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Reportagem-90 horas no Irão: beldades persas, bazares e Carlos Koorosh

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GF Ouro
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Set 27, 2006
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No bazar, no restaurante ou na livraria, lá estão as fotos de Khomeini e do seu sucessor Ali Khamenei, como que a vigiar para que a Revolução Islâmica não seja posta em causa. Mas seja na forma como usam o lenço no cabelo ou como cada vez mais consomem produtos ocidentais, as iranianas e os iranianos dão sinais de ambicionar uma sociedade aberta. Durante quatro dias, o DN andou pela antiga Pérsia, país muçulmano xiita e tão especial que até faz questão de manter um calendário solar em vez do lunar usado pelos árabes. Vivem em 1396 e são um povo acolhedor.


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9 de dezembro (18 de Azar de 1396)



Está céu limpo em Teerão e menos um grau de temperatura, anuncia o piloto da Turkish Airlines. São 06.48 quando o avião aterra no aeroporto Imã Khomeini, três horas e meia a mais do que em Lisboa. Sem grande pressa, os cabelos das passageiras cobrem-se com lenços. Quase nenhuma, seja estrangeira ou iraniana, o tinha quando entrou a bordo em Istambul. E mesmo agora, nos seus tons de azul, roxo ou cinza, os lenços são postos deixando a franja a descoberto, como na beldade persa que se senta no lugar à minha frente. O nariz perfeitíssimo, os lábios carnudos e as sobrancelhas tatuadas parecem confirmar o que já li sobre o extremo cuidado das iranianas com o corpo, sobretudo o rosto, com a arte dos cirurgiões a ajudarem uma genética já por si generosa.
Voei a convite da EuroAtlantic Airways, empresa do português Tomaz Metello, que tem autorização para pôr os seus aviões a ligar Lisboa e Teerão, mas precisa que a atribuição de vistos seja facilitada. Sou considerado CIP, "que quer dizer commercially important people", esclarece-me Eugénio Fernandes, administrador da EuroAtlantic e visitante já habitual do Irão, "um país de gente acolhedora, que nada tem que ver com aquilo que se diz". Entregamos pois os passaportes, e enquanto os vistos são conferidos e as malas recolhidas, temos uns sofás para nos sentarmos e comida e bebida à discrição. Nada de álcool, evidentemente. O país está cada vez mais aberto mas continua a ser a República Islâmica criada por Khomeini em 1979, depois da fuga do xá, e numa das paredes está a sua fotografia, ao lado da do sucessor, Ali Khamenei. Para os mais carentes, só vislumbro cerveja sem álcool, da marca HeyDay, fabricada no Irão. "Vão ser dias de muito chá e coca-cola", comenta um dos seis jornalistas portugueses comigo, enquanto na televisão passam imagens de Carlos Queiroz, o português mais famoso, e querido, destas terras. Apurou a seleção de futebol para o Mundial na Rússia. E agora a equipa iraniana até calhou no grupo de Portugal, mais Espanha e Marrocos.

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São 40 quilómetros por autoestrada até Teerão. Duas horas de espera, mesmo numa sala VIP (ou CIP), moem quem está a viajar há umas 12 horas e a paisagem do chamado deserto do sul de Teerão também não anima. Impressionante só a neve nos cumes dos montes Zagros. Um outdoor com o rosto de Ali Khamenei proclama "Economia de resistência: maior produção e criação de empregos", tradução feita por Sépideh Radfar, académica iraniana que dá aulas em Portugal e tem uma agência de viagens em Lisboa. Também ela está ansiosa por Portugal dar mais vistos a turistas iranianos, pois, garante, "a curiosidade pelo país é cada vez maior". Passamos por inúmeros carros e vejo aqui e além um Peugeot ou um Toyota, mas não reconheço a maioria. Fico a saber que são de produção iraniana, de marcas como a Fars. Entrados já na gigantesca Teerão, com nove milhões de habitantes, passamos na parte sul, mais pobre, mas mesmo assim com um ou outro parque infantil junto aos prédios castanhos que, por vezes, têm pintadas imagens enormes de mártires, os soldados caídos na guerra de 1980-1988 com o Iraque.




