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Saque do passado

Antonio A Alves

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Um sarcófago egípcio apreendido permanece guardado num armazém secreto de Nova Iorque.



A senhora de peruca riscada e olhar fixo jaz sobre uma mesa fortemente iluminada, enquanto a professora paira sobre o seu rosto à distância de um palmo. “Ainda em admirável estado… extremamente bem conservada”, murmura a especialista. Enquanto o seu olhar desce, percorrendo o corpo da vítima pintado sobre a tampa da urna funerária, destaca-se um corte recente que atravessa a região superior das coxas e símbolos do deus Amon, um íbis e encantamentos mágicos transcritos do Livro dos Mortos. “Eis aqui o seu nome e título: Chesep--amon-taiecher, Senhora da Casa. Ao lê-lo em voz alta, estou a cumprir o seu desejo de ser lembrada na vida depois da morte.”

Esta nobre mulher egípcia morreu há cerca de 2.600 anos. A egiptóloga Sarah Parcak está a examinar o sarcófago interior, um dos três invólucros de madeira que serviu outrora de berço ao corpo mumificado, cujo odor ainda subsiste dentro do sarcófago. Os salteadores serraram este sarcófago em quatro partes e despacharam--no por correio aéreo para os Estados Unidos, onde um especialista em restauro de antiguidades voltou a montá-lo. Alguns meses mais tarde, um agente dos serviços aduaneiros descobriu o caixão escondido em casa de um negociante de antiguidades. Encontra-se agora num armazém em local secreto da cidade de Nova Iorque, onde as autoridades federais guardam artefactos apreendidos provenientes de todas as partes do mundo. Aqui encontra-se um gigantesco Buda de pedra proveniente da Índia, cavaleiros de terracota originários da China, relevos do Iraque, da Síria e do Iémen. Todas as peças são órfãs do comércio ilícito de antiguidades, vítimas da batalha internacional pelo património cultural.




Desde ladrões de templos na Índia a saqueadores de igrejas na Bolívia, passando por quadrilhas de salteadores de túmulos formadas por cem homens na província chinesa de Liaoning, os bandidos pilham sistematicamente o nosso passado. A pilhagem é difícil de quantificar, mas as imagens recolhidas por satélite, as apreensões das autoridades policiais e os relatos de testemunhas obtidos no campo comprovam que o comércio de tesouros roubados se encontra em crescimento explosivo em todo o mundo.
 

Antonio A Alves

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No Egipto, Sarah Parcak fez uso pioneiro das imagens de satélite para avaliar a pilhagem e os danos causados nos sítios arqueológicos. Dos 1.100 sítios arqueológicos conhecidos do país, um quarto sofreu danos de grande dimensão. “Ao ritmo actual de destruição, todos os sítios arqueológicos conhecidos do Egipto estarão gravemente comprometidos até 2040”, afirma.
“É uma tragédia.”

Nas duas últimas décadas, uma série de processos judiciais e repatriamentos com grande visibilidade pública puseram a descoberto o lado negro do comércio de antiguidades, revelando a existência de redes criminosas especializadas em escavações e tráfico que vendem artefactos pilhados a galerias e museus famosos. Em 2002, Frederick Schultz, um destacado negociante de arte antiga de Manhattan, foi condenado a 33 meses de encarceramento numa prisão federal por associação criminosa para receptação de objectos egípcios roubados. Em 2006, o Museu Metropolitano de Arte, sob pressão do governo italiano, aceitou devolver a famosa cratera Euphronios, uma taça para misturar vinho saqueada num túmulo etrusco perto de Roma. E nos últimos anos, a guerra em muitos países com vasta história – que culminou no saque da Mesopotâmia antiga pelo Estado Islâmico (ISIS) – tem alimentado preocupações de que o comércio de antiguidades esteja a contribuir para financiar o terrorismo.
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Os danos causados em muitos sítios arqueológicos são tão significativos que se podem avistar do espaço. Imagens de satélite relativas a Mari, uma antiga cidade mesopotâmica na região oriental da Síria, apresentam um crescimento dramático de fossos de pilhagem entre Agosto de 2011 (no topo) e Novembro de 2014. A estrutura que se vê no meio é um telhado colocado sobre as ruínas de um palácio outrora majestoso.


