que são as que se vêem logo após o ocaso.

As que se seguiam eram classificadas como de segunda grandeza, e assim sucessivamente, até às estrelas de sexta grandeza, no limiar da visibilidade. A bandeira do Brasil mostra estrelas de cinco diferentes grandezas, todas elas visíveis a olho nu de qualquer ponto do território. Em geral, procurou-se estabelecer uma correspondência entre as estrelas e os estados, e uma correspondência que respeitasse tanto a dimensão dos territórios como a sua situação geográfica. Mas nem sempre o paralelismo é perfeito, como é natural.

Algumas das estrelas têm uma história ilustre e a sua presença na bandeira do Brasil está carregada de simbolismo. A estrela Espiga, da constelação Virgem, é a única que aparece a norte da faixa branca. A presença dessa constelação, que ocupa parte significativa do hemisfério norte, marca território a norte do equador. Esta estrela, que, na realidade, está a sul do equador e a sul da linha central do zodíaco – a eclíptica – aparece deslocada para norte da faixa, o que distorce conscientemente a sua posição celeste, mas revela a presença boreal do grande país que é o Brasil.

Na realidade, poucos países têm dimensão geográfica semelhante e, entre os que podem rivalizar com o Brasil em extensão, nenhum outro tem território que se dilata por dois hemisférios
3. A estrela pertence à constelação da deusa Deméter (Ceres para os romanos), deusa da agricultura habitualmente representada com uma espiga de cereal, pontuada pela estrela do mesmo nome. A agricultura era, para os republicanos, uma ferramenta essencial de desenvolvimento.

Mas os fundadores da bandeira insistiram, sobretudo, no significado desta estrela na história da ciência. Com efeito, a observação do posicionamento da Espiga está ligada à descoberta da precessão dos equinócios por Hiparco (c. 180-125 a.C.), que é uma das descobertas fundamentais da astronomia. Sabe-se hoje que a precessão consiste numa oscilação muito lenta do eixo de rotação da Terra, que altera a posição dos pólos celestes e a intercessão do equador com a eclíptica. É graças à precessão que o pólo norte celeste se tem vindo a aproximar da Estrela Polar. É também graças à precessão que as estrelas do Cruzeiro do Sul, visíveis em Alexandria no tempo de Ptolemeu (c. 90-168 d.C.), já não são agora visíveis a essa latitude.

Mais abaixo, aparece a estrela Canopo, da antiga constelação Argos ou Navio, modernamente classificada na constelação Quilha (Carina). Recorda a lenda dos argonautas, que empreenderam a viagem à Cólquida para se apoderarem do velo de ouro, a pele dourada do carneiro possuidor da Razão. Segundo os criadores da bandeira, esta estrela representa as viagens dos navegadores portugueses, que chegaram à América do Sul à procura de um moderno velo dourado.

A estrela mais perto do pólo sul, a Sigma de Octante, sendo a estrela em torno da qual todas as outras rodam, representa o Distrito Federal, centro político da grande república brasileira. As estrelas centrais correspondem ao mítico asterismo Cruzeiro do Sul
4, que aparece em lugar de destaque e que, no momento histórico de proclamação da república, passava sobre o meridiano do Rio de Janeiro.

Segundo alguns doutrinários da bandeira republicana, as estrelas do Cruzeiro do Sul são a contrapartida agnóstica e moderna da Cruz de Cristo, transportada nos navios de Pedro Álvares Cabral e dos descobridores portugueses 5. Para todos, o Cruzeiro do Sul é um elemento de ligação entre portugueses e brasileiros, unidos pelas viagens aventurosas dos séculos XV e XVI.

A história da descoberta e apropriação desta cruz celeste é uma história mítica da astronomia e das ciências da navegação. Quando os portugueses começaram a descer a costa de África e, sobretudo, quando ultrapassaram a simples navegação costeira e começaram a seguir as grandes correntes e ventos atlânticos, passaram a utilizar sistematicamente marcos celestes para conhecerem a latitude do lugar em que se encontravam. A princípio, podia-se seguir a estrela polar e medir a sua altura – essa altura angular corresponde à latitude norte do lugar. À medida que os navegadores se iam aproximando do equador, a estrela polar começava a mergulhar no horizonte, tornando-se difícil, e depois impossível, medir a sua altura.



cartademestre.jpg

O desenho do céu incluído na carta de Mestre João, à esquerda, é a representação europeia do céu austral mais antiga que se conhece. Aí aparece destacado o Cruzeiro do Sul, em cima, e a área do pólo, no canto inferior direito. O desenho da direita mostra um mapa moderno dos céus, indicando-se a vermelho estrelas que poderão corresponder às desenhadas por Mestre João. O pólo aparece marcado com uma cruz.



Segundo a mitologia greco-romana, a Ursa Menor, em cuja cauda a polar se situa, e a Ursa Maior, que ajuda a localizá-la, tinham sido desterradas para o Árctico pela deusa Juno, ciumenta das relações de Júpiter com a ninfa Calisto. A deusa condenara a ninfa a assumir a forma de ursa e Zeus fizera-a acompanhar de seu filho Arcas. Vivendo no Árctico, as duas constelações eram circumpolares para o mundo grego clássico e também para a latitude de Portugal, isto é, eram visíveis durante toda a noite e em qualquer altura do ano 6. Assim se cumpria o castigo imposto por Juno, que não permitia que Calisto e Arcas tivessem descanso.