"Olhem ali o Carlos Queiroz!" Fomos vários a gritar. Outro outdoor, desta vez com o treinador português a fazer publicidade a um banco. Já percebi que, mesmo estando por estes dias de férias fora do Irão, o antigo bicampeão mundial de juniores à frente de Portugal vai ser tema constante das conversas. São 10.15 e vemos à nossa direita a Torre Milad, que foi a estrutura mais alta do Médio Oriente até os Emirados e a Arábia Saudita se lançarem na corrida aos arranha-céus. Alto também é o nosso hotel, 21 andares numa colina na parte norte de Teerão, a mais rica da capital. Uma mensagem de boas-vindas em português recebe-nos no átrio do Espinas Palace.


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À espera para um pequeno-almoço estão o embaixador de Portugal, João Côrte Real, e o delegado da AICEP, Nuno Várzea. Estão mais ou menos há um ano cada no Irão, um vindo da República Democrática do Congo, o outro da Tunísia. Percebe-se, depois dos tempos atribulados nas anteriores missões, que elogiem ambos a "segurança" do Irão, o "cosmopolitismo das pessoas", a "grande proximidade cultural" entre iranianos e portugueses. O embaixador recorda mesmo as nossas relações históricas, de há meio milénio, quando controlávamos Ormuz, onde há uma fortaleza portuguesa. Nuno Várzea, por seu lado, fala do crescimento das trocas comerciais, de como empresas portuguesas como a Parfois, de bijutaria, estão interessadas em aproveitar o boom iraniano, mas como mesmo assim é pouca a atenção dada a este país de 80 milhões de pessoas. Ambiciona mais negócio, seja comércio seja investimento. "Para isso ajudava que fossem passados mais vistos pela Embaixada de Portugal", nota Caetano Pestana, o outro elemento da EuroAtlantic que integra a comitiva. Lamenta ter conhecimento de que "centenas de iranianos não conseguem visto a tempo porque o consulado aceita no máximo dez marcações por dia" e que isso é um dos empecilhos à abertura do desejado voo direto Lisboa-Teerão. João Côrte Real diz estar consciente da situação, mas ter já indicações do Ministério dos Negócios Estrangeiros de que em 2018 haverá melhorias. Quem passa só para nos cumprimentar é o diretor do Espinas. Surpresa: é português, chama-se Mário Candeias e é um antigo quadro do Grupo Pestana. Afinal não é Queiroz o único português a fazer carreira na antiga Pérsia, "uma cultura plurimilenar", como nota o embaixador.




Uma ida ao quarto para um par de horas de sono, almoço ignorado, e a tarde começa perto das 15.00. Com a carrinha a avançar a passo de caracol pelas ruas de Teerão, dá para ver a vedação que protege uma importante prisão e para se comprar uns junquilhos a um vendedor de flores. Uma hora depois, finalmente o Complexo Saadabad, onde o antigo palácio do xá, hoje um museu, nos oferece uma introdução ao homem que reinou até cair em desgraça no final dos anos 1970, abandonado pelo seu povo, mas também pelos aliados americanos, que até lhe recusaram asilo político depois de ter perdido o poder para os ayatollahs. Vejo o seu gabinete, também o quarto de dormir. E na sala de banquetes é relembrado que o último grande jantar foi com Jimmy Carter, o presidente dos Estados Unidos que teve de enfrentar depois a crise dos reféns na embaixada americana. Os cerca de 400 americanos só foram libertados depois da tomada de posse de Ronald Reagan, que derrotou Carter nas eleições de 1980, uma curiosa decisão dos clérigos que até hoje mandam nos destinos do grande país do islão xiita.


