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Finisterras Portuguesas

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Finisterras Portuguesas

Os grandes horizontes marítimos e os extremos ocidentais do continente europeu ou os cabos nos quais a terra acaba e o mar começa , parecem constituir um tema constante da cultura da paisagem e da memória portuguesas. Por este motivo, em Portugal, não raro as praias, os portos, os estuários e os promontórios surgem investidos de uma intensa qualidade fenomenológica. Esta qualificação dos espaços opera-se no cruzamento da natureza, da geografia, da religião, da antropologia e da arte. Ou seja, constituem-se enquanto “lugares” no âmbito de uma geografia humana (porque quase toda a paisagem que se julga natural é fruto das intervenções milenares dos povos). De facto, a costa portuguesa, de norte a sul, encontra-se literalmente marcada pelo homem, quer através de prosaicas referências territoriais e de orientação, quer através de importantes sinais de veneração, medo e adoração.
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Foto: Cabo Sardão, uma das mais belas finisterras portuguesas.


Perante a imensidão do mar desenvolveram-se cultos que se foram sobrepondo e reconvertendo à medida que uma e outra cultura foi dominando cada um desses enclaves. Desde os cultos pré-históricos, passando pela romanização e pela islamização, até à decisiva cristianização e às sobrevivências pagãs dela decorrentes, muitos são os “lugares” que documentam a fascinante sedimentação das diversas (e, paradoxalmente, sempre iguais) maneiras de o homem se relacionar com as noções de limite, de fronteira natural, de fim e de começo ou recomeço cíclico, poderosos pólos de atracção e de dinamização cultural e religiosa.

Às vezes interditos, outras vezes abertos e receptivos, esses lugares, fosse pela dificuldade de acesso e lonjura, fosse pela sua acessibilidade, acolheram uma espécie de pasmo, ou então uma declarada confiança promissora no além.

De tipologias muito diferentes, as finisterras portuguesas são lugares incontornáveis (no sentido literal e metafórico…) na paisagem e na memória da história de Portugal. “Da occidental praia lusitana” de Camões, à cartografia mística da “Mensagem” de Fernando Pessoa, acerca das finisterras e em torno delas foram-se tecendo lendas, criaram-se narrativas locais (ou simples histórias). Alguns sítios tornaram-se cenário de mitos históricos de dimensão nacional. Outras vezes tornaram-se (ou acolheram), grandes e pequenos monumentos que impedem todo e qualquer esquecimento.

Uma das questões importantes para o entendimento da costa portuguesa e, muito em especial de Sagres, começa, assim, pela geografia real, ou seja, pela descrição ou reconhecimento da relevância dos acidentes geológicos, orogénicos e hidrográficos que os caracterizam.

As primeiras e muitas vezes antiquíssimas narrativas geográficas aliam-se, depois, às mais antigas representações desses lugares, figuradas (na cartografia medieval e da idade moderna, nos levantamentos costeiros de finalidades pragmáticas) ou registadas pela literatura.

Logo aí se detectam os primeiros traços de uma mitologia oceânica, que consiste geralmente em interpretações de cultos ancestrais, ritos ou venerações aí existentes. Da correlação possível destes cultos com os vestígios arqueológicos actuais, da análise das invocações de capelas e templos ou da instalação de edificações com destinos práticos diversos -entrepostos, torres defensivas, castelos, fortalezas ou simples atalaias se avalia a importância dos locais e a sua capacidade mobilizadora através do tempo.

É também possível verificar até que ponto a paisagem foi sendo trabalhada pelo homem e adaptada às expectativas das populações. De facto, esses lugares catalizaram registos escritos, de extracção popular ou de origem erudita, que são outros tantos testemunhos da sua importância. Os sinais costeiros (padrões, capelas, fortalezas, caminhos, embarcadouros, etc.) fazem parte dessa realidade e, geralmente, acompanham-na, numa relação de estreita cumplicidade.