Ao se aproximarem do equador, os marinheiros chegaram a céus desconhecidos dos astrónomos antigos e quebraram a antiga maldição. Como o diz o nosso poeta,

Vimos as Ursas, a pesar de Juno,
Banharem-se nas águas de Neptuno.
(Lusíadas, V, 15)

Quando a Polar mergulhou no oceano, perdeu-se um marco celeste crucial para a navegação. Os marinheiros portugueses passaram a poder utilizar somente a medida da altura do Sol, medida mais fácil de efectuar mas de aplicação mais complexa, pois exigia o recurso a tabelas de declinação da nossa estrela.

A altura do Sol de meio-dia depende não só da latitude como também do dia do ano. As tabelas permitiam compensar esses factores e assim calcular a latitude em que os viajantes se encontravam. Mas continuava a convir aos exploradores ter uma medida nocturna da latitude e um ponteiro cardeal, pelo que procuraram uma estrela que desempenhasse em latitudes austrais o papel que a polar desempenhava no hemisfério norte.

A procura da «polar do sul», ou seja, de uma estrela brilhante que se encontrasse no pólo sul celeste ou muito perto deste, é uma demanda que ocupa os cosmógrafos e os pilotos dos séculos XV e XVI. Portugueses, espanhóis e, mais tarde, ingleses e holandeses, todos eles revelam essa preocupação central. Veio a verificar-se que não existe tal estrela no pólo sul 7, ao contrário do que era imaginado por muitos cosmógrafos, que concebiam o hemisfério celeste boreal à semelhança do hemisfério austral conhecido 8.

Os marinheiros, que começaram a aproximar-se do equador e a ultrapassá-lo para sul, pesquisaram cuidadosamente o céu, procurando ver quais seriam as estrelas que menos rodariam ao longo da noite. As que descrevessem arcos menos extensos, com raio menor, seriam as que se aproximariam do pólo.

A desejada estrela seria a que nenhum movimento manifestasse, vendo-se todo o firmamento rodar em seu torno. Como se sabe, não foi encontrada a almejada guia dos viajantes, pela razão simples de que não existe, mas os pilotos dos navios portugueses descobriram que a haste maior do Cruzeiro do Sul aponta para o pólo. Foi esse asterismo que passou a servir de guia aos que enfrentavam os mares a sul do equador.

Na literatura sobre a história das constelações, encontram-se ainda hoje muitas referências erróneas à procura da mítica polar do sul e raramente a verdade histórica é respeitada, mesmo entre aqueles que honestamente a procuram. A referência mais citada deve ser, ainda hoje, Star Names: Their Lore and Meaning, de Richard Hinckley Allen
9.

Aí se refere que algumas das estrelas do Cruzeiro do Sul foram observadas de Alexandria por Ptolemeu e foram por este incluídas na constelação Centauro que, segundo a moderna definição de constelações, bordeja a Cruzeiro do Sul. A referência de Allen é correcta, embora seja discutível quais as estrelas realmente detectadas pelo astrónomo alexandrino
10. Allen refere também que Dante teria conhecimento destas estrelas pois no Purgatório o poeta escreve:

Io mi volsi a man destra e posi mente
Al otro polo e vidi quatro stelle
No viste mai fuor che alla prima gente
11,
(Purgatório, I, 22–24)

Trata-se de uma ideia defendida por Alexander von Humbolt que, no seu Examen Criticum, insiste tratar-se de uma referência às estrelas do Cruzeiro. Esta ideia está hoje abandonada, pois Dante não poderia conhecer estas estrelas, admitindo-se que o poeta se estava referindo a astros fictícios, que representariam as quatro virtudes cardeais
12.

Outra teoria comum de que Richard H. Allen faz eco é a de que Américo Vespúcio teria sido o primeiro europeu a detectar as estrelas do Cruzeiro e que lhe teria chamado mandorla
13. Na realidade, como o mostrou Luciano Pereira da Silva 14, as estrelas a que Vespúcio se refere não podiam ser as do Cruzeiro, pois estas encontram-se a cerca de 30 graus do pólo, enquanto Vespúcio sustenta que as da chamada mandorla estavam a pouco mais de 10 graus do pólo.




brasil1.jpg




Noutra obra conhecida 15, Lloyd Motz e Carol Nathanson, referem que António Pigafetta, o companheiro de Magalhães, teria sido o primeiro a utilizar o termo «cruz», em 1520, para se referir às estrelas do Cruzeiro, enquanto Julius Staal, autor de uma das mais citadas obras sobre a mitologia dos céus, diz que o reconhecimento destas estrelas como constelação separada data de 1592 e que teria sido o astrónomo francês Augustin Royer o primeiro a definir, em 1679, os seus contornos 16.

A verdade histórica, tal como pode ser definida com os documentos existentes, está sistematicamente reposta pelo menos desde 1913 por Luciano Pereira da Silva 17 e foi repetidamente reforçada pelos estudos mais recentes de Luís de Albuquerque e outros 18. Tardiamente, a literatura científica internacional 19 reconhece estes estudos, mas continua a surpreender que a verdade seja tão pouco conhecida 20.

