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A arte pela arte

Luz Divina

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A arte pela arte


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Não é por as tornar mais criativas – embora torne –, nem por lhes aumentar o pensamento crítico – embora aumente – ou possibilitar que se tornem mais tolerantes com as diferenças – embora possibilite. As crianças devem ser expostas à arte apenas pela magia da arte em si.


Recentemente, Jake Chapman, um dos membros do conceituado duo de artistas britânicos conhecido como “Os irmãos Chapman”, causou polémica afirmando ao jornal “The Independent” que levar crianças a galerias de arte é “perda de tempo” e que os pais são “arrogantes” por acharem que os seus filhos compreendem arte.

Mas a verdade é que Jake pode perceber muito de arte visual, mas parece que percebe pouco de educação na infância. Para além do argumento óbvio de que a arte não é para ser compreendida, mas sim experimentada, apreciada, vários estudos realizados ao longo dos anos mostram que expor as crianças à arte torna-as não só melhores pensadores como também melhores pessoas.

Um dos estudos mais significativos – porque estabeleceu, efetivamente, uma relação causal – foi publicado no ano passado por investigadores sociais da Universidade do Arkansas, nos EUA, mostrando que os alunos expostos a instituições culturais, como museus e centros de artes performativas, não só têm níveis mais altos de envolvimento com as artes, como também mostram uma maior tolerância, empatia histórica, bem como melhor memória educacional e mais capacidade de pensamento crítico.

“As alterações são mensuráveis e significativas”, diz Jay P. Greene, professor de reforma educativa e investigador no estudo. A análise deu especial atenção à inauguração do Crystal Bridges Museum of American Art, que 11.000 alunos foram convidados a visitar gratuitamente. As visitas eram dirigidas para os estudantes, o que significava que os curadores não entravam em grandes detalhes sobre os quadros, mas antes davam informações mínimas, passando o restante tempo a facilitar a discussão.

Cerca de três semanas depois, os estudantes foram chamados a preencher um inquérito sobre a experiência no museu, e a equipa de Greene ficou surpreendida com a quantidade de informação “académica” que o grupo de estudo tinha retido sobre os quadros que tinha visto. Os estudantes conseguiam lembrar-se que um dos quadros mostrava a política de suporte de preços durante a Grande Depressão, ou que outro retratava os abolicionistas num boicote ao açúcar.

Estes detalhes históricos, no entanto, não faziam parte da introdução do curador, o que mostra que o formato baseado na discussão levou os alunos a fazer perguntas importantes e relevantes sobre os quadros. Por outro lado, algo nesta experiência no museu capacitou-os a lembrarem-se das informações quase um mês depois. O que é digno de nota, considerando quão depressa a maioria dos miúdos esquece o que aprendeu para os testes.

Outra análise levada a cabo pelos investigadores, ainda relacionada com a visita ao Crystal Bridges Museum of American Art, foi pedir aos alunos – os do grupo de estudo e outros de um grupo de controlo, que não tinham ido na visita – que escrevessem um curto ensaio sobre um quadro novo, que não estava em exposição no museu.

Os resultados mostraram que os alunos presentes na visita de estudo tinham uma maior capacidade de observação relativamente ao quadro, encontrando detalhes que o outro grupo não via. Também foram melhores a relacionar o quadro com as suas próprias experiências, lendo nas entrelinhas e permitindo múltiplas interpretações da peça de arte. E foram capazes de sentir empatia com as pessoas e os cenários retratados de uma forma que o grupo de controlo não fez.

Estado criativo natural

“Antes deste estudo, muitas pessoas diziam-nos que os estudantes iam ao museu olhar pelas janelas”, conta Greene. “Provámos que não. Eles prestam atenção e absorvem informação”. Uma parte disto está relacionada com o formato “não palestra” da experiência, mas Greene suspeita que o motivo está também relacionado com o facto de os estudantes saírem do seu ambiente escolar normal e serem colocados num ambiente culturalmente estimulante. “Podemos mostrar aos estudantes reproduções de alta qualidade de um quadro, mas não é a mesma coisa”, diz. “É a diferença entre assistir à missa na televisão e ir à igreja.

