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Realidades - Porque é que os EUA decidiram deixar de usar prisões privadas

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GF Prata
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Realidades - Porque é que os EUA decidiram deixar de usar prisões privadas


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A prisão de Walnut Grove, no Mississipi, é uma das instalações, que será atingida pela decisão

Depois de uma análise detalhada sobre as condições de segurança e custos, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos anunciou na semana passada que pretende deixar de usar prisões privadas para abrigar presos sob custódia federal, numa decisão que encerra décadas de parceria e, segundo analistas, sinaliza uma mudança histórica da postura do governo americano.
"As prisões privadas tiveram papel importante durante um período difícil, mas o tempo mostrou que têm desempenho inferior se comparadas às nossas instalações (administradas pelo governo)", disse a subsecretária da Justiça, Sally Yates, em memorando.
"Não oferecem o mesmo nível de serviços correcionais, programas e recursos, não apresentam redução significativa de custos e não mantêm o mesmo nível de segurança e protecção."
A medida atinge apenas uma pequena fracção da população prisional do país, já que somente 12% dos presos federais estão em estabelecimentos administrados por empresas, e a maioria das prisões privadas são estaduais ou locais e não serão afectadas pela mudança.
"Apesar disso, é uma importante medida simbólica e poderá contribuir com o actual debate sobre o encarceramento em massa", disse à BBC o especialista em justiça criminal Marc Mauer, director-executivo do Sentencing Project, grupo que defende reformas no sistema de justiça criminal americano.
"O sistema de prisões privadas nos Estados Unidos cresceu tremendamente desde o seu início, nos anos 80, e este é o primeiro revés significativo em 30 anos", observa Mauer.

- Agressões e contrabando -


A decisão foi anunciada após a divulgação de um relatório do Office of Inspector General (Divisão de Fiscalização do Departamento de Justiça Americano) que analisou como as prisões privadas são fiscalizadas, se cumprem determinados padrões de segurança e como se comparam em relação às instalações operadas pelo governo federal.
O relatório concluiu que é preciso melhorar a fiscalização e revelou que as prisões privadas registaram mais casos de agressões, contrabando e motins, além de oferecerem menos serviços de reabilitação, como programas educacionais e de treino profissional.
O documento cita a existência de motins provocados pela má qualidade da comida e pelo atendimento médico.
Estes incidentes resultaram em amplos danos na propriedade, ferimentos e a morte de um agente penitenciário".
A mudança será gradual.
O Departamento de Justiça instruiu a sua agência responsável pela administração do sistema federal de prisões, o Bureau of Prisons, a não renovar os contratos com empresas privadas que começarem a vencer ou, nos casos em que ainda seja necessária renovação, reduzir "substancialmente" o seu número.
A decisão deve ser facilitada pela redução da população prisional federal que, segundo Yates, depois de crescer cerca de 800% entre 1980 e 2013 (levou o governo a recorrer a prisões privadas para aliviar a superlotação), começou a declinar.
O número de presos em unidades federais caiu de 220 mil em 2013 para menos de 195 mil actualmente (uma pequena parcela da população prisional total nos Estados Unidos), de cerca de 2,2 milhões de pessoas, incluídas em prisões estaduais e locais.
Dos 195 mil presos federais, cerca de 22 mil estão em 13 prisões privadas, localizadas nos Estados do Novo México, Oklahoma, Texas, Califórnia, Carolina do Norte, Georgia e Mississippi.
Yates espera reduzir esse número para cerca de 14 mil até Maio do ano que vem.

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A CCA é uma das administradoras das prisões dos EUA e afirmou estar decepcionada com esta decisão

- Reacções -


As três empresas que operam estas prisões privadas - Corrections Corporation of America (CCA), GEO Group e Management and Training Corporation (MTC) afirmaram estar decepcionadas com a decisão e criticaram as conclusões do relatório e a decisão do Departamento de Justiça.
"Se fosse baseada somente no declínio da população prisional, poderia haver alguma justificação.
Mas basear esta decisão em custos, segurança e oferta de programas é errado.
Os factos não sustentam estas alegações", diz a MTC em nota, ressalvando, que as prisões privadas abrigam uma população prisional mais homogénea, o que levaria a uma maior acção de gangues e, por isso, mais incidentes.
Segundo especialistas, porém, os problemas apontados no relatório não são novos.
"Estes problemas já foram identificados há mais de 20 anos", afirma Mauer.
Para ele, o que mudou foi o ambiente político no país e o debate sobre justiça criminal.
"Agora temos tanto liberais quanto conservadores defendendo reformas e redução da população prisional.
As lideranças políticas sentem-se mais confortáveis em examinar o sistema e descrever os seus problemas", salienta.
De acordo com o especialista em justiça criminal Martin Horn, professor do John Jay College of Criminal Justice e ex-chefe do departamento de correcções e liberdade provisória da cidade de Nova York, há nos Estados Unidos uma crescente objecção filosófica ao conceito de prisões privadas.
"As pessoas sentem que a administração de Justiça, punição e segurança pública não deve ser algo sujeito a controlo privado, e que é um modelo falível, devido à motivação dos operadores em obter lucros", disse Horn à BBC.