A primeira referência escrita à Cruzeiro do Sul e sobre a qual há conhecimento seguro é um dos primeiros documentos escritos no que viria a ser o solo brasileiro, quem sabe se a primeira missiva originada no solo do futuro país. Trata-se da carta de Mestre João, o físico e cirurgião real que acompanhou Pedro Álvares Cabral na sua viagem histórica e que, entre 28 de Abril e 1 de Maio de 1500, escreveu ao rei D. Manuel, explicando as suas pesquisas astronómicas: «e aun esto dudoso que nõ se qual de aquellas dos mas baxas sea el polo antartyco, e estas estrellas principalmente las de la crus son grrandes, casy como las del carro [Ursa]» 21.

Aqui temos, pois, a constelação Cruzeiro do Sul designada por cruz, 20 anos antes de Pigafetta utilizar essa designação e meses antes de Vespúcio andar, ainda confuso, a procurar as estrelas da mandorla por perto do pólo. Na sua carta, Mestre João desenha ainda as estrelas mais brilhantes dessa área do céu, e com uma precisão muito razoável, como o pode atestar quem quer que alguma vez tenha tentado desenhar, à mão livre, as posições relativas das estrelas 22.

Pouco mais tarde, em 1514, quando ainda Pigafetta não se tinha referido à constelação, já o Piloto João de Lisboa tinha escrito um completo Regimento do Cruzeiro do Sul, em que explicava como se podia utilizar tal constelação para determinar o pólo austral verdadeiro e para corrigir as leituras da bússola. Nesse mesmo documento, João de Lisboa fornece um mapa celeste em que desenha o Cruzeiro do Sul com notável precisão.

E o piloto de D. Manuel revela que está apenas a descrever estudos efectuados oito anos antes em Cochim, de parceria com Pêro Anes. Quer dizer, segundo a descrição de João de Lisboa já em 1506 os pilotos portugueses destacavam um agrupamento de estrelas a que chamavam Cruzeiro do Sul e já tinham conhecimento do seu valor para a navegação
23.

A descoberta do Cruzeiro do Sul e a exploração dos céus austrais está associada à histórica viagem de Pedro Álvares Cabral e foi escrita com estrelas heráldicas na bandeira moderna do moderno Brasil.



NOTAS

1- Sobre o simbolismo e história da bandeira brasileira pode consultar-se Raimundo Olavo Coimbra, A Bandeira do Brasil: Raízes Históricas e Culturais, Rio de Janeiro, Fundação IBGE, 1972, Sebastião Ferrarini, Armas, Brasões e Símbolos Nacionais, Curitiba, Edições Curitiba, 1983, ou Milton Fortuna Luz, Os Símbolos Nacionais, Brasília, Secretariado de Imprensa e Divulgação da Presidência da República, 1986.
2 - Cf. Coimbra, op. cit. secção 3.3.4.
3 - Teixeira Mendes, intérprete doutrinário da bandeira, afirma, contudo, que a extensão territorial no hemisfério norte é representada pela inclusão da estrela Prócion de Cão Menor, situada a norte do equador mas a sul da eclíptica, e que o deslocamento da Espiga para norte da faixa se deve a razões estéticas (V. Coimbra, op. cit., secção 3.3.8.13). Teixeira Mendes, no entanto, esqueceu-se de que tanto os estados do Pará (representado pela estrela Espiga), como o de Amazonas (representado pela estrela Prócion) têm território no hemisfério norte (idem, 3.3.8.16).
4 - Cinco outros países incluem esta constelação nas suas bandeiras: Nova Zelândia, desde 1869, Austrália, desde 1901, Samoa, desde 1949, e Papuásia-Nova Guiné, desde 1971.
5 - Para Teixeira Mendes, a fé católica era uma «crença medieval», característica da «poética imaginação dos nossos avós». Para José Feliciano, a bandeira substitui a Cruz de Cristo por «uma cruz celeste, sem dúvida mais elevada, mais excelsa e maravilhosa» Cf. Coimbra, op. cit. secção 3.3.9.
6 - E continuam a sê-lo, embora parte da área modernamente atribuída à Ursa Maior mergulhe no horizonte.
7 - A estrela visível a olho nu que está mais perto do pólo sul celeste é a sigma de Octante, uma estrela de quinta magnitude (5,45) apenas visível em boas condições atmosféricas e, portanto, pouco útil para a navegação.
8 - Alvise da Cadamosto (c. 1432–1483), navegador veneziano ao serviço do Infante D. Henrique, escreveu, na sua descrição da sua viagem ao rio Gâmbia em 1454: «como continuo a ver a estrela polar do norte, não posso ainda ver a estrela polar do sul ela própria, mas a constelação que procuro é o Carro [Ursa Maior] do Sul» (traduzido de A. Pannekoek, A History of Astronomy, Nova Iorque, Dover, 1989, p. 185).
9 - Publicada em 1899 por G. E. Stechert com o título Star-Names and Their Meaning e reimpressa pela Dover, Nova Iorque, em 1963.
10 - Ver Luciano Pereira da Silva, A Astronomia de Os Lusíadas, Lisboa, Junta de Investigações do Ultramar, 1972, pp. 189–213 e passim. Trata-se de uma reedição da obra original, incluída na Revista da Universidade de Coimbra, volumes II a IV, 1913 a 1915.
11 - «Voltei-me à mão direita e pus a mente/ no outro pólo, e aí vi quatro estrelas,/ vistas apenas da primeira gente», tradução de Vasco Graça Moura, A Divina Comédia de Dante Alighieri, Venda Nova, Bertrand Editora, 1995, onde aparece ainda a nota de pé de página: «As quatro estrelas correspondem às quatro virtudes cardeais (Prudência, Justiça, Força e Temperança).»
12 - V. Pannekoek, op. cit. p. 186 e F. Anglelitti, «Sugli accenni danteschi, alle constellazioni ed al moto del cielo stellato da occidente in oriente, di un grado in cento anni», Rivista di Astronomia, Turim, VI, VII, 1912 e 1913.
13 - Literalmente, «amêndoa». Termo utilizado em italiano para descrever a auréola dos santos em ascensão aos céus.
14 - Op. cit., pp. 207-209.
15 - The Constellations, Nova Iorque, Doubleday, 1988, p. 363.
16 - Julius D. W. Staal, The New Patterns in the Sky, Blacksburg, Virginia, McDonald and Woodward, 1988, p. 247.
17 - Op. cit.
18 - Ver, por exemplo, Luís de Albuquerque, Navegação Astronómica (Astronomia Náutica), Lisboa, Comissão Nacional para a Comemoração dos Descobrimentos Portugueses, 1988, pp. 119-131. Ver também Abraão de Morais, «A astronomia no Brasil», in Mário Guimarães Ferri e Shozo Motoyama (editores), História das Ciências no Brasil, São Paulo, E.P.U., EDUSP, 1979, pp. 81-161.
19 - Ver Elly Dekker, «The light and the dark: A reassessment of the discovery of the Coalsack Nebula, the Magellanic Clouds and the Southern Cross», Annals of Science 47, 1990, pp. 529-560.
20 - Referindo-se ao desconhecimento das descobertas celestes portuguesas, Dekker, op. cit., refere «this knowledge never became widely known outside Portugal» e explica-o pelo «navigational problem that dominated the intellectual climate in Portugal», para cuja solução bastou «a limited knowledge of the southern sky, namely the declination of the Southern Cross». No que se refere à história da astronomia dos descobrimentos, é sintomático que a grande parte dos valiosíssimos estudos portugueses deste século nunca tenha visto a luz numa língua científica internacional.
21 - Cf. Albuquerque, op. cit., p. 120, itálico nosso.
22 - O mapa de Mestre João foi estudado por vários historiadores, nomeadamente Luís de Albuquerque, em Livro da Marinharia de André Pires, s/d, pp. 96–97, e Elly Dekker, op. cit. A interpretação que se apresenta é um compromisso entre as destes autores.
23 - Ver Silva, op. cit., pp. 200–202.






