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Advogado. Sigilo profissiona

santos2206

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[h=2]Tribunal da Relação de Lisboa, Acórdão de 23 Fev. 2017, Processo 1130/14[/h]
Não está a coberto do sigilo profissional a eventual prática de ilícitos criminais por parte do próprio mandatário

ADVOGADO. SIGILO PROFISSIONAL. Só estão abrangidos pelo segredo profissional do advogado os factos que resultem do desempenho desta atividade profissional, excluindo-se tudo aquilo que é comunicado ao advogado, mas que não respeite a atos próprios da advocacia, ou seja, todos os acontecimentos da vida real que não se prendam com este desempenho profissional, mesmo que cheguem ao conhecimento do advogado no seu local de trabalho. Nestes termos, os factos denunciados e em investigação dizem unicamente respeito à eventual prática de ilícitos criminais por parte do próprio mandatário, que nunca poderá considerar-se compreendida no exercício das funções profissionais de um advogado, sendo violadora do dever deontológico de agir de forma a defender os interesses legítimos do cliente, sem prejuízo do cumprimento das normas legais e deontológicas. Assim, o depoimento da advogada não resulta na violação do sigilo profissional.
Disposições aplicadas
L n.º 15/2005, de 26 de Janeiro (Estatuto da Ordem dos Advogados) art. 87.5; art. 110
DL n.º 78/87, de 17 de Fevereiro (Código de Processo Penal) art. 126.3
Meio processual
1.ª Secção de Instrução Criminal da Instância Central de Lisboa da Comarca de Lisboa, Juiz 2, proc. n.º 1130/14.7TDLSB

Ler os pontos a vermelho do Acordão



Texto

I – «Tanto o dever de sigilo que a lei substantiva prescreve como o direito ao sigilo que o direito processual reconhece, visam salvaguardar simultaneamente bens jurídicos de duas ordens distintas. A par dos interesses individuais da preservação do segredo sobre determinados factos, protegem-se igualmente valores ou interesses de índole supra-individual e institucional que, por razões de economia, poderemos reconduzir à confiança sobre que deve assentar o exercício de certas profissões.»II - Presentemente, é clara a prevalência da tutela da privacidade, bem jurídico pessoal, face ao bem jurídico supra-individual institucional, perante a previsão do art. 195.º do CP, sem prejuízo de os valores supra-individuais, que se «identificam com o prestígio e confiança em determinadas profissões e serviços, como condição do seu eficaz desempenho», aparecerem sempre incindivelmente associados à punição da violação do sigilo profissional, embora «com o estatuto de interesses (apenas) reflexa e mediatamente protegidos».III - Estão abrangidos pelo segredo profissional do advogado os factos que resultem do desempenho desta actividade profissional, podendo advir da violação desse dever de reserva, para além de responsabilidade criminal e civil, também consequências no plano estatutário e no plano processual.IV – A eventual prática de ilícitos criminais por parte do próprio mandatário nunca poderá considerar-se compreendida no exercício das funções profissionais de um advogado, sendo violadora, para além do mais, do dever deontológico de agir de forma a defender os interesses legítimos do cliente, sem prejuízo do cumprimento das normas legais e deontológicas.V - Não pode fazer-se apelo ao sigilo profissional para encobrir a eventual prática de actos ilícitos, de natureza criminal, por parte do mandatário, pois que, não constituindo acto próprio da advocacia, se mostra excluída da esfera de protecção da norma em causa (o art. 87.º da Lei n.[SUP]o[/SUP] 15/2005, de 26-01, com as alterações do DL n.[SUP]o[/SUP] 226/2008, de 20-11, e da Lei n.[SUP]o[/SUP] 12/2010, de 25-06, e actualmente o art. 92.º da Lei n.[SUP]o[/SUP] 145/2015, 09-09).(sumário elaborado pela relatora)

