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TRANSPORTE AÉREO. DANOS NÃO PATRIMONIAIS" O que disse o Tribunal"

santos2206

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Tribunal da Relação de Lisboa, Acórdão de 16 Nov. 2017, Processo 7840/16

Relator: FRANCISCA MENDES.
Processo: 7840/16




Texto
Embora da ocupação de um lugar em classe económica em vez da ocupação em lugar de classe executiva não resulte perda de dignidade para as pessoas que ocupam tais lugares, importa considerar, a título de danos não patrimoniais, os notórios transtornos físicos resultantes da mudança, numa viagem aérea de Lisboa para o Brasil.(Sumário elaborado pela Relatora)


Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa.

I-Relatório:

A e B a presente acção declarativa comum contra C., pedindo a condenação da Ré a pagar aos Autores, a título de indemnização, valor não inferior a € 7500,00, acrescido de juros vencidos e vincendos, desde a data da citação até integral pagamento.
Para tal alegaram, em síntese:
- Os AA. viajaram de Portugal para o Brasil, onde residem, em voo da Ré, tendo reservado a sua viagem através do programa de milhas disponibilizado pela Companhia;
- Os AA. adquiriam dois bilhetes em classe económica;
- No dia da viagem e já no aeroporto, tendo verificado a existência de dois lugares vagos na classe executiva, solicitaram ao balcão o upgrade - alteração positiva - dos seus lugares para aqueles disponíveis, através da disponibilização das milhas necessárias para o efeito, o que a Ré aceitou, tendo-lhes entregue novos cartões de embarque;
- Sucede que, já instalados nesses lugares em executiva, os Autores foram surpreendidos pelos funcionários da Ré que os compeliram a regressar à classe turística - mas não aos lugares que originalmente detinham - numa situação injustificada e que causou aos Autores incómodos físicos, humilhação, vergonha e grave ofensa na sua honra e consideração, constituindo-os no direito de exigir uma compensação a título de danos não patrimoniais.
Na sua contestação, a Ré alegou, em síntese, que, tendo reconhecido a situação anómala, reembolsou o titular das milhas que estes haviam usado para fazer o upgrade e, perante a reclamação e para minimizar o incómodo causado, ofereceu a este último dois upgrades em viagem dentro da Europa. Explicou, ainda, que o upgrade para executiva foi vendido aos Autores no pressuposto, que se não veio a verificar, de que os dois lugares não iriam ser ocupados pelas reservas anteriores, provenientes de um voo de ligação.
Terminou, pedindo a sua absolvição do pedido.
Foi realizada audiência prévia.
Após a realização de audiência final, foi proferida sentença.
Pelo Tribunal a quo foram considerados provados os seguintes factos:
1.-No âmbito de um convite feito aos Autores para virem do Brasil a Portugal passar a quadra de Natal e Ano Novo, pelos seus cunhados, V. e mulher, estes últimos compraram as passagens aéreas em classe executiva Belo Horizonte-Brasil/Lisboa-Portugal e Lisboa-Portugal/Belo Horizonte-Brasil em voo da Ré, através do programa de milhas do Cartão V. tendo disponibilizado, para o efeito, um total de 170.000,00 milhas do acumulado que possuíam.
2.-No momento da compra daquelas passagens aéreas (Outubro de 2015), através do programa de milhas, a Ré não dispunha de lugares vagos, em classe executiva, no voo de regresso dos Autores ao Brasil, na data pretendida (03.01.2016).
3.-Pelo que os Autores fizeram a viagem Belo Horizonte/Lisboa em 12.12.2015 em classe executiva e o seu regresso ao Brasil, em 03.03.2016, ficou assegurado através da aquisição das respectivas passagens aéreas em classe económica, a que corresponderiam os lugares na aeronave com os n.[SUP]os[/SUP] 16A e 16B, mas inseridos na lista de espera por eventuais vagas na classe executiva.
