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E se o seu filho lhe bater ou disparar um dardo para o olho da irmã?

Feraida

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Na maior parte das vezes disciplina-se os filhos “em piloto automático”.

Mas com castigos e ameaças muitas vezes apenas se está a “espicaçar o lagarto”, dizem os autores de Disciplina sem Dramas, que explicam como a neurociência tem tudo que ver com birras.


PÚBLICO/ARQUIVO

O nosso filho de nove anos atinge à queima-roupa o olho da irmã de cinco anos com um dardo disparado por uma arma de brincar.

Uma taça de cereais é atirada ao ar, salpicando a parede toda da cozinha.

Um filho de quatro anos bate na mãe com a mão, a seguir pontapeia-lhe a canela.

Depois de um desejo contrariado, o seu filho atira-se para o chão do supermercado a gritar.

Reacções típicas de pais a cenas deste teor ou parecido: “Pára já com isso!"

“Acalma-te imediatamente."

“Foste malcriado.”

Há também o “vai para o quarto pensar”, “ficas uma semana sem consola”, “vais para a cama mais cedo” ou até “um par de palmadas”.

Às vezes a cena é rematada com “o eterno ‘porque eu mando’”.

Em resumo, descrevem os autores, ameaças e castigos.

Cenas deste tipo terminam muitas vezes também com adultos a berrar.

Um drama, portanto.

Um cocktail destas reacções automáticas é o que muitos pais entendem como “disciplina”, quando a origem da palavra nada tem que ver com castigar mas sim com “ensinar, aprender, dar instrução”, dizem os autores do livro Disciplina sem Dramas (editado pela Lua de Papel), que esta semana chegou às livrarias.

Reconhece-se nalguma das reacções típicas destes pais?

O que os autores nos dizem é que se os seus filhos fazem birras ou têm este tipo de "mau comportamento" não é porque são inerentemente “maus”, ou “mal-educados”, ou porque quem os educa são pais incompetentes, mas porque lhes é muito difícil agir de forma diferente, por razões biológicas.

O que Daniel J. Siegel, professor de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade da Califórnia, e Tina Payne Bryson, psicoterapeuta de crianças e adolescentes, pretendem explicar no seu livro é que a neurociência tem muito que ver com a educação dos filhos.

Vejamos: uma criança arremessa um brinquedo e atinge outra criança, o pai responde: “Em que é que estavas a pensar quando fizeste isso?”

Temos uma ideia de como pensaria um adulto equilibrado: saberia, à partida, que não se atiram objectos quando se está frustrado com alguém, porque o acto não resolve o problema e até pode agravá-lo, pode até acabar por estragar o seu próprio brinquedo e ainda pode magoar gravemente a outra pessoa, fazendo com que ela tenha de ser hospitalizada em estado grave com um hematoma ou uma fractura, não falando em perigos de sequelas a longo prazo.

O exemplo não está no livro, mas a ideia é que o que passa pela cabeça de uma criança quando atira um brinquedo porque está frustrada não tem nada que ver com o raciocínio de um adulto.

Melhor dizendo, tem pouco de raciocínio, porque a parte do cérebro humano onde estão “as competências de pensamento que permitem ao ser humano tomar decisões acertadas” não está desenvolvida, lê-se.

“Tudo isto significa que, embora gostássemos que os nossos filhos se portassem sempre bem, como se fossem adultos, com equilíbrio emocional e moral, a verdade é que isso lhes é impossível enquanto são muito jovens.

Pelo menos não lhes é sempre possível”, escrevem os autores.

Estimular "o andar superior"

O que Daniel J. Siegel e Tina Payne Bryson explicam numa linguagem simples é que educação tem tudo que ver com neurociência, ou seja, com a forma como o cérebro humano funciona.

Os autores norte-americanos comparam o cérebro de uma criança a uma casa em construção.

Existe “a parte inferior do cérebro, constituída pelo tronco cerebral e pela região límbica” – frequentemente designadas como “cérebro reptiliano” ou “primitivo” –, assim designada porque é responsável pelas “operações neurais fundamentais: as emoções fortes, instintos como a protecção dos filhos; e as funções básicas como respirar, regular os ciclos de sono e vigília e a digestão".

Este “andar inferior” é a parte responsável pela atitude de uma criança que atira um brinquedo ou morde em alguém, quando não consegue levar a sua avante.

É “a fonte da nossa reactividade” e esta é uma parte do cérebro que está bem desenvolvida por altura do nascimento.

Já “a parte superior do cérebro, responsável por processos mais sofisticados e complexos, encontra-se subdesenvolvida por altura do nascimento e começa a desenvolver-se durante a infância”.