O debate sobre a forma de travar a pilhagem encontra-se num impasse. Os arqueólogos culpam o comércio de antiguidades, afirmando que muitos objectos disponíveis no mercado foram roubados. Os coleccionadores, os negociantes e muitos curadores de museus rebatem esta crítica, alegando que a maior parte das vendas de antiguidades é lícita. Alguns argumentam que o derradeiro objectivo da salvaguarda do património artístico da humanidade os obriga a “resgatar” antiguidades em países instáveis, mesmo que isso signifique adquiri-las a salteadores.




 

Antonio A Alves

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A história de Chesep-amon-taiecher permite que estas questões abstractas sejam vistas com uma claridade crua. Associando pistas obtidas junto de egiptólogos, curadores de museus e agentes da administração federal dos EUA, irei reconstituir o seu percurso, iniciado numa sepultura algures no Egipto e passando por uma complexa rede de contrabandistas, intermediários e negociantes, até chegar a este armazém de alta segurança na cidade de Nova Iorque.

A primeira etapa consiste em determinar a localização do local de enterramento provável de Chesep-amon-taiecher. Baseando-se nos hieróglifos e estilo artístico dos túmulos, os egiptólogos concluíram que ela viveu aproximadamente em 600 a.C. Uma pesquisa em livros sobre túmulos egípcios e sítios da Internet de antiguidades revelou um sarcófago semelhante, de uma mulher com o mesmo nome invulgar, alegadamente descoberta em Abu Sir al-Malaq, um sítio arqueológico 100 quilómetros a sul do Cairo.

Na Antiguidade, Abu Sir al-Malaq chamava-se Busíris, uma cidade próspera adjacente à planície de aluvião entre o rio Nilo e o oásis de Faium. Tornou-se famosa devido aos seus templos de Osíris e aos sumptuosos túmulos da sua história milenar. Actualmente, sob a luz enevoada do sol, Abu Sir assemelha-se a um campo de batalha recém-bombardeado. Crateras e poços esburacam as dunas onduladas, nos locais onde os salteadores revolveram a terra com pás, retroescavadoras e dinamite. Nesse processo, violaram inúmeras sepulturas, deixando atrás de si um rasto sinistro de crânios e ossadas estilhaçadas em redor de numerosas valas de pilhagem.
Amal Farag, funcionária do Ministério das Antiguidades responsável por Abu Sir e sítios arqueológicos vizinhos, leva-me a percorrer o sítio na companhia de quatro guardas armados. Esta mulher esguia, de 49 anos, recolhe pedaços de cedro com pregos de madeira e vestígios de pigmento vermelho. São fragmentos de antigos sarcófagos. “Os salteadores guardam apenas as peças boas, esmagando ou deitando para o fundo dos poços as restantes”, afirma. “Por cada peça bonita, destroem centenas.”
Amal conduz-me até um poço na encosta de uma colina, que desce obliquamente até uma câmara escura. Foi aqui que, em Abril de 2012, ela confrontou três salteadores. No decurso de uma visita de rotina a Abu Sir, na companhia de uma colega, reparou num táxi estacionado perto do túmulo. Aproximando-se, as duas mulheres encontraram três homens altos e musculados, vestidos com túnicas.


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Há um debate sobre a melhor forma de salvar tesouros culturais. Deveríamos comprá-los aos saqueadores?
 