4.-No dia da viagem de regresso, os Autores verificaram que, no sítio de internet da Ré, existiam referenciados dois lugares vagos em classe executiva, pelo que aqueles se deslocaram ao aeroporto de Lisboa, acompanhados dos seus familiares, onde, no balcão da Ré, procederam ao upgrade - alteração positiva - das passagens em classe económica de que eram portadores para a classe executiva, através da disponibilização das milhas necessárias para o efeito.
5.-Quando os Autores se apresentaram na porta de embarque, foi dada a confirmação informática do solicitado upgrade e foram entregues pelo funcionário da Ré os cartões de embarque correspondentes aos lugares 2J e 2H, da classe executiva do voo 101.
6.-Após o embarque dos Autores na aeronave e quando já estavam sentados nos lugares 2J e 2H, estes foram interpelados por um funcionário da Ré, que não puderam identificar, e foram conduzidos à classe económica, abandonando os lugares da classe executiva, com a indicação de que deveriam ocupar os lugares 21E e 21F da classe económica, com a justificação de que os lugares da classe executiva ocupados pelos Autores haviam sido vendidos a outros passageiros.
7.-Pelo mesmo funcionário da Ré, foram entregue aos Autores novos cartões de embarque, correspondentes aos lugares 21E e 21F, para onde os Autores se viram compelidos a passar, aí tendo realizado a viagem de regresso ao Brasil.
8.-A situação ora descrita foi presenciada pelos demais passageiros ocupantes da aeronave, quer da classe executiva, quer da classe económica, o que gerou vexame e vergonha aos Autores.
9.- Os Autores sentiram-se ofendidos na sua honra.
10.-Na sequência da reclamação efectuada pelo familiar dos Autores, titular do Cartão Victoria, a Ré reembolsou-o das milhas cobradas no upgrade.
11.-A Ré propôs também, ao titular do Cartão V dois upgrades em viagem dentro da Europa.
12.-Os passageiros que vieram a ocupar os lugares 2J e 2H já tinham reserva no voo dos autos, mas a Ré previa atraso no voo Bruxelas/Lisboa, de ligação ao dos autos, pelo que o upgrade foi vendido no pressuposto do atraso nesse voo de ligação.
Pelo Tribunal a quo foi ainda consignado: «Não existem outros factos provados com relevância para a apreciação da causa, designadamente:
a)- Que o funcionário da Ré tenha agido de forma rude, arrogante e prepotente, tendo chegado a ameaçar os Autores de que a demora na aceitação da troca de lugares acarretaria elevados custos à companhia (artigo 15º da petição inicial).
A restante matéria dos articulados constitui um conjunto de alegações meramente instrumental, sem relevância para a apreciação da causa, ou de afirmações conclusivas e/ou de Direito.»
Com base nos factos provados acima indicados, foi proferida a seguinte decisão:
«Pelo exposto e ao abrigo das disposições legais supra citadas, o Tribunal julga a presente acção parcialmente procedente, por provada e, em consequência, condena a Ré a pagar aos Autores a quantia total de € 4.000,00 (quatro mil euros) acrescida dos juros de mora vencidos desde o trânsito em julgado da presente acção até integral pagamento.
Custas por Autores e Ré na proporção do respectivo decaimento - artigo 527º do C.P.C..»
A R. recorreu desta sentença e formulou as seguintes conclusões:
1-Os AA. compraram passagens aéreas Brasil/Lisboa em classe executiva e Lisboa/Brasil em classe económica.
2-No regresso, aquando da viagem Lisboa/Brasil compraram upgrade de classe económica para executiva.
3- Só teriam a certeza do upgrade à porta de embarque;
4- Foi-lhes dado o cartão de embarque em executiva.
5-O upgrade tinha como pressuposto os passageiros desses lugares não irem no voo dos autos.
6-Os passageiros de voo em trânsito/ligação, detentores primitivos desses lugares, chegaram atempadamente ao voo dos autos, pelo que os lugares foram-lhe restituídos.
7-Os recorridos tiveram de regressar aos primitivos lugares em económica, onde viajaram.