instituto-camoes
 

Luz Divina

GF Ouro
Entrou
Dez 9, 2011
Mensagens
5,990
Gostos Recebidos
0
Serendipidade!






Serendipidade!



A palavra começa a entrar no nosso vocabulário. Designa acasos felizes, que levam a descobertas inesperadas. A ciência está cheia de serendipidades. Mas haverá mesmo descobertas casuais?




estacio.jpg

Comandante Estácio dos Reis




Há tempos, o Comandante Estácio dos Reis passeava-se por Nova Iorque e fazia horas, deambulando pelo Central Park. Lembrou-se de visitar o planetário Hayden, agora enquadrado numa magnífica obra de arquitectura moderna, com uma gigantesca esfera encaixada num cubo envidraçado. Estava aí uma exposição de instrumentos científicos do passado, entre os quais a reprodução de um quadrante com o nónio de Pedro Nunes. A legenda estava errada, pois chamava-lhe «compasso proporcional de Galileu», mas revelava tratar-se de uma cópia contemporânea de um instrumento situado no Museu de História da Ciência de Florença.

Especialista na história da instrumentação científica, Estácio dos Reis percebeu encontrar-se perante algo de insólito. A reprodução parecia-se com um desenho apresentado por Tycho Brahe na «Astronomiae Instauratae Mechanica», publicada em 1598 e onde o astrónomo reproduzia um quadrante construído para as suas medições astronómicas, aplicando o princípio do nónio de Pedro Nunes.

Mas Estácio dos Reis nunca tinha visto um nónio autêntico, um instrumento que tivesse realmente sido utilizado à época, com o objectivo de tornar mais precisas as medições angulares. E não o tinha visto pela simples razão de que nenhum especialista conhecia algum nónio autêntico. Julgava-se mesmo que os instrumentos graduados segundo o método de Pedro Nunes se tinham todos perdido. A referência dos historiadores era precisamente a gravura do livro de Tycho Brahe.




nonio20.jpg


Quadrante fabricado por James Kynuyn, em 1595, conforme indicado no catálogo do Instituto
e Museu de História da Ciência de Florença.
É possivelmente o único instrumento que existe dispondo do nónio de Pedro Nunes.




A reprodução exibida em Nova Iorque levou Estácio dos Reis a contactar o Museu de Florença. Ora, o museu não possuía exactamente o quadrante de Nova Iorque, mas sim um outro, recentemente recuperado e exposto, dispondo do nónio de Pedro Nunes, apesar de não figurar no catálogo como tal.

Tratava-se de um instrumento fabricado, cerca de 1595, por um hábil artífice de nome James Kynyun. O proprietário, Robert Dudley, um nobre inglês que teve de deixar o seu país para se livrar de complicadas aventuras amorosas, e que também se interessava por ciência, levou o quadrante para Florença nos primeiros anos do século XVII. Foi Estácio dos Reis que revelou aos conservadores do museu de Florença tratar-se do único instrumento do passado dispondo do famoso nónio de Pedro Nunes.