É por isso que os museus e as igrejas investem na arquitetura. O ato de ir coloca as pessoas num estado de espírito próprio para receber a experiência”. E Jay P. Greene não tem dúvidas: “As crianças que visitam museus – mesmo que pela primeira vez – mostram um aumento dramático no pensamento crítico, empatia e tolerância”.

Mas, interrogam-se pais e professores, será que a experiência de ir a museus e exposições também consegue ajudar os estudantes a melhorar as suas capacidades de pensamento crítico em assuntos mais “tradicionais”? O psicólogo Rui Guedes esclarece: “Não sabemos se a arte ajuda a construir um texto ou a resolver um problema de matemática. Mas se não temos que traduzir a matemática e a leitura em arte para sabermos que elas são boas para as crianças, por que razão teremos que traduzir a arte em leitura e matemática para lhe reconhecermos as vantagens? A arte é ótima por si só, e isso é a única coisa que deve importar”.

E com que idade é que devemos então começar a levar os nossos filhos a museus e exposições de arte? “Não há uma resposta universal para isso”, responde o psicólogo. “Cabe aos pais perceberem a personalidade da criança e a sua capacidade para respeitar o local e as outras pessoas que lá estejam”. Sim, porque se é verdade que a criança não precisa de ter idade para “compreender” as obras de arte, também o é que os museus não são o recreio da escola, e há que saber comportar-se à altura. Observado este aspeto, esqueça os Chapman desta vida e introduza o seu filho no mundo da arte quando achar por bem. Pode ter 18 meses ou quatro anos, a decisão é sua.

A única coisa certa é que é na infância que a mente é mais criativa, e, por isso, que a arte tem mais hipóteses de operar a sua magia. “Se reparamos no comportamento das crianças pequenas, tudo nelas é canto, e dança, e atuação, e desenhos e pinturas. A imaginação e a expressão artística são o seu estado natural”, diz Rui Guedes. E, por isso, continua, “da mesma forma que queremos estar conscientes das suas opções académicas, espirituais ou atléticas, também devemos ter em conta esta exploração do lado artístico da vida”.



Sem paternalismo, mas com cuidado

Toda a arte é boa, não pode haver dúvidas quanto a isso. Identificamo-nos mais com determinado tipo, apreciamos mais um estilo que outro, mas quem se expressa através da arte – seja uma criança de dois anos a garatujar arabescos numa folha, seja um pintor consagrado pela opinião pública ou um escultor cujo trabalho poucos apreciam – está a mostrar-nos um pouco de si, e isso é intrinsecamente bom. No entanto, há que estabelecer alguns limites e ter alguns cuidados quando levamos crianças a um museu ou a uma exposição.

Uma parede salpicada de sangue, um corpo caído numa sarjeta, uma vagina enorme que sobressai entre duas pernas abertas… A arte provocativa tem o poder de chocar, e, no caso das crianças, de provocar pesadelos durante muitas noites.
A arte é um meio poderoso, capaz de transmitir mensagens importantes, estimulantes e provocadoras.

Nós, adultos, podemos arrepiar-nos com a imagem, ou ficar com o estômago às voltas, mas, ainda assim, apreciar o contexto, o que lhe retira a gratuitidade e a vulgaridade e a coloca dentro dos limites do justificável e aceitável. Mas imaginar que uma criança com quatro, sete ou mesmo dez anos veria tais exposições dentro do contexto, por mais que lhe fosse explicado, é uma ilusão. Ela vê apenas as imagens horríveis.

Ver o mundo com outros olhos

Mais do que apreciar as grandes obras, queremos despertar nas crianças a sua capacidade criadora, incentivá-las a buscar dentro de si algo novo. Queremos estimular a sua sensibilidade, incentivá-las a pensar, sentir e agir de forma diferente. Porque é também através das obras de arte que a criança apreende outras culturas e outras formas de olhar para as mesmas coisas.