8-Sentiram, segundo eles, vexame e vergonha e ofendidos na sua honra;
9- A sentença condenou a recorrente no pagamento de €2000 a cada recorrido.
10-A recorrente entende que a Mª Juíza ignorou as cláusulas gerais que compõem o contrato de transporte celebrado entre AA e R., nomeadamente no art. 5º, nº4 onde permite à recorrente mudar os passageiros de lugar;
11-Aplicando a aludida cláusula contratual, como deveria ter sido, pois a recorrente tem norma legal e contratual a sustentar o seu comportamento, o acontecimento dos autos não passou de mero transtorno para os recorridos.
12-O cumprimento do contrato de transporte verificou-se, pois os passageiros foram colocados no destino;
13-Não houve cumprimento defeituoso do contrato, não cabendo aqui qualquer aplicação do art. 799º, 494º e 496º do Código Civil.
14- Não houve violação das normas contratuais, em prejuízos, nem danos morais, pelo que não há direito a indemnização.
Terminou, requerendo a revogação da decisão requerida.
Os recorridos contra-alegaram e formularam as seguintes conclusões:
a)- A impugnação da matéria de facto, deve ser esgrimida nos precisos limites definidos pelo preceituado no artigo 640.º, n.[SUP]o[/SUP] 1, alíneas a) e b), e n.[SUP]o[/SUP] 2, do CPC;
b)- Todavia, constata-se que a recorrente limita-se a invocar argumentos que denotam uma mera discordância do sentido e alcance da sentença recorrida, mas que se revelam inidóneos a abalar de modo sério e profundo o teor da decisão propalada pelo Tribunal a quo, logo, insusceptíveis de fundamentarem a sua revogação ou alteração relativamente à factualidade material considerada provada;
c)- Em relação à interpretação e aplicação dos artigos 799.º, 494.º e 496.º do Código Civil, constata-se que o Tribunal a quo não incorreu em qualquer erro de interpretação e aplicação do direito, não assistindo qualquer razão à recorrente nas críticas que tece a este respeito;
d)- No quadro do princípio da tutela da confiança e com apelo ao sub-princípio da primazia da materialidade subjacente, facilmente se descortina a existência de um concreto e objectivo cumprimento defeituoso do contrato de transporte aéreo, na medida em que da "desconformidade" em causa, resulta patente uma não correspondência entre o serviço oferecido/contratualizado, com aquele que veio a ser, efectivamente prestado, como resultou provado;
e)- De resto, tendo ficado provado de modo inequívoco a violação de direitos de personalidade dos autores, mormente, da honra, direitos legalmente protegidos pela cláusula geral contida no artigo 70.º, n.[SUP]o[/SUP] 1, do Código Civil, sendo a sua violação sancionada através da responsabilidade indemnizatória, por se tratar de danos não patrimoniais de particular gravidade no contexto circunstancial relevante, nada obsta a aplicação do preceituado no artigo 496.º, n.[SUP]o[/SUP] 1, do Código Civil, à luz da jurisprudência e da doutrina maioritárias e consolidadas em torno desta temática;
f)- Destarte, e em apertada síntese, cumpre salientar que não assiste qualquer razão à recorrente, mostrando-se o arrazoado vertido nas suas conclusões, absolutamente irrelevante e anódino, insusceptível de sustentar qualquer alteração de sentido e alcance da sentença recorrida, não merecendo o Tribunal a quo, ao decidir como decidiu, qualquer censura.
Terminaram, pugnando pela improcedência do recurso e pela confirmação da decisão recorrida.
Em 05.05.2017 foi proferido despacho pela relatora do presente Acórdão que não admitiu a junção aos autos de "parte de documento" (referente as cláusulas gerais de transporte).
II-Importa solucionar as seguintes questões:
- Se deve ser admitido o recurso quanto à matéria de facto;
- Se a decisão sobre a matéria de facto deverá ser objecto de alterações;
- Se os recorridos sofreram danos não patrimoniais que importe ressarcir.