Foi uma sequência de acasos felizes. Um passeio descontraído pelo Central Park, uma decisão casual de visitar o planetário, o acaso de aí se encontrar de passagem uma exposição de instrumentos científicos, um erro na legenda, seguido da referência ao museu onde se encontrava o original - esta sucessão de casualidades levou o especialista português a descobrir o único exemplar de nónio hoje conhecido. «De todos os acasos felizes que até hoje me aconteceram», conclui o comandante, «este foi o de maior serendipidade!»


Estácio dos Reis está a utilizar uma palavra nova, que ainda não entrou nos nossos dicionários. Mas trata-se de uma palavra há muito existente na língua inglesa. Amorim da Costa, na sua obra «Introdução à História e à Filosofia das Ciências», de 1984, utilizava já esse termo em português, mas ele não é ainda muito conhecido entre nós. Ao contrário de muitas palavras cuja origem se perde na bruma dos tempos, a origem de «serendipidade» pode ser datada com precisão.

Foi exactamente em 28 de Janeiro de 1754 que Sir Horace Walpole, um escritor inglês hoje conhecido sobretudo pela sua correspondência, propôs pela primeira vez essa palavra. Numa carta então escrita ao seu amigo Horace Mann, descreve a sorte que teve em encontrar uma pintura antiga: «Esta descoberta é quase daquele tipo a que chamarei serendipidade, uma palavra muito expressiva, a qual, como não tenho nada de melhor para lhe dizer, vou passar a explicar: uma vez li um romance bastante apalermado, chamado 'Os Três Príncipes de Serendip': enquanto suas altezas viajavam, estavam sempre a fazer descobertas, por acidente e sagacidade, de coisas que não estavam a procurar... »


Foi assim que, de uma ficção imaginada em Serendip, antigo nome de Ceilão, actual Sri Lanka, nasceu esta moderna palavra. Durante algum tempo, o vocábulo viveu na semiobscuridade. Recentemente, o seu uso passou a generalizar-se. Em língua inglesa há várias obras publicadas sobre a serendipidade científica, nomeadamente «The Stars and Serendipity», de Robert S. Richardson (Nova Iorque, Pantheon, 1971), e «Serendipity: Accidental Discoveries in Science», de Royston M. Roberts (Nova Iorque, Wiley, 1989).

O termo tem-se generalizado e entrou de tal forma no vocabulário que há restaurantes e lojas com esse nome - espera-se que os clientes aí façam descobertas felizes. Para Umberto Eco, no entanto, o vocábulo é tema de «excursões em erudição», como confessa numa colecção de ensaios que publicou nos Estados Unidos com o título «Serendipities: Language and Lunacy» (Nova Iorque, Harvest, 1998).

Há serendipidades científicas famosas, tais como o banho de Arquimedes, a maçã de Newton e o bolor nos cadinhos de Fleming. Assim como há serendipidades históricas conhecidas de todos, tais como a viagem de Cristóvão Colombo, que encontrou um novo continente enquanto procurava a Índia.


Ao que se conta, Arquimedes tinha sido encarregue pelo Rei de Siracusa de investigar a composição de uma coroa ou tiara de ouro que este tinha mandado construir, a fim de verificar se a coroa era de ouro puro ou se tinha misturado algum outro metal que a tornasse menos pesada. Pesar a coroa era simples, o problema era medir o seu volume, de forma a conseguir verificar se o peso correspondia ao de uma coroa de ouro puro. Arquimedes, que tinha desenvolvido formas de calcular o volume de alguns sólidos, não sabia como medir o volume de um sólido tão irregular.

Quando entrava no banho, reparou que a água da banheira transbordou e percebeu que o volume de líquido deslocado correspondia ao volume do seu próprio corpo imerso na água. A partir daí, era fácil medir o volume da coroa: bastava imergi-la em água e medir o volume de líquido deslocado. Ao que se diz, a descoberta tê-lo-á surpreendido tanto que saltou da banheira e correu pelas ruas da cidade gritando «Eureka! Eureka!» - «Descobri! Descobri!»


Conta-se também que Newton foi levado a descobrir a Lei da Gravitação Universal por uma queda fortuita de uma maçã, que se teria registado mesmo à sua frente, numa tarde em que tomava chá no jardim. Pensando no motivo que levaria a maçã e ser atraída para a Terra, o físico inglês pensou que essa força de atracção poderia ser a mesma que mantinha os planetas em órbitas estáveis.


Já no nosso século, Alexander Fleming foi levado a descobrir a penicilina ao verificar que algumas culturas de bactérias que estudava morriam quando um certo tipo de bolor se desenvolvia nessas culturas. Estudando os constituintes desse bolor, veio a isolar o primeiro antibiótico. Foi assim que o médico escocês fez uma das descobertas mais importantes dos tempos modernos. Talvez mesmo a descoberta que mais influenciou a vida moderna.


Em todos estes casos, tais como em centenas ou milhares de outros, houve cientistas que foram levados a descobertas fundamentais por acontecimentos fortuitos que souberam aproveitar habilmente. Como dizia Walpole, foram descobertas provocadas «por acidente e sagacidade». O acaso terá desempenhado um papel fundamental em todos estes acontecimentos felizes, mas é evidente que foi preciso o génio e a perspicácia dos investigadores para que esses acasos se tivessem transformado em descobertas.