Antonio A Alves

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“Aconselhei a minha colega: ‘Se estás com medo, finge que és muito orgulhosa’”, conta Amal. O orgulho deu resultado: depois de as fitarem, sem dizerem uma palavra, os homens entraram no táxi e afastaram-se. Agora, a minha interlocutora leva-me ao interior do túmulo e aponta para o lugar onde encontrou dois sarcófagos magníficos que os salteadores tinham escondido sob um cobertor. Enquanto os meus olhos se adaptam à penumbra, vejo nichos escavados nas paredes rochosas da câmara e túneis que conduzem a outras câmaras em sítios mais profundos da encosta.
Talvez Chesep-amon-taiecher fosse pilhada de um túmulo como este. Teria jazido num destes nichos, rodeada pelos objectos que mais apreciara em vida: jóias, uma bengala, papiros com encantamentos mágicos e arcas decoradas com deuses dos mortos. Os seus antepassados e descendentes ocupariam possivelmente nichos vizinhos, com os seus próprios tesouros. Se tivesse sido descoberto intacto, esse túmulo familiar abriria uma janela luminosa sobre o passado. Mesmo esventrada pela pilhagem, tal como se encontra, Chesep-amon-taiecher é valiosa devido aos seus hieróglifos e pinturas: no entanto, apropriadamente escavada, teria um valor incalculável. É a diferença entre uma página arrancada de um livro e um livro inteiro, integrado numa grande biblioteca.
Amal e a colega conseguiram içar os dois túmulos, retirando-os da sepultura e carregando-os no carro. No regresso ao ministério, foram perseguidas por um Peugeot que se aproximou poucos centímetros do seu pára-choques. Por fim, num cruzamento, um camião interpôs-se e separou-as dos perseguidores, permitindo-lhes a fuga.


Quando saímos do túmulo, os guardas, convenientemente armados, andam de atalaia aos campos e casas circundantes. Amal explica que os aldeãos locais não sentem qualquer vínculo com a cultura egípcia antiga e pilham o passado para sobreviver no presente. Os moradores pobres de muitos países com uma rica história pensam desta maneira, trabalhando em “escavações de subsistência” em troca de salários baixos.
A pilhagem aumentou depois da revolução de 2011, quando as forças de segurança se desagregaram. Todavia, a análise de Sarach Parcak às imagens de satélite demonstra que já se registara um pico elevado dois anos antes, quando a crise financeira mundial se repercutiu gravemente na economia egípcia, fazendo subir os preços dos alimentos e dos combustíveis e o desemprego. Alguns desempregados praticam actos de pilhagem como forma de sobrevivência.
Os guardas escoltam-nos até à auto-estrada e Amal dá-me um aperto de mão demorado. “Afaste-se das estradas durante a noite”, diz. Parece que ainda estamos em revolução.
 

Antonio A Alves

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Remando até à vida do Além, os barqueiros do Nilo acompanhavam os egípcios na sua longa viagem de barco para a morte. Os artefactos foram pilhados numa sepultura em 2009, começando uma viagem clandestina desde o Egipto até ao Dubai, seguindo dali para Nova Iorque e chegando ao estado de Virgínia, onde foram apreendidos por agentes federais e, por fim, devolvidos ao Egipto.




A escavação do passado com fins lucrativos é uma profissão com milhares de anos. O mais antigo julgamento de saqueadores realizado no Egipto, em Tebas, data de 1113 a.C. Uma quadrilha chefiada por um empreendedor dono de uma pedreira chamado Amenpanefer dedicava-se à pilhagem de túmulos escavados na rocha. O dono da pedreira e os seus cúmplices foram condenados e, provavelmente, executados por empalação.
Houve exércitos invasores que também levaram antiguidades do Egipto. Os conquistadores romanos transportaram para o seu país obeliscos inteiros, em navios construídos de propósito para o efeito. Entre os séculos XVI e XX, época em que o Egipto viveu sob o domínio de potências estrangeiras, inúmeras peças do seu passado foram levadas para centros culturais no estrangeiro, através de doações, comércio e coacção. Os arqueólogos estrangeiros recebiam uma parte dos artefactos encontrados nas suas escavações, em conformidade com um pacto oficial com as autoridades egípcias denominado partage, palavra francesa para “partilha”. Os viajantes adquiriam antiguidades a negociantes autorizados no Cairo, em Lucsor e noutros lugares. Essas transacções não eram muitas vezes documentadas, uma vez que as antiguidades eram geralmente consideradas como bens pessoais. Embora já existissem leis para proteger as antiguidades, os conceitos contemporâneos de propriedade cultural e de pilhagem ainda estavam a evoluir.
A mudança, no Egipto e noutros lugares, começou na década de 1950, quando os impérios coloniais se dissolveram e os antigos países colonizados conquistaram a sua autodeterminação. Inspirados por um novo sentido de identidade nacional, muitos países reforçaram a legislação existente ou promulgaram leis novas para proteger o seu passado, incluindo os artefactos ainda enterrados. Em 1983, o Egipto declarou que a totalidade dos bens com significado cultural e mais de cem anos de idade pertenciam ao Estado. Em 1970, a UNESCO adoptou a Convenção Relativa às Medidas a Adoptar para Proibir e Impedir a Importação, a Exportação e a Transferência Ilícitas da Propriedade de Bens Culturais, até à data subscrita por 131 países.