Narrativas e lendas muitos variadas (algumas das quais pretendem demonstrar voluntariosamente a distribuição humana pós-diluviana, constituindo significativas lendas “noéticas”) explicam depois a insólita relação que algumas dessas finisterras detiveram com o interior dos territórios, constituindo uma espécie de prolongamento deste, funcionando como lugares de encaminhamento de peregrinações com orientações diversificadas (norte-sul; oriente-ocidente; caminhos marítimos), peregrinações cujos itinerários se podem retraçar através de edificações e marcos de referências ou “guias”, senão mesmo de costumes que a etnografia recolheu.

A própria toponímia (os enigmáticos locais costeiros, aliás abundantes, que remetem para a cor negra, como sejam as inúmeras “carvoeiras”, “carvoarias” ou “pederneiras” / pedras-negras, a que se associa significativamente o corvo de Sagres, ou “o vicente”), bem como outros indícios do mesmo tipo, são vestígios, pelo menos suficientes, para estabelecer um inquérito acerca da sua natureza e razão de existir.

Por tudo isto, ou por nele concentrar todo este potencial como nenhum outro, se pode dizer que o Cabo de Sagres é seguramente a mais importante finisterra portuguesa.
Finisterras Portuguesas

Costa minhota: do Minho ao Douro

Compreende as amplas rias ou estuários das bacias dos rios Minho, Lima, Cávado e, finalmente, Douro. Esses estuários, para além do papel comercial que desempenharam através do velho estabelecimento das chamadas “póvoas marítimas”, testemunham uma relação com o mar que não dispensou pontos de apoio em “praias”, dotadas das suas igrejas comunitárias, como é o caso de Caminha, Vila do Conde ou Azurara. Lugares: Caminha; Viana do Castelo; Apúlia; Póvoa do Varzim; Vila do Conde; Azurara.

Foz do Douro

Importante lugar mítico, a sua associação ao comércio a longa distância pelo menos desde a Baixa Idade Média sofrendo importante impulso no século XVIII, através do estabelecimento dos entrepostos do vinho do Porto , não é senão a continuidade de um traço de recuadíssima origem.

Potencial lugar de origem de um reino, capital transitória de um território (Portus Calem; Porto e Gaia), as origens míticas de Portugal deslocaram-se (e deslocam-se ainda, sistematicamente) para essas velhas póvoas.

Na Foz do Douro, D. Miguel da Silva, esclarecido patrono da renascença, estabeleceu desde o segundo quartel do século XVI um significativo programa de características antiquizantes, fértil em referências e paralelismos míticos, com a Capela de S. Miguel-o-Anjo, um farol e um padrão. Lugares: Porto; Foz do Douro; Matosinhos

Costa Nova: do Douro ao Mondego

Neste conjunto avulta em importância a ampla ria de Aveiro, e designadamente a Tocha, com o seu originalíssimo santuário. Lugares: Ovar; Aveiro; Mira; Palheiros de Mira; Palheiros da Tocha; Tocha

Cabo Mondego

A Serra da Boa Viagem que se encaminha para o mar, detém topónimo significativo (“boa viagem”) e deveria constituir antigo lugar sagrado, conforme parecem atestar diversos megálitos nela subsistentes. Com Buarcos, constitui um sistema simbólico que se relaciona com o interior, atendendo à ampla navegabilidade do rio Mondego e à relevância histórica das povoações por ele servidas na parte inferior do seu curso, entre as quais avulta Montemor-o-Velho, com o seu reconhecido património monumental e as suas desconcertantes lendas de fundação. Lugares: Buarcos; Figueira da Foz; Maiorca; Montemor-o-Velho: Santa Olaia