E é nesta parte que estão “as competências de pensamento, emocionais e relacionais, que permitem ao ser humano tomar decisões acertadas e de planeamento, regular emoções e o corpo, a introspecção, a flexibilidade e a adaptabilidade, a empatia e a moral”.

“Uma criança de quatro anos bate no pai enquanto está à espera.

É desejável?

Não.

É própria nesta fase de desenvolvimento?

Absolutamente.

” Seria melhor que “ela se acalmasse e declarasse com compostura: 'Mãe, estou a sentir-me frustrada por estares a pedir-me para continuar à espera; e, neste momento, estou a sentir o impulso fortíssimo e agressivo de te bater – mas optei por não o fazer e, em vez disso, por me manifestar com palavras'”, ironizam.

Quando é que o processo termina?

“Lamentamos informar que a parte superior do cérebro só fica totalmente desenvolvida por volta dos 25 anos.”

Okay, então as crianças ainda não são muito boas a fazer escolhas acertadas.

Solução?

Aceitar passivamente que o seu filho se atire para o chão?

Que chame nomes e arremesse brinquedos?

Não, respondem o psiquiatra e a psicoterapeuta.

A ideia é mudar de estratégia, porque a tradicional, aquela que é familiar e automática para a maioria dos pais, é contraproducente.

“Se perante uma birra monstruosa no supermercado se inclina sobre a criança, de dedo em riste e lhe diz, entre dentes cerrados, ‘Acalma-te imediatamente’, está ‘a espicaçar o lagarto’, desencadeando uma reacção na parte inferior do cérebro.”

Isto, porque a criança assimila na linguagem corporal e nas palavras da mãe uma ameaça que acciona, em termos biológicos, “o circuito neural que lhe permite sobreviver a uma ameaça”.

A saber: entra em modo de luta ou de fuga.

O psiquiatra e a psicoterapeuta explicam que não podemos estar, ao mesmo tempo, num estado reactivo e receptivo, e que, se a mãe quer apelar à parte do cérebro superior, talvez esta não seja a atitude mais correcta.

Mais ainda, “os castigos e os sermões são ineficazes, quando a criança está perturbada e incapaz de ouvir os ensinamentos que lhes estiver a transmitir”.

A boa notícia é que se é verdade que o cérebro da criança está em construção e o do adolescente em “auto-reformulação”, os pais podem ajudá-los a estimular cada vez mais “a competência interna de acalmar a tormenta e reflectir sobre o que está a passar-se no interior”.

Estratégia possível perante a birra: descer ao nível dos olhos das crianças, “tentar fazer ligação com ela”, perguntando-lhe algo como: “Porque é estás assim?”

Mas, atenção, dizem os autores, “fazer ligação não é o mesmo que permissividade".

"É tentar que a criança consiga ficar de novo receptiva a ouvi-lo.

E, no processo, fazer com que ela se sinta compreendida nas suas emoções.

” E, durante o processo, pode acabar por perceber o porquê do seu comportamento: “Eu sei que é difícil esperar.

Queres muito que vá brincar contigo e estás zangado porque eu estou no computador, não é verdade?”

“Sim.”

É um dos diálogos do livro.

Isso é tudo muito bonito, mas...

O facto de o cérebro estar em mudança não é motivo para ignorar os maus comportamentos; é, aliás, mais uma razão para que os pais imponham limites definidos, defendem.

“Porque não têm barreiras internas precisamos de as impor externamente.

As crianças precisam de ajuda a compreender o que é permissível e o que não é.”

Depois de conseguir acalmar a tempestade, é tempo de passar a mensagem moral, de explicar o que é correcto e não correcto, o que os autores chamam “redireccionar”.

Explicar-lhe que em vez de bater há alternativas, como dizer porque está zangado.

O que os autores preconizam é que estes momentos de crise são oportunidade para estimular “uma bússola moral”, para que, "mesmo quando não esteja presente um adulto, as crianças aprendam a ser ponderadas, saibam gerir as suas reacções à frustração e aprendam a capacidade de se colocarem no lugar do outro".

Daniel J. Siegel e Tina Payne Bryson defendem que é possível ensinar a desenvolver a empatia, introspecção e da compaixão, base da inteligência emocional e social.

Mas para isso, quando se disciplina, os pais têm de trabalhar para compreender os pontos de vista dos filhos, o seu estádio de desenvolvimento e aquilo que eles são capazes de fazer.

Muitos dos castigos são injustos, porque se baseiam em expectativas irrealistas sobre a forma como os filhos são capazes de reagir, notam.

Isso é tudo muito bonito, mas…

“Eu trabalho!

Tenho outros filhos!

E o jantar para preparar!