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Avisto dois bustos de Reza Pahlavi e da imperatriz Farah Diba no chão da chamada sala de espera, mas o que me impressiona mais são os carros do xá, num museu próximo. Rolls-Royce, Mercedes e Cadillac são algumas das marcas apreciadas pelo monarca. O folheto explicativo do Complexo Saadabad mostra uma notável objetividade ao referir-se a Reza Pahlavi, sinal de que os iranianos começam a tentar fazer as pazes com a sua história recente.




Na parte mais alta de Teerão, o bairro de Darband é frequentado pela juventude iraniana. Casais passeiam, elas de novo verdadeiras beldades de cabelos negros e olhos quase do mesmo tom ou por vezes verdes, com o modo descontraído como deixam o lenço quase cair para trás da cabeça a ser uma moda. Ouve-se a chamada do muezzin para a oração, creio que a chamada Maghrib, pois já escureceu apesar de não ser ainda 17.30. É numa das casas de chá, junto a um aquecedor a gás, que decorre a conversa com Shahriar Tavoussi, professor de Engenharia, que também tem negócios e anda há algum tempo de olho em Portugal. Para já tenta negociar a importação de autocarros e também, via uma associação desportiva náutica que integra, vê como oportunidade o intercâmbio de turistas. É outro que pressiona para mexidas no sistema de vistos, até porque o fim das sanções tem feito a economia do Irão crescer e novo tipo de consumo surge. Aproveito estar perante um académico para perguntar o que se aprende na escola iraniana, até ao secundário, sobre Portugal: "Descobertas e Vasco da Gama", é a resposta. Para logo a seguir, meio a brincar, acrescentar que "hoje talvez os miúdos conheçam mais Carlos Queiroz e Cristiano Ronaldo do que Vasco da Gama".


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A noite acaba com um jantar no Zayeb, parte de uma cadeia de restaurantes que começou no grande bazar de Teerão. Faz justiça à fama do seu kebab. Provo uma bebida de iogurte salgado com um toque de menta chamada doogh. Acho saborosa e refrescante. Mas vêm muitas coca-colas para a mesa, sinal de que até as marcas americanas não podem ignorar o mercado iraniano apesar da tensão criada por Donald Trump ao duvidar do acordo sobre o nuclear que Barack Obama, seu antecessor na Casa Branca, assinou e que permite vigiar que projeto iraniano é só para fins civis. Otimista está o nosso convidado, pertencente ao maior grupo turístico iraniano, pois os signatários europeus dizem que as autoridades de Teerão cumprem o acordado. Percebe-se assim que para Saeed Tayvace o turismo tenha um futuro brilhante, apoiado pelo presidente Hassan Rouhani, e que "Portugal, cujo clima quente no inverno é uma grande vantagem, precisa de esforçar-se para ser alternativa a destinos europeus tradicionais para os iranianos".





10 de dezembro (19 de Azar de 1396)







Começo a manhã a ler o Tehran Times. Na primeira página destaca-se a fotografia de Boris Johnson, o ministro dos Negócios Estrangeiros britânico. Também há uma notícia sobre Jerusalém, que é Al-Quds para os iranianos, grandes apoiantes dos palestinianos. E chama-me a atenção o festival de documentário em Teerão, cidade que tem estúdios de cinema como poucas e serviu de cenário a obras-primas do cinema iraniano como Táxi de Jafar Panahi ou Dez de Abbas Kiarostami.