Nazaré

O sítio da Nazaré, conhecido literalmente como “Sítio”, é um dos mais fascinantes pontos costeiros portugueses. A lenda do cavaleiro templário D. Fuas Roupinho, salvo de uma perseguição a um veado (o diabo) pela aparição da Virgem quando o seu cavalo se precipitava pelas escarpas do promontório, indicia estarmos em presença de um antigo culto cristianizado. A marca de ferradura do casco do cavalo preserva-se ainda hoje. Na capelinha de Nª. Sª da Nazaré, a própria imagem da Virgem ali venerada teria origem palestina (talhada, naturalmente, por S. Lucas…), podendo ser a revivescência de um culto da Deusa-Mãe. Provavelmente por isso, trata-se de uma virgem enegrecida, que se terá substituído a uma Virgem Negra. O estudo da toponímia local e vizinha (Pederneira ou Pedra Negra), bem como o conhecimento de estabelecimentos cenobíticos antigos (como é o caso do mosteiro alti-medieval de S. Gião -S. João ou S. Julião, de culto solsticial), mostram bem como as terras de Alcobaça, colonizadas pelos cistercienses e culminando na Nazaré, constituíam um enclave ancestral altamente qualificado do ponto de vista da geografia mítica. Lugares: Sítio; Nazaré; Pederneira; S. Gião; Cela; (Vestiaria; Alcobaça)

Cabo Carvoeiro

Peniche e a sua remota origem (que o topónimo confirma), as ilhas Berlengas com o seu convento jerónimo, e todo o sistema “continental” desta zona, revelam permanências cujo padrão se encontra noutros cabos sagrados da costa portuguesa. A Ode Marítima de Avieno atribui ao local o culto de Saturno (Kronos, o Tempo, que surge quase sempre aliado a estes lugares do fim do mundo onde o Sol se põe…), induzindo uma interessante triangulação com os sítios de Óbidos e Lourinhã. Lugares: Peniche; Foz do Arelho; Atouguia da Baleia; Serra d’el Rei; Lourinhã; Óbidos.

Costa da Estremadura

De Peniche a Sintra, diversos são os lugares costeiros, alguns dos quais escarpados, que exibem testemunhos de veneração oceânica, como por exemplo a ermida de S. Sebastião (Ericeira) ou a ermida de S.Julião e Stª. Basilissa (Carvoeira), com curiosas e indisfarçáveis conexões (a já célebre pedra labiríntica) com o Convento de Mafra, próximo. Lugares: Ericeira; Carvoeira; Mafra

Cabo da Roca

O Cabo da Roca constitui um todo com a Serra de Sintra, a celebrada “Serra da Lua” cujos cultos pré-históricos (e respectivos vestígios arqueológicos) se encontram amplamente documentados. Junto ao Cabo, a capela de S. Saturnino revela a cristianização de um antigo culto a Saturno, estabelecendo o padrão das outras finisterras. Local de referência desde a antiguidade, a Serra de Sintra é um daqueles “altos lugares” de ampla fortuna. Poiso de reis e da nobreza, é lugar de chegada e de partida, com o Paço Real da Vila, o Convento da Peninha (depois, o insólito Palácio da Pena do príncipe rosa-cruz, D. Fernando) surgindo como importantes referentes paisagísticos, cada qual com as suas lendas ancestrais. Em nenhum sítio como na Serra de Sintra o homem interveio com tamanha vontade de transformação da natureza, uma vontade de transformação significante e simbólica, como acontece, por exemplo, na Penha Verde, na qual o filho de D. João de Castro implantou as célebres “pedras de Cambaia”, que denunciam propósitos evidentes de estabelecer nexos no quadro de uma geografia mítica mundial, que pretendia unir o Ganges ao Tejo. Lugares: Paço de Sintra; Palácio da Pena; vestígios arqueológicos pré-históricos (tholos do Monge; subsistema de Belas e Carenque); Convento dos Capuchos; Penha Verde; Penha Longa; Colares.