[h=3]I. Relatório[/h]1. Nos autos de Inquérito (Actos Jurisdicionais) que, com o n.[SUP]o[/SUP] 1130/14.7TDLSB, correm termos na Comarca de Lisboa, Lisboa - Instância Central - 1.ª Secção Instrução Criminal - Juiz 2, em que é arguido J..., identificado nos autos, e outros, em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, que teve lugar em 17-04-2016, o ora recorrente veio arguir a nulidade da denúncia efectuada e de toda a prova carreada para os autos através do depoimento da denunciante, porque proveniente de consulta jurídica e por isso violadora das regras de sigilo profissional.
2. Na sequência da referida diligência foi proferido despacho que aplicou medidas de coacção e relegou a apreciação das nulidades invocadas para momento posterior, após cumprimento do contraditório, vindo em 04-05-2016 (a fls. 246-256, fls. 4719-4729 dos autos principais) a ser proferido despacho que, para além do mais, indeferiu essa arguição de nulidade.
3. Inconformado com essa decisão, veio o arguido dela interpor o presente recurso, que termina com as seguintes conclusões (transcrição):
«1.ª No processo penal vigora o princípio da legalidade dos meios de prova. O artigo 125.º do CPP com a epígrafe "Legalidade da prova" estabelece que "São admissíveis os meios de prova que não forem proibidos por lei".
2.ª Como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, 2007, na anotação XV ao artigo 32.º, pág. 524, "Os interesses do processo criminal encontram limites na dignidade humana (art. 1.º) e nos princípios fundamentais do Estado de direito democrático (art. 2.º), não podendo, portanto, valer-se de actos que ofendam direitos fundamentais básicos. Daí a nulidade das provas obtidas sob tortura ou coacção (nulidade e não mera irregularidade. Cfr. AcTC n.[SUP]o[/SUP] 528/03) obtidas com ofensa da integridade pessoal, da reserva da intimidade da vida privada, da inviolabilidade do domicílio e da correspondência ou das telecomunicações (n.[SUP]o[/SUP] 8; cfr. arts. 25.º-1 e 34.º), não podendo tais elementos ser valorizados no processo".
3.ª Invocando Gössel, Costa Andrade, Sobre as proibições de prova em processo penal, 1992, Coimbra Editora, 1.ª Edição (Reimpressão), Outubro de 2013, pág. 83, afirma que as proibições de prova são «barreiras colocadas à determinação dos factos que constituem objecto do processo», adiantando que "o que define a proibição de prova é a prescrição de um limite à descoberta da verdade. Normalmente formulada como proibição, a proibição de prova pode igualmente ser ditada através de uma imposição e, mesmo, de uma permissão".
4.ª Como salienta o Costa Andrade, na pág. 75, "não parece que deva encarar-se o arguido como titular ou portador exclusivo dos direitos, interesses ou bens jurídicos cuja salvaguarda pode ditar, em concreto, balizas à descoberta da verdade. Pelo contrário, só uma arrumação e imputação policêntricas daqueles interesses abrirá a porta a uma adequada compreensão teleológica das proibições de prova. (...) As proibições de prova podem resultar do primado reconhecido a valores ou interesses de índole supra-individual como os subjacentes ao Segredo de funcionários e Segredo de Estado (arts. 136.º e 137.º do CPP)".
5.ª Nesta linha, Susana Aires de Sousa, Agent procateur e meios enganosos de prova, Liber Discipulorum para Jorge de Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2013, págs. 1212/3, afirma: "Enquanto expressão de um Estado de Direito, o ius puniendi há-de aparecer perante o delinquente como um poder dotado de superioridade ética, como expressão das suas mãos limpas, como refere Radbruch. Neste sentido, a protecção dos direitos fundamentais manifestada no regime das proibições de prova, não tutela apenas o seu titular mas a própria credibilidade, reputação e imagem do Estado de Direito. Além dos direitos fundamentais, as proibições de prova podem resultar ainda da guarida concedida a outros valores ou interesses: o segredo de estado, o segredo profissional, até mesmo a descoberta da verdade (v. g. artigos 132.°, n.[SUP]o[/SUP] 2 e 134.° do CPP)".
6.ª As proibições de prova dão lugar a provas nulas - artigo 38.°, n.[SUP]o[/SUP] 2, da CRP.
7.ª A lei portuguesa proíbe as provas fundadas na violação da integridade física e moral do agente e as provas que violem ilicitamente a privacidade.
8.ª À semelhança do que sucede com outras categorias profissionais, o Advogado está obrigado a guardar segredo relativamente a factos que lhe advenham através do exercício da sua actividade profissional, conforme imposição prevista pelo artigo 87.° do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), aprovado pela Lei n.[SUP]o[/SUP] 15/2005, de 26 de Janeiro (Diário da República, Série I-A, n.[SUP]o[/SUP] 18, de 26 de Janeiro de 2005, alterada pelo Decreto-Lei n.[SUP]o[/SUP] 226/2008, de 20 de Novembro e pela Lei n.[SUP]o[/SUP] 12/2010, de 25 de Junho).
9.ª Os Advogados desempenham um relevante papel no exercício de uma função de soberania, a administração da justiça, como reconhece o artigo 208.° da Constituição, que estabelece sob a epígrafe "Patrocínio forense":(...............)