Trinta quilómetros a norte de Abu Sir, encontro-me com Mohammed Youssef, director dos sítios arqueológicos do Império Médio de Licht e Dahchur. Depois da revolução de Janeiro de 2011, quadrilhas de salteadores pilharam estes sítios, por vezes servindo-se de escavadoras e escavando de noite à luz de holofotes.
Mohammed mostra-me o túmulo cortado na rocha onde, pouco depois do começo da revolução, ele e um dos seus inspectores resgataram dois majestosos relevos de calcário retirados de outro túmulo. Dois grupos armados de metralhadoras estavam a discutir o destino dos relevos. “Quando nos aproximámos, dispararam as armas para o ar. Não tiveram medo nenhum de nós”, recorda. A equipa voltou mais tarde, depois de os pistoleiros partirem, e recuperou os relevos.
 

Antonio A Alves

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A força dita a lei nas zonas instáveis, sobretudo em tempo de guerra. Durante a guerra civil do Camboja, era frequente os Khmers Vermelhos e outros grupos controlarem os salteadores que operavam no seu território. De igual maneira, na Síria moderna, o ISIS fica com uma percentagem dos lucros do saque, mas os grupos com ligações aos exércitos do presidente Bachar al-Assad, do YPG curdo e da oposição fazem a mesma coisa.

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O roubo de sepulturas no Egipto é tão antigo como os faraós. O túmulo de Ramsés V e Ramsés VI, no Vale dos Reis, perto de Lucsor, foi saqueado há cerca de três mil anos, numa época de crise económica e de invasão estrangeira.


Segundo Mohammed Youssef, há figuras importantes da população local que desempenham um papel destacado em Licht e Dahchur. “Há indivíduos muito conhecidos envolvidos na pilhagem. São ricos, destacados e intocáveis.” Numa aldeia vizinha, afirma ele, existe uma família que comanda uma grande milícia privada

O brigadeiro-general Ahmed Abdel Zaher, responsável pelas operações da polícia das antiguidades egípcia, explica que muitas redes de pilhagem no Egipto estão estruturadas como pirâmides em quatro níveis. A base, que representa talvez três quartos do total dos efectivos, é constituída por aldeãos pobres cujo conhecimento do terreno e monumentos locais é decisivo para descobrir o saque. O segundo nível é composto por intermediários que recolhem os objectos e organizam os trabalhadores em equipas. Os elementos do terceiro nível, segundo Abdel Zaher, fazem desaparecer as antiguidades do país, vendendo-as a compradores estrangeiros no topo
da pirâmide
.
 

Antonio A Alves

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Este amontoado de artefactos, alguns dos quais possivelmente falsos, está à venda na casa de um antiquário no Noroeste da Síria. A falsificação de antiguidades é um negócio em muitos países, onde são fraudulentamente vendidas a compradores incautos ou utilizadas para ocultar antiguidades genuínas durante o transporte. Por vezes, são expostas em museus como se fossem originais.


