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"A cada minuto que passa, morre uma pessoa" no país, diz um médico. Conflito já matou mais de 250 mil sírios.
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"Temos de continuar a viver como se tudo fosse normal, apesar de convivermos constantemente com a morte. Os bombardeamentos não nos dão descanso, mas fervemos o café de manhã e bebemo-lo calmamente. Uma caneca de café é mais importante do que a ideia da vida e da morte quando acordamos ao som das explosões. Não podemos descurar o nosso aspeto, apesar de termos de nos lavar com o mínimo possível de água. Fazemos o que temos de fazer. A vida continua em todos os seus pequenos detalhes". O testemunho é de Samar Yazbek, uma síria alauita (a mesma denominação do islão seguida pelo presidente Bachar al-Assad), de 45 anos, descrevendo o quotidiano na cidade de Kafr Nabl, no noroeste do país, no verão de 2013. A guerra civil estava no segundo ano e os bombardeamentos das forças fiéis ao regime de Damasco sucediam-se diariamente nesta cidade sunita na posse da oposição não islamita.Samar Yazbek - uma opositora a Assad, deixou a Síria ainda em 2011, perseguida pelo regime - decidiu voltar no ano seguinte e, novamente, em 2013, visitando diferentes localidades controladas pela oposição e assistiu à afirmação no terreno de grupos como o Estado Islâmico (EI) ou a Frente Al-Nusra. Dessa experiência resultou o livro The Crossing, em que descreve um quotidiano de morte, medo e miséria, descrito em testemunhos como este: "Estamos a morrer aos poucos, como animais presos a uma árvore e abandonados para morrer à fome. Muitos dos nossos familiares já morreram nos bombardeamentos (...). Nestes sacos estão roupas. Assim, é só pegar neles e fugir a qualquer momento". Fugir de um quotidiano cujo terror só se tem vindo a intensificar com a passagem do tempo. Dizia recentemente ao The New York Times um residente nos arredores de Damasco: "Bairros inteiros desmoronaram-se sobre os habitantes" quando a força aérea de Assad bombardeou a localidade de Douma. "Ainda ouço os seus gritos", afirmou Imad al-Din. O ataque sucedeu em agosto e morreram 122 pessoas, tendo uma das bombas caído num mercado.Um médico, que socorreu vários feridos, explicou que os tratara sem anestésicos e com instrumentos não esterilizados. Uma vítima acabou por morrer por se terem esgotados os sacos de sangue para as transfusões."Não filmem"Num vídeo de operações de resgate vê-se um voluntário a retirar dos escombros o corpo esfacelado de uma criança. Logo a seguir, ouve-se um grito brusco "não filmem", quando um segundo voluntário começa a puxar um outro corpo, ensanguentado e mutilado. Vítimas frequentes das bombas são também estes voluntários ligados à proteção civil.O quotidiano em Douma é agora marcado por um ritual de medo seguido todas as madrugadas pelas mulheres e crianças que insistem em ficar. Ao som da primeira chamada para a oração, atravessam rapidamente as ruas, onde só permanecem veículos destruídos e pedaços das fachadas dos edifícios semi-esventrados, para procurar abrigo nos campos. Isto porque "quando um projétil acerta num apartamento", a morte é certa."Já vi famílias inteiras morrerem quando um morteiro atinge uma casa", explica um ex-residente de Douma que acabou por se mudar para Damasco. Além de ataques de artilharia, Douma passou a ser regularmente bombardeada desde agosto. Dos cerca de 500 mil habitantes, cerca de 400 mil deixaram a cidade."A cada minuto que passa, morre um sírio", diz aquele médico.Na capital síria, afirma o antigo habitante de Douma, a vida "continua como sempre", mas com inúmeros pontos de controlo e recorrentes "faltas de eletricidade". Os preços de bens essenciais "mudam todos os dias. Acorda-se hoje e o preço do açúcar ou do arroz subiu para o dobro desde ontem". Os sírios perderam poder nos últimos quatro anos, segundo a associação síria de defesa dos consumidores. "O poder de compra das famílias deteriorou-se em 80% desde o início de 2011", afirmou o presidente da associação, Jamal al-Satal, falando quinta-feira ao jornal Al-Watan. A ONU estima que hoje quatro em cada cinco sírios vivem abaixo da linha da pobreza.Outro problema na capital é o da afluência de refugiados, aumentando o número de residentes e contribuindo para o disparar de preços nas habitações e dos bens em geral.Um estudante de 16 anos, Majd Al Kawaas, afirma que, apesar da cidade estar sob controlo do regime, "todos os dias se ouve o som de explosões e tiros" à distância.A guerra já provocou mais de 250 mil mortos, dos quais 115 mil civis. Destes, 12 517 são crianças e mais de oito mil são mulheres. Há ainda a registar mais de dois milhões de feridos e de pessoas que ficaram fisicamente incapacitadas de forma permanente. Em 22,8 milhões de pessoas, mais de 11 milhões foram forçadas a deixar o local de residência. Quatro milhões saíram do país.Uma "cidade ferida"A guerra deixou marcas em todos os centros urbanos, sendo Homs, em conjunto com a histórica cidade de Aleppo, um dos mais atingidos. O conflito tornou "Homs numa cidade ferida", lê-se numa reportagem do Al Monitor . "O odor da morte plana sobre as ruas (...). Parte da cidade está desabitada, na outra vive uma população atemorizada".Um duelo de artilharia causou, em 2014, a "morte de 22 estudantes e ferimentos noutros 34" quando alguns morteiros caíram no espaço da Universidade local, que tem uma população residente de mais de 13 mil jovens, muitos provenientes de outras partes do país.As escolas ainda intactas começaram a reabrir, mas na memória das pessoas de Homs permanece um ataque suicida contra um desses edifícios, quando um islamita se fez explodir e matou 44 crianças. Uma mãe, citada pelo site Albawaba, da Jordânia, afirma que "o medo não desaparece, mas ele tem de estudar, de aprender. Não quero que seja como esses bárbaros". Ao lado, escreve o jornalista do Albawaba, tem um rapaz de nove anos, que "olha para o recreio da escola em silêncio, com uma expressão séria. Sem qualquer agitação"."É o meu filho. É um mártir"Homs está sob controlo das forças fiéis a Assad e os combates cessaram, mas as histórias de morte não desapareceram. Uma professora, agora sem escola onde ensinar (o edifício foi destruído), recorda o dia em que o veículo em que se encontrava com mais 14 pessoas foi parado por islamitas. "Pediram-nos os bilhetes de identidade. Alguns deram-lhes logo e eles deixaram partir dois jovens e quatro raparigas. Os que se recusaram a entregá-los, ficaram no interior do veículo, entre eles um casal. "A mulher foi morta de imediato, com o marido ao lado". Seguiu-se o que parecia uma eternidade. "O marido chorava quando, de repente, foi abatido" por um islamita. A seguir, "retiraram-nos do veículo, encostaram-nos a um muro e abriram fogo". Só a professora sobreviveu, por ter sido atingida de raspão no tronco e ferida nas pernas. Alguém a colocou num carro e a levou ao hospital. "Os outros morreram", diz.Um outro habitante explica: "não há família que não tenha um mártir ou uma pessoa ferida ou desaparecida". Mártir é sinónimo de morte. Olha para uma fotografia na parede: "é o meu filho. É um mártir".



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