Fora dos museus e das salas de exposição, devemos aproveitar também para mostrar às crianças a arte que nos rodeia. Ela é parte natural do nosso mundo, e pode ser encontrada em todo o lado: nas ilustrações dos livros infantis, na decoração das casas, nos elementos de arquitetura dos edifícios, no design de jardins e nos monumentos nas praças.
Podemos sair para um passeio e, em conjunto, identificar formas e padrões criados por elementos artísticos em edifícios, ou procurar semelhanças e diferenças em objetos comuns… O mundo é a nossa ostra, e está repleto de arte visual. Toca a aproveitar.





DICAS PARA DESPERTAR A ATENÇÃO

Cada criança é um caso, e algumas estarão mais recetivas que outras, mas há alguns truques que pode utilizar para fazer da visita ao museu um sucesso.

-l Passe primeiro na loja de recordações, compre alguns postais com as obras a que o seu filho achar mais graça, e depois partam numa verdadeira caça ao tesouro. Onde estará o quadro deste postal? E a escultura do outro? Diversão – um, tédio – zero.

- Se a criança for pequena, dê-lhe uma máquina descartável para ir tirando fotografias (nos sítios que o permitem, claro). Se já for maior, pode ser mais prático emprestar-lhe o seu telemóvel, ou mesmo a máquina fotográfica da família. Em qualquer dos casos, ver, depois, a ótica do seu filho sobre as obras, será uma experiência muito boa.

- O seu filho gosta de desenhar? Perfeito! Leve um bloco e lápis, e deixe que ele se inspire nas suas obras preferidas. Isso mantém-o entretido e atento, ao mesmo tempo que lhe dá oportunidade, a si, de se focar nas obras que mais lhe interessam.

- Converse com a criança sobre as obras, à medida que as vão vendo. Sem grandes explicações “académicas”, mas apenas com uma ou outra informação interessante, tendo em conta o nível de entendimento dela sobre o assunto. E lembre-se: muito mais importante do que o que a criança entendeu da obra, é o que ela sentiu, viu e imaginou.



“PEQUENOS VOADORES”

A opinião de Susana Neves, escritora e artista.

Trabalha há 17 anos na área da educação artística em contexto museológico, realizando conferências, visitas guiadas, ateliers e jogos para adultos e crianças. A ela se deve a invenção do conceito de visita-jogo, desenvolvido pela primeira vez, em 1999, no Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian.

“Pergunto-me, muitas vezes, em que medida o primeiro contacto com a arte não começa logo no interior do corpo da mãe. Embora de olhos fechados, vendo apenas para dentro, a criança em desenvolvimento teria acesso pela primeira vez à abstração, à cor e à metamorfose.

Feita esta iniciação, muito naturalmente, qualquer criança, por muito pequena que fosse, desde que não deformada por preconceitos, reconheceria nas obras de arte um território ao qual não seria completamente alheia.

Jean Dubuffet, considerado pai da Arte Bruta – a arte que não passou pelo ensino artístico –, e se inspirou diretamente em desenhos de crianças, chamava-lhes “pequenos voadores”, uma designação justa e otimista. De facto, a expressão livre das crianças morre cedo, vitimada por um ensino que hipervaloriza a acumulação de conhecimentos em detrimento da criatividade, e, antes disso, pela sujeição precoce a horários muito rígidos, impedindo-a de estar consigo mesma, na contemplação do mistério do mundo, sobretudo natural.

As crianças não têm uma capacidade de concentração baixa, pelo contrário, uma criança de três anos acompanha com muito interesse uma visita guiada num museu, desde que à sua frente esteja alguém que não seja um monitor com nome na lapela, repetindo modelos pseudo-educativos e infantilizantes.

Não existem fórmulas para ensinar a uma criança qual o universo de uma obra de arte, qual a intenção do artista. Que se leve uma criança a um museu para se procurar, por exemplo, os animais representados numa obra de arte, ou qualquer outra abordagem prosaica, é um crime; é um crime também que não se fale com ela usando uma linguagem sofisticada, como se ela não pudesse aprender palavras novas.

Quanto mais empática, genuína, sabedora, for a transmissão de um conhecimento – neste caso, o conhecimento artístico –, maior a capacidade de atenção das crianças e a probabilidade de as tornarmos visitantes curiosos, atentos, que vão ao museu para alargar a sua perceção do mundo e se inspirarem, e não para dizer que também lá estiveram.”


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