E são quase dez quando chego à Praça Tajrich, junto a um dos bazares de Teerão. Não é um sítio turístico, antes um local onde os iranianos vão às compras. Converso com Mansur, que vende tachos e panelas e almofarizes para esmagar o açafrão. Fala inglês e quando percebe que sou português conta que esteve a trabalhar nos Camarões e teve um colega chamado Luís. Claro, elogia também Carlos Queiroz. Menos resultado tem a minha visita à barbearia Noor, pois ninguém fala inglês e Sépideh não está por perto. De repente, cá fora, oferecem-me chá. E também pão. E bolos. Fico a saber que é uma tradição xiita vir para junto de uma mesquita recordar os familiares falecidos oferecendo comida e bebida a quem passa. E não é uma mesquita qualquer aquela que será a primeira que visitarei no Irão: chama-se Imamzadegh Saleh e homenageia um descendente do profeta. Os xiitas são o ramo do islão que sempre defendeu a legitimidade da família de Maomé, nomeadamente os descendentes da sua filha Fátima com Ali, o quarto califa.

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Maior contraste com o bazar de Tajrich do que o centro comercial Palladium, não muito longe, é difícil de imaginar. Sob o olhar de Khomeini e Khamenei, cujas fotografias estão logo à entrada do prédio de mármore rosa, muitas marcas ocidentais já se instalaram aqui, casos da Springfield, da Geox ou da Adolfo Dominguez. Mas o fascínio pelo que vem de fora não é apenas pela roupa. A Bookland tem discos de todo o género, de Shawn Mendes a Andrea Bocelli, e nos livros também não faltam grandes escritores europeus e americanos traduzidos para farsi. Nas paredes, quadros de vários Nobel. Camus surge primeiro, depois García Márquez, também Beckett e Günter Grass. Não vislumbro Saramago, mas um jornalista iraniano contou-me ter lido Ensaio sobre a Cegueira, que terá sido um êxito.




O almoço está marcado para um espaço também modernista, na Avenida Fereshteh, daquelas onde os preços das casas batem recordes. Talvez por isso o Royal Address fique mesmo na esquina, um espaço mobilado como se fosse uma fábrica, com bancos de cores garridas feitos barris de petróleo pintados (não esquecer que estamos num dos grandes exportadores de crude) e menu global, basta ver que num canto está a Burger Works, noutro a Pizza Pasta, noutro anda a Mexico City. É a primeira vez que vejo rapazes e raparigas em grupo, na esplanada no primeiro andar, a conversar e a fumar juntos à mesa.




Regresso por volta das 15.30 ao Espinas, que está cheio de comitivas empresariais chinesas. Encontro-me com um grupo de potenciais investidores em Portugal e a habitual queixa na demora em obter visto. Uns querem exportar pistácios e açafrão, outros enviar turistas.




Finda a reunião, bebo um café turco no bar do hotel e troco umas palavras com um empresário que já conhece Portugal e que está entusiasmado com o país e é desde há alguns meses dono de um hotel em Lisboa. "Os iranianos e os portugueses têm tudo para se dar bem", diz, lamentando também ele a falta da tal ligação direta entre as duas capitais.




Também já com contactos em Portugal, e a vontade de ter uma parceria com a Sonae, o dono do HiperMe recebe o grupo de portugueses na sede da empresa e depois faz uma visita guiada por um do seus hipermercados, no centro comercial Mega. "As compras no bazar são ainda a regra, mas os consumidores iranianos querem mais, sobretudo mais qualidade e diversidade", explica M. Alipour, acrescentando que "os produtos chineses não cativam, mesmo sendo mais baratos". Atentos às oportunidades, mesmo que diferentes sistemas bancários tragam algumas dificuldades nos negócios, marcas como a Nescafé, a Coca--Cola, a Snickers ou os chocolates suíços Villars já se adiantaram. Também se encontram azeites italianos, mas nenhum produto português, nem sequer na secção das conservas. Aliás, o único sinal de Portugal é um pequeno guia sobre Lisboa em farsi, o que significa que a crescente classe média iraniana já descobriu a capital europeia na moda.


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A noite acaba na Kassab, uma churrascaria, por volta das 21.00. Como álcool no Irão só em casa e mesmo assim à margem da lei, novamente doogh para acompanhar o kebab e as costeletas de borrego. A alternativa é Coca-Cola ou água.