Belém

O sítio do Restelo constituiu uma mais importantes “praias” portuguesas. Dela partiram os navegadores; na velha ermida fundada pelo Infante D. Henrique fez vigília Vasco da Gama na véspera da partida da sua armada que estabeleceu o caminho marítimo para a Índia. Os seus monumentos atestam a importância mítica do local: o Mosteiro dos Jerónimos, ex-libris lisboeta e nacional, e os múltiplos discursos de natureza simbólica que nele se cruzam, desde a glorificação do casal régio D. Manuel e D. Maria, até à catequese ecuménica da teoria de imagens do Portal Sul, revelam o interesse na construção de um “lugar” extremo, mas referencial, para quem visitasse a barra do Tejo: a Torre de Belém era peça de aparato, cuja arquitectura falante, bem como os seus sistemas defensivos, funcionavam como um cuidado programa de persuasão e propaganda. Lugares: Belém; Restelo; Serra do Monsanto; Porto Brandão

Cabo Espichel

Conta a lenda que um velho de Alcabideche (junto a Sintra) e uma velha de Caparica, se dirigiram em simultâneo ao local, prevendo uma aparição da Virgem, que surgiria montada num muar (e daí o nome de Pedra da Mua concedido ao promontório). As pegadas da montada de Nossa Senhora, são, nada mais nada menos, do que as abundantíssimas pegadas de dinossáurios ali existentes. O santuário tem uma aparente origem quatrocentista, mas o lugar deveria constituir ponto de chegada de uma peregrinação que, do interior, se dirigia à costa, com itinerário obrigatório através da Serra da Arrábida, a qual, por sua vez, faz parte do mesmo sistema “mítico”, com as suas inúmeras grutas pré-históricas, algumas das quais utilizadas até à Baixa Idade Média. Aí, o próprio mosteiro capucho, remonta a sua origem a uma lenda “luminosa” em que a Virgem aparece a náufragos, salvando-os; porém, esse lugar mágico, terá substituído um antigo ribat muçulmano, sendo assim diversos os testemunhos de cristianização sistemática desse itinerário, do qual faz parte a ctónica e originalíssima gruta de Nª. Sª da Arrábida. O Cabo Espichel é um local de culto equinocial. A própria igreja, fundada em 1707, encontra-se estranhamente “ocidentada”. Para o santuário convergiam diversos “círios” de um e de outro lado do rio Tejo, cobrindo assim toda a região dita “saloia”. Lugares: Espichel; Azoia; Sesimbra; Serra da Arrábida; Convento da Arrábida; Nª. Sª da Arrábida; Setúbal

Cabo de Sines

Importante povoação do período bizantino-visigótico, a sua origem deverá remontar à proto-história (e daí o achado do riquíssimo tesouro “fenício” do Gaio, herdade vizinha). A ermida de Nª. Sª das Salas, fundada por D. Vetaça, foi restaurada por Vasco da Gama, que teria ali nascido, no paço dos alcaides-mor. A Ilha do Pessegueiro e os respectivos vestígios romanos, frente a Porto Covo, constituem mais um complexo geográfico-mítico, de que fazem parte a lagoa de Stº André, mais a norte, e a lagoa de S. Torpes, cristianização de cultos pagãos ligados ao megalitismo litorâneo. Lugares: Sines, Santiago do Cacém, Stº. André; S. Torpes; Porto Covo; Pessegueiro.

Cabo de S. Vicente

A longa diacronia do estabelecimento humano é documentável no antigo convento do cabo de S. Vicente (hoje incorporando um moderno farol, sucedâneo de outro, erguido no século XVI). Na origem foi o Convento do Corvo -de monges franciscanos-, fundado por D. Dinis, ao que se presume no lugar onde outrora se ergueu a Igreja do Corvo. Possuía uma estrutura de acolhimento dos peregrinos. A fortaleza foi erguida em 1508 a mando do Bispo de Silves, sofrendo importante campanha de remodelação nos inícios do século XVII. Já em 1904 as estruturas que se mantinham de pé, depois de um longo período de abandono, foram reconvertidas em estação naval. Lugares: Sagres; Vila do Bispo; Raposeira; Nª. Sª da Rocha

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