As margens de lucro vão crescendo à medida que os artefactos vão subindo na cadeia de valor. Segundo as informações obtidas, alguns intermediários revendem os objectos por dez vezes o preço pago a quem os escava. “Estes são criminosos profissionais para quem as antiguidades são apenas mais um produto”, afirma Abdel Zaher. Ele descreve vários raides de droga recentes, durante os quais os agentes encontraram antiguidades juntamente com narcóticos.
Em zonas de instabilidade, as antiguidades podem seguir as mesmas redes de distribuição utilizadas pelos traficantes de armamento.
“É frequente descobrir lotes de antiguidades juntamente com lança-granadas e outras armas,” diz Matthew Bogdanos, procurador e coronel do Corpo de Fuzileiros dos EUA que prestou serviço no Iraque no início deste século.

Entre os mais de cinquenta portos, aeroportos e rotas terrestres utilizados para contrabandear antiguidades para fora do Egipto, decido visitar Damieta. O sarcófago de Chesep-amon-taiecher foi despachado para os EUA a partir do Dubai. Um dos pedaços foi escondido num contentor carregado de mobiliário. Damieta é um dos mais movimentados portos de contentores do Egipto.
É igualmente a capital do mobiliário do país.

Apenas 240 quilómetros separam o Cairo de Damieta, mas demoro quase cinco horas a fazer o percurso de automóvel. Na noite anterior, insurrectos assassinaram dois agentes da polícia no exterior do meu hotel e têm ocorrido ataques esporádicos nesta estrada. Aqui, existe um forte dispositivo de segurança, com operações de controlo rodoviário frequentes. Observo a fila interminável de camiões que passam por eles. O túmulo de Chesep-amon-taiecher poderia ter sido escondido em qualquer uma destas viaturas.


Depois de Chesep-amon-taiecher chegar ao Dubai, o seu trajecto torna-se mais claro. Baseados nas mensagens de correio electrónico, nas declarações aduaneiras e nos manifestos marítimos, os procuradores e responsáveis pela investigação federal alegam que houve três homens envolvidos no envio de Chesep-amon-taiecher do Dubai para os Estados Unidos: Mousa Khouli, um negociante de antiguidades nascido na Síria e sediado em Nova Iorque, Salem Alshdaifat, cidadão jordano sediado no estado de Michigan, e o jordano Ayman Ramadan, sediado no Dubai. Mousa Khouli acabaria por declarar-se culpado de contrabando e prestação de declarações falsas a um agente federal, sendo condenado a seis meses de prisão domiciliária. Salem Alshdaifat declarou-se culpado e foi condenado a pagar uma coima de quase novecentos euros. Ayman Ramadan continua a monte.
 

Antonio A Alves

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Um guarda em Abu Sir al-Malaq vigia um antigo cemitério juncado de ossos humanos e fossos de pilhagem. Aqui, a pilhagem é um problema antigo, mas recrudesceu significativamente com a crise financeira mundial e a revolução egípcia de 2011.


Documentos apresentados durante o processo judicial demonstram que Salem enviou fotografias do sarcófago de Chesep-amon-taiecher a Mousa, e que Ayman e outros indivíduos acabaram por despachar as peças para Mousa e um negociante de moedas no estado de Connecticut. Mousa utilizou então as mesmas fotografias para revender o sarcófago a um coleccionador no estado de Virgínia. Segundo alegações dos investigadores do Serviço de Polícia da Imigração e Controlo Aduaneiro (ICE) dos EUA, Ayman Ramadan transaccionava antiguidades saqueadas na Síria, Jordânia e Líbia. E as mensagens de correio electrónico entre Salem e potenciais clientes sugerem que ele tinha conhecimento directo de pilhagens no Egipto.