12 de dezembro (21 de Azar de 1396)


Só mesmo sair às cinco e meia da manhã para não se ficar preso no trânsito de Teerão. Menos de 45 minutos depois, o Mausoléu de Khomeini, aberto durante 24 horas e visitável por não muçulmanos. O controlo de segurança é rígido, afinal há seis meses o Daesh fez aqui um atentado. Um repórter fotográfico fica à porta e de nada vale protestar. Mas já dentro o uso discreto do telemóvel passa despercebido e consigo fotografar o recinto envidraçado com cúpula de ouro onde estão os túmulos do fundador da república islâmica, do seu filho Ahmad e desde janeiro de 2017 do antigo presidente Rafsandjani, figura respeitada tanto pelos liberais como pelos conservadores do regime. Estão centenas de pessoas no interior do mausoléu, cujo chão está todo coberto de tapetes persas, mas de fabrico industrial. Os tradicionais são caríssimos. Como me explicou Sépideh, "uma mulher leva um ano a fazer um de seis metros quadrados". Num recanto, muita gente a dormir. Homens. Noutro, com cortinas, dormem as mulheres. Quando saio, cruzo-me com um guarda armado com metralhadora. Fala para um rádio. Olha rápido para a identificação de jornalista que trago ao peito, mas nada me diz. Pelo contrário, momentos antes um visitante tinha-me chamado e a três outros portugueses de "capitalistas".




O destino é Isfaão, antiga capital durante a dinastia safávida e são uns 400 quilómetros. De um lado e do outro da autoestrada pequenas montanhas áridas acastanhadas. Atravessamos a cidade santa de Qom, ultrapassamos um camião que ostenta cachecóis do Liverpool e da seleção espanhola, avistamos um caravançarai dos tempos da Rota da Seda, vemos umas instalações (nucleares?) protegidas por uma bateria de mísseis, mas a verdadeira excitação entre os jornalistas portugueses é o outdoor com Carlos Queiroz quase à entrada de Isfaão. De novo a publicidade ao Saman Bank, por entre fotos de mártires e cartazes do campeonato de luta greco-romana, o segundo desporto mais popular depois do futebol (e aquele que costuma dar medalhas olímpicas ao Irão).




Passa já do meio-dia quando entramos no Palácio do Governador, cujas paredes e teto refletem a mestria dos artesãos da cidade. São belos arabescos com séculos. "Bem-vindos a Isfaão. Esta sala é só uma amostra do que vão poder ver. Temos monumentos desde há três mil anos", diz o senhor Karimi, adjunto do governador. Somos recebidos pelas autoridades a pedido da EuroAtlantic e cabe a Caetano Pestana informar que está no horizonte uma ligação aérea Lisboa-Teerão, quem sabe Lisboa-Isfaão. Ficamos a saber que os turistas franceses, alemães, japoneses e italianos são os mais numerosos a visitar a capital cultural iraniana, cidade de dois milhões de habitantes. "Gostávamos de receber portugueses. Os laços entre os nossos países são antigos. Tiveram uma parte boa e outra menos boa, mas não deixam de ser laços muito antigos", sublinha Karimi, referindo-se aos tempos da presença portuguesa em Ormuz e das guerras luso-persas.




Emad Sadegzadeh passa a acompanhar-nos, depois de uma passagem pelo hotel Abbasi, talvez o mais famoso do Irão. Conhece ao pormenor a história de Isfaão e leva-nos à mais antiga das 12 igrejas da cidade, construída em 1606 para os cristãos arménios. Hoje a comunidade terá umas seis mil pessoas, esclarece o guia. Tolerante com as minorias, o Irão sempre estabeleceu regras para a convivência. E se foi em resposta a um pedido de um embaixador de Portugal que a Igreja de São José de Arimateia foi autorizada, nem por isso Abbas I deixou de exigir que por fora não se distinguisse das mesquitas, logo a cúpula. É dentro que a exuberância se revela, com "a mistura de três estilos, o islâmico persa, o arménio e o europeu", explica Sadegzadeh.