Pasteur, ele próprio bafejado várias vezes pela serendipidade, disse-o melhor do que ninguém: «No campo da observação, o acaso favorece apenas as mentes preparadas.» Mais recentemente, o físico norte-americano Joseph Henry voltou a expressar a mesma ideia dizendo: «As sementes da descoberta flutuam constantemente à nossa volta, mas apenas lançam raízes nas mentes bem preparadas para as receber.»

A descoberta do único nónio sobrevivente foi provocada por acasos felizes, mas foi preciso a sagacidade e persistência de um especialista experimentado como o é Estácio dos Reis para transformar esses acasos numa descoberta.




instituto-camoes
 

newpine

GF Ouro
Entrou
Set 23, 2006
Mensagens
1,963
Gostos Recebidos
3
Serendipidade ! Versus descoberta !

Fácil de decorar ?

Para quê complicar ?

Mas há quem colecione um montão de adjetivos para se impor num determinado assunto.

Por vezes sereia não nos vem à memória , quanto mais serendipidade !

Admiro o tal Estácio dos Reis e o trabalho que efetuou para chegar ao tal nónio , mas o adjetivo , me desculpem , não vem a calhar .

Cumps.
 

Luz Divina

GF Ouro
Entrou
Dez 9, 2011
Mensagens
5,990
Gostos Recebidos
0
Serendipidade ! Versus descoberta !

Fácil de decorar ?

Para quê complicar ?

Mas há quem colecione um montão de adjetivos para se impor num determinado assunto.

Por vezes sereia não nos vem à memória , quanto mais serendipidade !

Admiro o tal Estácio dos Reis e o trabalho que efetuou para chegar ao tal nónio , mas o adjetivo , me desculpem , não vem a calhar .

Cumps.


Ai amigo, tens toda a razão

Complicada esta lingua portuguesa...

Bjs
 

Luz Divina

GF Ouro
Entrou
Dez 9, 2011
Mensagens
5,990
Gostos Recebidos
0
As Ursas que Zeus pôs nos Céus






As Ursas que Zeus pôs nos Céus



Não há constelação mais conhecida e de mais fácil localização que a Ursa Maior. E também não há constelação mais útil à orientação nos céus da Primavera.



ursas.jpg




A Ursa Maior é uma constelação bem conhecida. Mesmo os que têm dificuldade em se orientar nos céus reconhecem facilmente as sete estrelas brilhantes, que tão claramente desenham um quadrado e uma cauda. Essa figura é um asterismo — isto é, um agrupamento característico que não constitui uma constelação. A constelação é muito maior, estende-se por uma grande área do céu e inclui cerca de duzentas outras estrelas visíveis a olho nu, para além dos incontáveis corpos celestes localizados nessa região.

A figura geométrica é tão característica que praticamente todas as civilizações e culturas lhe deram um destaque especial.

Os chineses viam no asterismo das sete estrelas uma concha que oferecia comida nos tempos de fome. Chamavam-lhe «Pei to», o que significa concha medidora do norte. Os hebreus também imaginavam uma gigantesca concha que media as quantidades de cereal. Os povos germânicos viam uma carroça puxada por três cavalos, enquanto os britânicos imaginavam a biga do Rei Artur.

Os egípcios, por seu turno associavam as sete estrelas à imortalidade. Visíveis durante todo o ano, essas estrelas representavam a vida eterna. Os sacerdotes utilizavam um cinzel mágico, retorcido, que reproduzia a forma do asterismo. Passando esse cinzel pela boca das múmias asseguravam o reviver das almas.

Os gregos, como sempre, têm uma das lendas mais saborosas e aquela que mais marcou a divisão do céu em constelações. Zeus, o maior dos deuses e o maior dos pinga-amores, apaixonou-se por Calisto, a bela ninfa dos bosques, companheira de Ártemis, que tinha feito voto de castidade. «Vendo-a adormecida à sombra das árvores — escreve Maria Lamas em O Mundo dos Deuses e dos Heróis — Zeus ficou fascinado pela sua maravilhosa beleza e, para se aproximar dela tomou as feições da própria Ártemis[…] Calisto acolheu Zeus sem desconfiança; quando reconheceu o seu erro era tarde demais e concebeu dele um filho, que se chamou Arcas.» Hera, a ciumenta esposa de Zeus, ficou furiosa e castigou Calisto, transformando-a numa ursa.

Calisto, irreconhecível, passou a deambular pelos bosques aterrorizando os mortais. Um dia, a ursa e Arcas encontraram-se. Calisto abriu os braços para acolher o filho mas este, julgando-se atacado pela gigantesca ursa, preparou-se para a matar. O dramático matricídio foi à última hora evitado por Zeus, que transformou Arcas num pequeno urso e arrastou mãe e filho para os céus. Hera, contudo, teve a última palavra.

Empurrou os dois para perto do pólo norte aonde as estrelas são sempre visíveis — mãe e filho nunca terão descanso. Arcturo, a brilhante estrela do Boieiro ficou de guarda às ursas para que não se afastassem do gélido pólo. O vocábulo «Árctico», que significa «norte», e Arcturo têm a mesma origem grega.