Brenton Easter, agente especial do ICE que investigou o caso de Chesep-amon-taiecher, considera que as redes internacionais de pilhagem colaboram entre si de maneira mais eficaz do que os agentes responsáveis pela aplicação da lei. Segundo afirmou, o contentor que transportou o sarcófago exterior de Chesep-amon-taiecher até aos EUA foi despachado pela Amal Star Antiques, uma empresa do Dubai. Brenton declarou que a Amal Star é propriedade de Noor Sham, membro da família de antiquários Sham, sediada na cidade indiana de Bombaim. No livro “Sotheby’s: The Inside Story”, o jornalista de investigação Peter Watson alegou que membros da família Sham dirigiam um importante negócio de pilhagem e contrabando de esculturas provenientes de templos da Índia para o Reino Unido na década de 1990, por vezes via Dubai, e que puseram várias peças significativas à venda por consignação junto da leiloeira de Londres.


 

Antonio A Alves

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Ao contrário de outras mercadorias ilícitas, as antiguidades saqueadas começam sujas mas acabam limpas depois de as suas origens serem branqueadas. Sem indicação pormenorizada da procedência – uma cadeia documentada de propriedade – é impossível saber se um objecto é legal ou ilegal. Mesmo assim, há muitas peças legalmente coleccionadas que carecem de identificação fundamentada da proveniência, gerando um dilema em cada compra potencial.
Mousa Khouli vendeu Chesep-amon-taiecher a um empresário da indústria farmacêutica e coleccionador de antiguidades chamado Joseph Lewis, residente no estado de Virgínia. Lewis foi acusado, juntamente com Mousa Khouli e os outros em Maio de 2011: as acusações deduzidas incluíam associação criminosa para contrabando e associação criminosa para branqueamento de capitais. Após três anos de procedimentos judiciais, os procuradores concederam-lhe um acordo diferido e acabou por ser ilibado das acusações. Lewis nega as infracções, afirmando que adquiriu os objectos nos EUA a um negociante que tratara da sua importação.

Se existe um gene coleccionador, Joseph Lewis possui-o. A mãe coleccionava esculturas de elefantes e iscos de caça para patos, enquanto o pai preferia armas de fogo. Na sua ampla casa, guarda agora as colecções da mãe, juntamente com
a sua própria colecção de trinta mil espécimes de insectos e um acervo de antiguidades egípcias.

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Um huaquero, ou salteador de túmulos, exibe um têxtil pintado para venda num cemitério em Huarmey, no Peru. Mas será este artefacto autêntico, pilhado num sítio arqueológico pré-inca nas redondezas, ou uma falsificação moderna? Só um perito sabe dizê-lo.
 

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“Se me derem duas coisas de qualquer tipo, eu começo uma colecção”, afirma este homem jovial de 60 anos. Mostra-me a sua admirável colecção egípcia, na qual se incluem sarcófagos guardados em vitrinas de nível museológico, incluindo a climatização controlada. Ao contemplar uma estatueta de madeira pintada de Ptah-Sokar-Osíris, sinto a mesma atracção que senti ao fitar outras antiguidades egípcias. Compreendo o desejo de possuir este objecto.
Segundo Joseph Lewis, o futuro do coleccionismo de antiguidades encontra-se ameaçado pelo reforço da fiscalização. Por isso, participou recentemente na fundação de uma associação destinada a formar e defender os coleccionadores. Enuncia alguns dos mandamentos: os coleccionadores e os museus salvaguardam o património cultural da humanidade, que os países de origem frequentemente não conseguem proteger. Mesmo quando não foi escavada por um arqueólogo, uma antiguidade pode preservar valor científico. Muitos coleccionadores contribuem para o conhe-
cimento, ao partilharem as suas antiguidades com os investigadores e os museus.

Através da colaboração reforçada entre as comunidades coleccionista e universitária, pode ser compilado um registo mundial de peças arqueológicas legítimas que funcione como ferramenta poderosa contra a pilhagem. “Se não estiver na lista, não pode ser comprada nem vendida”, diz, referindo-se à hipotética base de dados. “Se não estiver na base de dados, é porque foi pilhada.”
Dificilmente se pode considerar Joseph Lewis como o mais eloquente porta-voz dos coleccionadores. Segundo afirmações de James Cuno, presidente do J. Paul Getty Trust, muitos repatriamentos recentes foram erros, uma vez que a missão dos museus consiste em recolher, conservar e partilhar o património cultural, ao passo que os objectos devolvidos a zonas de conflito encontram-se frequentemente em risco. Nesse sentido, Cuno entende que não se deve excluir a possibilidade de adquirir artefactos saqueados se, ao fazê-lo, ajudar a salvá-los da destruição. “A recusa liminar de participação no mercado não faz que o mercado desapareça. Estas questões não são simples, nem isentas de risco, nem analisáveis a preto e branco”, acrescenta.


