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Cristãos desde sempre no Iraque agora em fuga ao “Estado Islâmico”

kokas

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Set 27, 2006
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Na porta do contentor, um autocolante em inglês diz: “Salvem os cristãos do Iraque”. Lá dentro há uma família, e à volta outros contentores, outras famílias, uma pequena parte das dezenas de milhares de cristãos iraquianos que fugiram do “Estado Islâmico”, a parte que se acha a salvo e com sorte, porque um contentor é melhor do que uma tenda.

No pátio desta igreja, em Erbil, capital do Curdistão Iraquiano, contentores funcionam até como sala de música, de computadores, de brincar, o que alegra o tempo mas não reverte a história. Vizinhas por baixo de um calendário com a Virgem, adolescentes numa mesa de pinguepongue ou meninos com Legos: refugiados como milhões de iraquianos no seu próprio país, a maior parte dos quais em acampamentos onde a chuva entra, o sol queima.
É assim desde o Verão de 2014, quando o “Estado Islâmico” mudou o mapa oriental ao desfazer a fronteira entre a Síria e o Iraque. Os domínios do auto-proclamado Califado são hoje maiores do que, por exemplo, a Grã-Bretanha, e Erbil já esteve cercada, vai-não-vai para cair. Ainda há um mês a cidade tremeu quando um carro-bomba explodiu a algumas ruas daqui, junto ao Consulado Americano. Militantes do “Estado Islâmico” conseguiram atravessar o Curdistão, território que lhes é hostil, estacionar o carro em Ankawa, o bairro mais cosmopolita de Erbil, e fazê-lo explodir, matando três pessoas e ferindo 14. Atingiram assim, em simultâneo, um alvo americano e o bairro cristão, cheio de refugiados.
“As pessoas foram chegando desde 7 de Agosto de 2014, quando o ‘Estado Islâmico’ começou a atacar os cristãos em Qaraqosh”, conta Daniel Al Khoury, o jovem padre de 25 anos que recebe o PÚBLICO. Estamos apenas a 80 quilómetros de Mossul, a maior cidade do Iraque controlada pelo “Estado Islâmico”, e Qaraqosh fica a meio caminho. Os jihadistas dominaram Mossul a 10 de Junho, foram avançando na direcção de Erbil, até que a 7 de Agosto se deu a debandada de Qaraqosh, 60 mil cristãos, segundo o padre Daniel, mais outros 60 mil em diferentes regiões. “Os peshmerga [combatentes curdos] tinham prometido proteger aquelas povoações mas no último momento avisaram que já não seria possível. Então as igrejas começaram a tocar os sinos.” Era de noite, os cristãos juntaram-se para fugir em carros, autocarros, umas poucas dezenas ficaram para trás, por não terem acordado ou sido localizadas. “Ainda falámos com eles durante dois meses mas agora não sabemos o que lhes aconteceu, se estão vivos ou mortos.” O fluxo de refugiados dividiu-se pelas cidades do Curdistão, Duhok, a norte, Suleymaniah, a sul, Erbil a leste.
Só nesta igreja, Mar Elia, são 118 famílias, ao todo 546 pessoas. “No começo eram 1600. Chegaram sem nada, dormiram no jardim, a igreja começou a distribuí-los por outros espaços.” Ficou cerca de um terço. “A ONU trouxe tendas, mas era demasiado quente, e havia recém-nascidos.” Há fotografias desses dias, aulas a serem dadas dentro de tendas. “Depois outras organizações trouxeram tendas à prova de água, e há dois meses chegaram os contentores.”
Este padre jovial não tem um passado muito diferente. “O meu pai era padre em Bagdad. Vivíamos numa parte da cidade que se tornou um bastião da Al-Qaeda, todos os cristãos tiveram de sair, o meu pai foi ameaçado de morte. Um dia, às quatro da manhã, arrumámos tudo e partimos.” Ele tinha 15 anos, ou seja, isto aconteceu em 2005. “Chorei. Não queria ir embora.” Veio directamente para o bairro cristão de Erbil. “Por isso sei o que é perder a casa, as memórias.”
No começo de Agosto de 2014, quando o “Estado Islâmico” avançou de Mossul em direcção a Erbil, o padre Daniel tinha levado estudantes a uma feira. “Comecei a ver toda a gente a falar ao telefone, a chorar, as crianças diziam, “o ‘Estado Islâmico’ vem aí!”. Porque é uma guerra psicológica, toda a gente tinha visto aquelas imagens dos decapitados, sabiam que as mulheres seriam levadas como escravas, que haveria amputações. Eles conseguiram aterrrorizar as pessoas, implantando medo nas nossas cabeças.” Esse é o grande combate, segundo o padre Daniel. “Tentar que esta geração de refugiados não seja violenta. A nossa mensagem para o ‘Estado Islâmico’ é não usarmos violência, responder tomando conta do nosso país, tirando boas notas na escola, construindo um futuro. Porque a nossa identidade de cristãos está aqui há milénios, e o que eles querem é que a gente vá embora, tirar-nos a identidade. Éramos um milhão e meio de cristãos no tempo de Saddam, hoje somos talvez 300 mil os que não emigrámos.”


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