Curiosamente, culturas tão distantes da grega como as ameríndias também relacionavam as sete estrelas com a figura do urso do norte gelado.



ursamaior.jpg

A Ursa Maior no Atlas Celeste de Johannes Hevelius (1611-87)



Os índios Cherokee viam as estrelas como um grupo de caçadores que perseguia um urso desde os princípios da primavera, quando estas estrelas estão altas no céu, até ao outono, quando elas aparecem junto ao horizonte. Os Iroqueses do Sul do Canadá tinham uma lenda mais elaborada. A caça começava todas as primaveras quando o urso abandonava a sua toca, na Coroa Boreal. Só terminava no outono e o esqueleto do animal ficava então de costas, no céu, até à próxima primavera, quando a caça recomeçava.

No tempo das Descobertas, os cosmógrafos e marinheiros chamavam «Carro» à Ursa Maior e «Buzina» à Ursa Menor. Este último asterismo não era constituído por sete estrelas, como modernamente, mas sim por oito, pois se lhe acrescentava uma outra estrela de quarta grandeza, que se vê prolongando as duas Guardas no sentido da Guarda dianteira. Camões refere-se explicitamente à lenda de Calisto e Arcas n’Os Lusíadas (V, 15).

Todas estas lendas reconhecem um facto importante sobre a posição da Ursa Maior e da Ursa Menor — é que essas constelações, estando perto do pólo, são sempre visíveis nas noites de quase todo o hemisfério norte. São por isso chamadas constelações circumpolares. O asterismo das sete estrelas da Ursa Maior, sendo claramente reconhecível, é de uma grande ajuda para nos orientarmos no céu.

Prolongando cinco vezes as guardas da Ursa Maior — aprendemos na instrução primária — encontra-se a estrela polar, a estrela da cauda da Ursa Menor. Continuando outro tanto na mesma direcção encontra-se a Cassiopeia, outra constelação circumpolar. Prolongando em arco a cauda da Ursa Maior encontra-se Arcturo, a estrela mais brilhante da constelação do Boieiro. Continuando o mesmo arco encontra-se a Espiga, a estrela alfa da Virgem.

A Ursa Maior tem alguns objectos notáveis. Em boas condições de observação nota-se que a estrela do meio da cauda não é uma estrela mas sim duas. Os gregos e os árabes usavam essas duas estrelas como teste de visão. Quem não tenha visão de águia pode utilizar binóculos. A «estrela» da cauda imediatamente se divide em duas: as célebres Mizar e Alcor.


Estas duas estrelas não estão fisicamente associadas. A sua proximidade é aparente para observadores sobre a Terra, são chamadas binárias visuais. Mas um telescópio permite mostrar que Mizar, ela própria é um sistema binário, composto por duas estrelas brancas gémeas que se orbitam mutuamente.

Um outro objecto interessante da Ursa Maior é a galáxia M 81, que é facilmente visível em binóculos e que revela uma estrutura espiral com braços bem marcados. É um dos grandes espectáculos do céu em binóculos ou com telescópios modestos.



instituto-camoes
 

Luz Divina

GF Ouro
Entrou
Dez 9, 2011
Mensagens
5,990
Gostos Recebidos
0
Alguns sítios de interesse científico na cidade de Lisboa






Alguns sítios de interesse científico na cidade de Lisboa




As esferas armilares, as rosas-dos-ventos, o Observatório da Ajuda e o relógio do Cais do Sodré são alguns locais de Lisboa que revelam uma história científica por vezes esquecida.


Quem passa todos os dias por Lisboa está condenado a conhecê-la tão bem que alguns edifícios e monumentos lhe parecem naturais, como se sempre ali tivessem estado. Talvez por isso, há alguns pormenores curiosos da cidade que passam despercebidos ao seu habitante. Tomemos a esfera armilar como exemplo. Todos nós a conhecemos, não só da bandeira e das notas de quinhentos escudos, como das reproduções em pedra nos Jerónimos e noutros edifícios manuelinos, como ainda dos modelos que se encontram um pouco por todo o lado.



esfera.jpg




Em Belém, ladeando o Padrão dos Descobrimentos, encontram-se duas estruturas metálicas que constituem belos exemplares da esfera manuelina. O que é que representa essa esfera? O que significam os arcos horizontais e a banda inclinada atravessada?

A esfera armilar é um modelo matemático do universo - assim se dizia na altura, hoje talvez se falasse de um modelo geométrico -, baseado na concepção ptolemaica do cosmos. Foi esse modelo que permitiu aos navegadores percorrerem o globo e orientarem-se pelos astros na travessia dos oceanos.

A visão do universo de Aristóteles e Ptolomeu era, como se sabe, uma visão geocêntrica: a Terra era colocada imóvel no centro do mundo, com os astros a rodarem em seu torno. Sabe-se hoje que essa visão não corresponde à realidade. No entanto, para a explicação do movimento aparente dos astros e para a navegação por alturas, que era baseada na observação do céu, é praticamente indiferente considerar a Terra no centro do mundo ou considerá-la a rodar em torno do Sol.

Encerradas as grandes polémicas de Copérnico, Bruno, Kepler e Galileu, passada toda a emoção desses confrontos, ainda hoje falamos do movimento do Sol, da ascensão de Vénus ou da passagem das constelações. Sabemos que estamos a falar em movimentos aparentes, mas é uma linguagem cómoda e intuitiva. No tempo das grandes viagens de descoberta, tratava-se de mais do que uma linguagem cómoda. Era a crença na realidade do universo e uma crença que, como modelo geométrico e matemático, servia perfeitamente os propósitos da navegação.