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São 15 horas e a imensa Praça Naqsh-e Jahan, a segunda maior do mundo depois de Tiananmen e classificada comopatrimónio mundial pela UNESCO, está quase vazia, assim como o bazar que a envolve. À porta da sua loja, Ehsan Ghobadi oferece chá de açafrão a quem passa. É um convite a entrar. Apreciado pelo intenso sabor, o açafrão iraniano é único e um quilo pode custar, mesmo aqui, mais de dois mil euros. Compro um grama, dezenas de fios vermelhos, que Ghobadi pesa numa balança eletrónica e coloca num pequeno recipiente de plástico a imitar vidro: dois euros.



Tapetes, latoaria, cerâmica, vidros, fabulosos tabuleiros de xadrez com peças a recriar os exércitos de Dario ou de Ciro. No bazar de Isfaão vende-se de tudo. E encontra-se todo o tipo de gente. Uns minutos antes, quando visitava a mesquita Shah, deparei-me com alguém que falava português, Liliana, turista alemã, filha de imigrantes em Berlim. Agora é um vendedor de tapetes, Parsah Golemi, que exibe os conhecimentos da nossa língua, que aprendeu na internet, a partir do espanhol, que já falava. Com uma espécie de turbante, barba comprida e tom de pele mais escuro do que o habitual entre os persas, parece um sikh da Índia. E lá está, a conversa vai de novo dar a Carlos Queiroz que, fico a saber, é conhecido como Koorosh, como se fosse também persa. "Los iranianos o amam", proclama Golemi, num delicioso sotaque que ainda mistura espanhol e português.



São 17 horas. Pausa na casa de chá Azadegar, escondida num labirinto de corredores de uma loja de esculturas de metal, também de espadas, lanças e escudos, como nos tempos em que o império persa guerreava com as cidades gregas, já lá vão 2500 anos. Hoje o Irão vive sobretudo em permanente tensão com Israel, que não acredita que as ambições nucleares dos ayatollahs, sejam pacíficas. E enfrenta ainda em palcos diversos, como a Síria e o Iémen, e sempre por interpostos combatentes, a Arábia Saudita, campeã do islão sunita, a que obedecem 90% dos 1500 milhões de muçulmanos.




Pouco a pouco o bazar de Isfaão vai ganhando clientes. Caiu entretanto a noite e a beleza da Praça Naqsh-e Jahan parece ainda maior, com as cúpulas das mesquitas a dar-lhe um ar de mil e uma noites. Faço algumas compras, com Farideh às vezes a servir de intérprete e a conseguir desconto. Ela que tem uma agência de viagens em Lisboa e sonha pôr gente, muita gente, a ir de Portugal ao Irão e vice-versa se o problema da emissão de vistos se resolver como prometeu o embaixador. "Os iranianos são mesmo um povo acolhedor, não é?" Só posso responder que sim. Foram quatro dias impressionantes, de contacto com um país que só é notícia por causa da política. Iniciamos o regresso a Teerão, para o aeroporto. Vai ser uma viagem de minibus de quatro horas, ao som de música moderna iraniana, que Ali, o motorista, escolhe. Fixo um nome: Ahmed Homayoun. Do jantar no Shahrzad pouco a contar, tirando umas codornizes grelhadas que ainda não tinha experimentado. Mas antes, na última das lojas que visitámos, mais uma pequena surpresa: entre ímanes com fotos de Khomeini, de Kiarostami ou de Brad Pitt, também os dedicados a Koorosh, Carlos Koorosh, como se diz aqui. Uma final entre Portugal e o Irão foi o desejo de muita gente. Para que a antiga Pérsia seja notícia por excelente razão.





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