[h=3]II. Fundamentação[/h]
Explica Costa Andrade (1) que o art. 135.º do CPP «outorga a um círculo de profissões, em nome do sigilo profissional, um direito de recusa de depoimento, isto é, um direito ao silêncio. Na medida em que este direito subsiste, a lei processual penal comete à disponibilidade dos membros das profissões a decisão sobre o sentido do seu exercício concreto. A livre decisão, por exemplo, do médico bastará para, só por si - independentemente de assentimento ou oposição do titular do segredo - para introduzir um meio de prova processualmente admissível. O quadro poderá ser outro do lado do direito penal substantivo», em que a falta de «consentimento» converterá a revelação do segredo em conduta típica, uma vez que a lei penal sanciona, no seu art. 195.º, «Quem, sem consentimento revelar segredo alheio de que tenha tomado conhecimento em razão do seu estado, ofício, emprego, profissão ou arte.»

«Tanto o dever de sigilo que a lei substantiva prescreve como o direito ao sigilo que o direito processual reconhece, visam salvaguardar simultaneamente bens jurídicos de duas ordens distintas. A par dos interesses individuais da preservação do segredo sobre determinados factos, protegem-se igualmente valores ou interesses de índole supra-individual e institucional que, por razões de economia, poderemos reconduzir à confiança sobre que deve assentar o exercício de certas profissões.» (2) (.................)

«(...) o segredo profissional mostra-se inerente, não ao próprio advogado em si, mas à actividade desenvolvida por este profissional da Justiça, o que significa que nem todos os factos transmitidos ou conhecidos pelo advogado estão a coberto do dever de confidencialidade previsto pelo artigo 87.º, n.[SUP]o[/SUP] 1, do EOA, mas simplesmente aqueles que sejam relativos ao exercício desta actividade profissional.(......................)

Conforme muito a propósito deixou assinalado Augusto Lopes Cardosoin "Do Segredo Profissional na Advocacia", 1998, pág. 26,
"Para haver legitimidade e obrigação para a manutenção do segredo forçoso é que, por um lado, se trate de factos conhecidos no exercício da profissão e que, por outro lado, eles sejam relativos a esse exercício.".»
Como refere a Senhora advogada Catarina Luís Pires, in "O Advogado Enquanto Confidente Necessário: Entre o Dever de Sigilo e o "Dever de Justiça"
(9) , «Se o Advogado se presta a colaborar na prática de factos ilegais, especialmente de natureza criminosa, provavelmente haverá que ajuizar da participação do mesmo no crime, como co-autor ou cúmplice do seu cliente. Mas, se assim é, caem por terra os fundamentos de aplicação dos institutos deontológicos previstos no EOA, designadamente o do sigilo profissional. Não só por não ser este o propósito e o âmbito do dever funcional de sigilo, mas também porque a conduta do Advogado infringe muitos outros deveres deontológicos a que está vinculado (cfr. artigos 76º e 78º EOA).» (..............)


III. Decisão

Em face do exposto, acordam os Juízes da 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido, J..., confirmando a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs (arts. 513.º, n.[SUP]os[/SUP] 1 e 3, e 514.º, n.[SUP]o[/SUP] 1, ambos do CPP, 8.º, n.[SUP]o[/SUP] 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III a ele anexa).
Notifique.
(Certifica-se, para os efeitos do disposto no art. 94.º, n.[SUP]o[/SUP] 2, do CPP, que o presente acórdão foi elaborado e revisto pela relatora, a primeira signatária)

Lisboa, 23.02.2017
xxxxxxxxxxxxxxx





 
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