E aulas de piano, ballet, treinos de futebol e centenas de outras coisas para fazer.” São respostas que estes profissionais de saúde mental ouviram muitas vezes.

Dizem-lhes que o seu método é “um luxo” para pessoas com tempo.

“Percebemos tudo isso, pois ambos trabalhamos, os nossos cônjuges trabalham e somos ambos pais empenhados.

” Nem sempre se consegue, admitem, e até “um perito em parentalidade perde a cabeça”, confessam.

Tina Payne Bryson, mãe de três filhos e directora de relações parentais no Mindsight Institute, conta aquela vez em que o filho de três anos lhe bateu e ela respondeu como deve ser, de forma afectuosa e compreensiva: “As mãos são para ajudar e amar, não para magoar.”

“Ele bateu-me outra vez.” De uma forma talvez um pouco terna disse: “Au! Isso magoa a mamã.” À terceira agressão: “Nós não batemos. Se estás zangado, precisas de utilizar as tuas palavras.” E ele bateu-lhe outra vez. Aí a especialista em desenvolvimento infantil na Saint Mark’s School mandou-o de castigo para o quarto e ele deu-lhe um pontapé na canela. “E foi então que me mostrou a língua.”

“Em resposta, a parte superior do meu cérebro, racional, empática, responsável, capaz de resolver problemas, foi sequestrada pela parte inferior do meu cérebro, primitiva e reactiva e eu gritei: “Se puseres a língua de fora mais uma vez, eu vou arrancá-la da tua boca.”

“Este não foi um bom momento parental.”

“O meu filho atirou-se para o chão a chorar.

Eu tinha-o assustado e ele só dizia: “És uma mamã má!”

Pausa.

“Ajoelhei-me, segurei-o perto de mim e disse que estava arrependida.

Deixei-o falar sobre o quanto ele não tinha gostado do que se tinha acabado de passar.

Voltámos a contar a história do que se passou para ele tirar sentido da situação e reconfortei-o.”

“Acontece à maior parte de nós.”

Para disciplinar "sem dramas" é preciso treinar.

Alguns conselhos para evitar “erros de disciplina que até os melhores pais cometem”

Não disciplinar “em piloto automático”

Quando se disciplina “em piloto automático”, concentramo-nos tanto nos castigos que estes se tornam o objectivo final.

O objectivo da disciplina não é uma consequência ou um castigo.

“É ensinarmos os nossos filhos a viver bem no mundo.”

Ir aos porquê

Qualquer médico sabe que “um sintoma é apenas um sinal de que uma outra coisa precisa de ser tratada", dizem os autores.

O comportamento irá repetir-se, “se não estabelecermos uma ligação com os sentimentos dos nossos filhos e com as experiências subjectivas que levaram a esse comportamento”.

“Concentramo-nos demasiado no comportamento e não o suficiente no porquê por detrás do comportamento”, escrevem.

Disciplina com afecto

Estes dois aspectos da parentalidade podem e devem coexistir.

“É possível combinar limites claros e consistentes com uma empatia terna.”

Não subestime o poder de um tom de voz gentil, aconselham.

Falar demasiado

Muitas vezes, quando as crianças estão reactivas e têm dificuldades em ouvir, precisamos apenas de estar calados.

Quando falamos e falamos, estamos a dar-lhes “imensos estímulos sensoriais que podem desregulá-los ainda mais”.

Em vez disso, utilizar mais a comunicação não verbal: “Abrace-os, sorria.”

Não disciplinar para a audiência

“A maior parte de nós preocupa-se com o que as outras pessoas pensam, especialmente no que toca à forma como educamos os nossos filhos.

Chame o seu filho à parte e fale sossegadamente com ele.”

Não presumir o pior

“Não me importa. Não quero ouvir. Não há razão, nem desculpa.”

“Antes de condenar uma criança pelo que parece óbvio, descubra o que ela tem para dizer.

Então, pode decidir a melhor forma de responder.”

Não disciplinar em resposta a hábitos

“Por vezes atacamos o nosso filho porque estamos cansados, ou porque foi isso que os nossos pais fizeram connosco.

É necessário reflectir sobre o nosso comportamento e responder apenas ao que está a ter lugar naquele instante.”

Peritos e instintos

Os autores põem na categoria de “peritos” tanto autores como eles, como amigos e familiares com opiniões sobre como devemos educar os nossos filhos.

“É importante que evitemos disciplinar os nossos filhos com base no que as outras pessoas pensam.”

“Encha a sua caixa de ferramentas disciplinar com informação de muitos peritos (e não peritos), depois ouça os seus próprios instintos, quando for para seleccionar a melhor abordagem à sua família e ao seu filho.”


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