A esfera armilar representa o cosmos. O grande globo exterior mostra a esfera celeste; a pequena bola no centro, a Terra. A esfera é mostrada através de anéis ou armilas, vocábulo que designa anéis, braceletes ou argolas e de onde deriva o nome «armilar». Esses anéis indicam os principais círculos: os polares, os trópicos, os meridianos e o equador. Trata-se da projecção na esfera celeste dos círculos equivalentes marcados sobre o globo terrestre.

A esses círculos acrescenta-se uma banda diagonal, que deveria estar inclinada 23,5º em relação ao equador, mas que muitas vezes se apresenta com outras inclinações, por motivos puramente estéticos. Trata-se da banda do zodíaco, uma banda de mais e menos 8º em torno da eclíptica, a linha que traça o movimento aparente de Sol através do céu e que passa pelos chamados signos do zodíaco.

Essa banda encontra-se inclinada pela mesma razão que os globos terrestres modernos se encontram inclinados, porque o eixo da Terra está oblíquo 23,5º em relação ao plano de translação. Nos globos terrestres modernos, o eixo da Terra apresenta-se em diagonal e a base de sustentação aparece paralela à eclíptica, que é afinal a projecção no espaço do plano de translação da Terra em torno do Sol. Na esfera armilar, o eixo norte-sul encontra-se habitualmente na vertical e é a banda zodiacal que se mostra oblíqua.

Igualmente junto ao Padrão dos Descobrimentos, no pavimento fronteiro, o visitante pode observar um belo mapa do mundo e uma gigantesca rosa-dos-ventos, que indica os pontos cardeais. Em tempos idos, as rosas-dos-ventos dispunham de dois, quatro, oito ou doze rumos ou ventos. As rosas posteriores apresentam 32 rumos. Não se trata apenas de um símbolo das direcções num mapa.

Quando as bússolas marítimas ou agulhas de marear começaram a ser utilizadas pelos europeus, provavelmente no século XIII, estavam já munidas de um disco que se agarrava à agulha magnética e onde se desenhavam rosas-dos-ventos. Esse disco era colocado numa caixa que se mantinha horizontal, sem ser afectada pelo balanço do navio, por um sistema com eixos chamado balança e depois «cardan», recordando o italiano Gerolamo Cardano (1501-1576), que posteriormente desenhou um aparelho de concepção semelhante. O princípio é muito semelhante ao dos «cardans» ligados às rodas de automóveis, que permitem que estas se movam perpendicularmente ao solo, apesar de os eixos se poderem inclinar.



relogiocs.jpg




Outro objecto bem conhecido dos lisboetas é o relógio da Hora Legal do Cais do Sodré. É tão visto que é esquecido. No entanto, esse instrumento tem uma história interessante. Quando os serviços da hora legal foram instituídos no princípio do século, o relógio estava encarregue de marcar a hora exacta e servir de referência aos pilotos, que por aí confirmavam o estado dos seus cronómetros.

Os cronómetros marítimos, fundamentais para a medida da longitude no mar, não são acertados como os relógios vulgares. O que é importante é conhecer o seu estado, ou seja, o seu desfasamento em relação à hora: os marinheiros subtraem ou adicionam depois os minutos e segundos necessários.

O relógio do Cais do Sodré era acertado diariamente com base na informação que seguia do Observatório Astronómico da Ajuda para a Administração do Porto de Lisboa, sediada nessa esquina do largo ribeirinho. Foi criada uma linha dedicada à comunicação entre os serviços da hora e o porto, mas o sistema nunca funcionou bem. O relógio que ali continua e atesta esses tempos teve uma vida irregular. Acertava, quando não estava errado. Em 1946, com a criação da Comissão Permanente da Hora, que ainda hoje existe, esse relógio deixou de ser um instrumento de referência.

Quem quiser deixar as ruas e entrar em edifícios públicos tem muitos locais de interesse científico cultural a visitar: a Academia das Ciências e os museus do mesmo edifício, o Museu de Marinha, o Pavilhão do Conhecimento e o Museu da Cidade, para apenas falar de alguns. Deixamos uma sugestão final para quem passe pela Rua da Escola Politécnica.


foucaultmc.jpg




No átrio do edifício do Museu de Ciência, mesmo antes da recepção, pode apreciar-se um belo exemplo de Pêndulo de Foucault. Trata-se de um pêndulo gigantesco, no estilo do construído em 1851 pelo astrónomo francês Jean Bernard Leon Foucault (1819-1868) para a grande feira de Paris. Esse aparelho constituiu a primeira prova do movimento de rotação da Terra, mostrando que um pêndulo deixado a oscilar vai mudando lentamente o seu plano de oscilação.

Se o pêndulo estiver a funcionar, será interessante visitá-lo de novo passadas umas horas e verificar que esse plano se moveu. Na realidade, é a Terra que se move na base do pêndulo, que tenta manter o seu plano de oscilação inalterado. Nos pólos, os pêndulos de Foucault descrevem um movimento de rotação completa em 24 horas - ou melhor, é a Terra que descreve esse movimento.

No equador, o plano de oscilação mantém-se inalterado em relação ao solo. Em Lisboa, que está à latitude intermédia de 38º, esse movimento relativo ao solo faz o pêndulo descrever uma rotação completa em cerca de dia e meio. No átrio do Museu de Ciência, o visitante pode ver a terra a rodar sob os seus pés.



instituto-camoes
 
Topo