- Histórico -

Os Estados Unidos começaram a utilizar prisões privadas nos anos 80, quando as duras sentenças eram a resposta a uma onda de criminalidade no país, que fizeram a população prisional explodir.
No início, as empresas começaram a operar prisões privadas a nível local e estadual e, a partir de meados da década de 90, em instalações federais.
"A indústria de prisões privadas começou a aproximar-se dos governos e sugerir que poderia encarcerar pessoas a um custo menor e ajudar a combater a superlotação.
Mas ao mesmo tempo, também estavam prometendo aos seus accionistas a obtenção de altos lucros", observa Mauer.
Segundo Mauer, uma das maneiras de cortar os custos numa prisão, é pagar salários menores e oferecer menos treino aos guardas, o que leva a uma maior rotatividade e a uma força com menor experiência.
"Isso é parte do motivo pelo qual vemos relatos de problemas de segurança", salienta.
Horn ressalva, que os problemas não são exclusividade das prisões privadas.
"Há muitas prisões públicas que são simplesmente horríveis, e há prisões privadas que são boas", diz.

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Imagem da prisão federal de Yazoo, no Mississipi

Segundo Horn, cabe ao governo fiscalizar o cumprimento dos contratos.
"Nas situações em que o contrato é bem redigido e a fiscalização é rigorosa, acho que uma prisão privada pode ter bom desempenho, e há exemplos disso nos Estados Unidos como em outros países", afirma.

- Brasil -

As mesmas empresas que dominam o mercado americano de prisões privadas também têm actuação no exterior, administrando unidades em países como a Austrália, África do Sul e Grã-Bretanha.
No Brasil, está em discussão um projecto de lei que prevê a contratação de parcerias público-privadas para a construção e administração de estabelecimentos penais.
Enquanto defensores afirmam que seria a solução para um sistema prisional marcado pela superlotação, instalações insalubres e acções de facções criminosas, críticos temem que, com a privatização possa elevar o número de presos, sem melhorar as condições ou reduzir custos.
Horn não descarta a ideia de que poderia ser uma oportunidade para melhorar as prisões brasileiras.
"Por meio de parcerias público-privadas, o governo poderia encomendar novas construções utilizando capital privado.
A possibilidade de competição poderia criar incentivo para o sistema público melhorar", afirma.
Para Mauer, muitos dos problemas estruturais das prisões privadas nos Estados Unidos se aplicam a outros países. "É muito difícil gerar economia sem um efeito negativo sobre a segurança", destaca.
Mauer reconhece que as prisões públicas também têm problemas.
"Mas quando estão sob administração pública, existe uma maior fiscalização, os contribuintes podem ver os seus impostos melhor empregues", ressalta.
"Não há nada de errado com o governo trabalhar com o sector privado, mas quando estamos falar de privação de liberdade, parece-me perturbador entregar essa função a quem oferece o menor preço e está procurando simplesmente o lucro", diz Mauer.

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Dos 195 mil presos federais, cerca de 22 mil estão em 13 prisões privadas

- Efeito limitado -

Todos os envolvidos no debate, contrários ou a favor da mudança, reconhecem que o seu efeito imediato será limitado, já que a medida não se aplica às prisões privadas estaduais e locais, nem àquelas que abrigam acusados de violar as leis de imigração, que são federais, mas ligadas ao Departamento de Segurança Interna e não ao Departamento de Justiça.
"A decisão serve de alerta para a indústria de prisões privadas, de que deve corrigir os problemas, mas não será o seu fim", prevê Horn.
A medida, porém, pode ser um primeiro passo para uma mudança mais ampla.
"Pode influenciar a maneira como os Estados usam as prisões privadas.
Eles não têm obrigação de seguir o governo federal, mas como acções ao nível federal recebem muita atenção, pode gerar um efeito cascata em alguns Estados nos próximos anos", afirma Mauer.

BBC
 
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