Embora o tráfico de antiguidades possa ter salvo muitas obras-primas, as zonas cinzentas em que opera são propícias a acusações de que é ele a força motriz da pilhagem e parece incentivar alguns dos seus participantes a iludirem-se sobre a proveniência dos seus objectos amados.
Joseph Lewis prefere não se pronunciar sobre o caso de Chesep-amon-taiecher, mas explica que só comprou o túmulo depois de Mousa Khouli lhe revelar uma proveniência plausível. Mousa informou-o que os caixões de Chesep-amon-taiecher pertenciam à colecção do seu próprio pai.
A convenção da UNESCO de 1970, as leis sobre património e a jurisprudência e repatriamentos do início do século XXI deveriam ter gerado impulsos mais vigorosos de definição de proveniências. Contudo, muitos coleccionadores, negociantes, leiloeiros e curadores parecem sentir-se no direito ao mesmo sigilo e anonimato que, por tradição, envolveu o comércio de antiguidades. As vendas privadas nas grandes leiloeiras estão em ascensão e as indicações vagas de proveniência continuam a ser vulgares.

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Um guerreiro do século X adornava o templo de Prasat Chen, na região setentrional do Camboja. Foi cortado pelos tornozelos durante a guerra que grassou no país e contrabandeado para o estrangeiro através da Tailândia. Em 2011, um leilão na Sotheby’s foi anulado e, após uma acção cível de arresto desencadeada pela administração federal dos EUA, a estátua foi devolvida.
 

Antonio A Alves

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“Essas peças deveriam ter originado sinais de alerta em todo o mundo. Ninguém poderia tê-las comprado ou vendido de boa fé”, afirma Tess Davis, directora-executiva da Antiquities Coalition. “Poucos anos antes, os coleccionadores lamentavam a ausência de arte cambojana nos EUA, mas, quando a guerra civil rebentou, o mercado foi inundado por obras-primas. Eram obras-primas sem indicação de proveniência, com marcas de roubo violento, por vezes cortadas nos tornozelos!”
Depois de ter rastreado os túmulos de Chesep-amon-taiecher, é difícil considerar a compra de artefactos sem indicação segura de proveniência como outra coisa que não cegueira propositada. O arqueólogo Ricardo Elia concorda. “Não há dúvida”, afirma, citando as leis fundamentais da economia. “Quem paga dinheiro por objectos saqueados está a promover mais saques.”
Há sinais de esperança. Em 2010, o Museu de Belas-Artes de Boston criou um novo posto de trabalho, o “curador de proveniência”, a primeira e única posição deste tipo existente no país. Em 2013, funcionários do Museu Metropolitano repatriaram voluntariamente duas significativas estátuas khmer.
No dia 23 de Abril de 2015, o túmulo de Chesep-amon-taiecher foi devolvido ao Egipto e encontra-se agora em exposição no Museu Egípcio do Cairo. Entretanto, alguns curadores de museus estão a solicitar a criação de uma base de dados de antiguidades para ajudar a desencorajar a pilhagem. Este entendimento é decisivo para os países de origem e para os de destino, afirma Sarah Parcak. A pilhagem prosseguirá até que os indivíduos que escavam no Egipto e os que compram no estrangeiro vejam as antiguidades não só como objectos bonitos, mas também como excertos vitais da narrativa do nosso passado.
“A história humana é a mais fantástica história alguma vez contada”, afirma Sarah Parcak. “A única forma de podermos compreendê-la é descobrindo-a em conjunto.” 
 
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