III-Apreciação
Vejamos, agora, se deve ser admitido o recurso quanto à matéria de facto.
O art. 640º do CPC estabelece os ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto nos seguintes termos:
« 1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a)- Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b)- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c)- A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a)- Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b)- Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3- O disposto nos n[SUP]os[/SUP] 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do nº2 do art. 636º.»
Esta norma corresponde ao art. 685º-B do CPC de 1961 (na redacção dada pelo Dec-Lei n[SUP]o[/SUP] 303/2007), com o aditamento de mais um ónus a cargo do recorrente: o de especificar a decisão que, no seu entender, deverá ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
No caso concreto, a recorrente alude, no corpo das alegações à gravação da audiência, mas em sede de conclusões não delimita, como lhe compete, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados.
Conforme resulta do disposto nos arts. 639º e 640º do CPC e tem sido entendimento uniforme da jurisprudência, as conclusões das alegações delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem.
Assim e por não terem sido concretizados, nos termos acima indicados, em sede de conclusões, os pontos de facto controvertidos, não se admite o recurso quanto à matéria de facto.
Os factos provados são os acima indicados.
A sentença recorrida considerou que ocorreu cumprimento defeituoso do contrato por parte da ora recorrente e condenou a mesma a pagar aos recorridos uma indemnização no montante de €2000, para cada um, a título de danos não patrimoniais.
Os fundamentos da sentença foram os seguintes:
«Averiguemos, em primeiro lugar, se a Ré incorreu em alguma forma de incumprimento das obrigações assumidas para com os Autores, no âmbito do esquema contratual supra aludido.
A resposta parece-nos, claramente, positiva, pois que, com o ajustamento ocorrido com a entrega, aos Autores, de cartões de embarque correspondentes a lugares pertencentes à classe executiva, a Ré cumpriu defeituosamente a sua obrigação, ao acabar por proporcionar a estes seus passageiros a viagem em lugares pertencentes à classe turística. Apesar de esta poder não se tratar de uma obrigação essencial no contrato - o transporte, em si, não foi posto em causa, assim como não o foram qualquer dos elementos essenciais acima mencionados - trata-se de uma obrigação acessória a que, no contexto de uma viagem aérea de longo curso, os passageiros atribuem, normalmente, significativa relevância, como a Ré, através dos seus funcionários, não deveria deixar de conhecer.
É de assinalar que foi com o assentimento da própria Ré que os Autores lograram obter o desejado upgrade dos seus lugares, tendo essa operação sido feita voluntariamente, apenas não se tendo concretizado por motivo que apenas àquela pode ser imputado: foi a própria companhia que, erradamente, supôs que o voo de ligação dos primitivos titulares da reserva dos lugares em executiva não chegaria a tempo de estes poderem embarcar no voo para o Brasil, viabilizando, assim, a ocupação desses lugares pelos Autores com a entrega dos respectivos cartões de embarque, como afinal não veio a acontecer.
É de concluir, portanto, que houve cumprimento defeituoso por parte da Ré, sendo que a culpa desse deficiente cumprimento da obrigação se presume - artigo 799º do C.C.
Os danos invocados pelo cumprimento defeituoso são de natureza não patrimonial; a sua ressarcibilidade está, portanto, condicionada ao critério constante do artigo 496º do Código Civil - só serão indemnizáveis aqueles danos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
É este um núcleo de danos que, pela sua própria natureza, traduzem perdas insusceptíveis de uma avaliação pecuniária, na medida em que atingem bens não integráveis no património da pessoa lesada. Do que se trata, na verdade, não é de quantificar este género de danos, nem tão pouco, afirmar "quanto" valem. Trata-se, sim, de atribuir um montante que possa servir de reparação ou satisfação por perdas que são irrecuperáveis . Assim, a nossa lei condicionou a responsabilidade por danos não patrimoniais apenas em relação àqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, ganhando particular relevo a equidade, aliada às circunstâncias referidas no artigo 494º do mesmo Código e o restante circunstancialismo em que ocorreram os danos (n.[SUP]o[/SUP] 3 do citado artigo 496º); «a indemnização, tendo especialmente em conta a situação económica do agente e do lesado, é assim mais uma reparação do que uma compensação, mais uma satisfação do que uma indemnização .». Gravidade esta que, como também ensina o Prof. Antunes Varela, se deve medir por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de factores subjectivos - em função, portanto, de um patrão médio de sensibilidade, e não da especial susceptibilidade do visado.
Como refere Pessoa Jorge, «a lei não afirma expressamente que o prejuízo, para ser reparável, tenha de apresentar um mínimo de gravidade e valor, mas tal conclusão é imposta pelo bom senso e até pelo princípio da boa-fé: a exigência de reparação desses prejuízos só poderia explicar-se pelo propósito de vexar o lesante e, como tal, não merecia a tutela do direito».
No caso sub judice, demonstrou-se que, pelos factos descritos, os Autores sentiram tristeza e vexame. É de valorizar a circunstância de a Ré não se ter coibido de manter os Autores como únicos "sacrificados" com as consequências de um erro que só à própria transportadora é imputável: não só a Ré manteve a reserva dos passageiros provenientes do voo de ligação, mas também fez tábua rasa dos lugares que os Autores detinham anteriormente e haviam os próprios seleccionado, na classe económica, forçando-os a ocuparem outros quaisquer lugares em função do puro acaso. Este pormenor revela a desatenção e desmerecimento com que os Autores foram tratados, num contexto, já de si, muito inconveniente e desagradável, a que não é difícil atribuir um cenário de desqualificação e estigmatização, a que os demandantes foram sujeitos perante os demais passageiros, ao terem de passar da executiva para a turística, como se tivessem ilegitimamente "tentado a sua sorte" ao ocupar lugares a que não teriam direito.
Não podemos qualificar a ocorrência como um mero "incómodo", como pretende a Ré. Trata-se, cremos, de uma situação quase paradigmática em que a companhia aérea, através dos seus funcionários, se aproveita, em seu benefício e para solucionar situações apenas por si própria causadas, de algum natural ascendente ou posição de domínio que, no particular contexto do transporte aéreo de passageiros, é usual verificar-se - posto que, genericamente, o passageiro comum é pessoa menos familiarizada com os procedimentos e rotinas no aeroporto e dentro do avião, tendendo a aceitar, sem questionar, as instruções e comandos que lhe são dirigidos.
Ponderando, ainda, a distância e tempo da viagem em questão - um voo intercontinental, de longo curso, portanto - bem como o custo normal associado a esta concreta viagem, julga-se adequado, por conforme com um juízo de equidade, atribuir, a título de indemnização por danos não patrimoniais, a cada um dos Autores, a quantia de € 2000,00 (dois mil euros), num total, a ambos os demandantes, de € 4.000,00 (quatro mil euros), sobre a qual se vencerão os juros de mora, calculados à taxa legal, a partir do trânsito em julgado da decisão até integral pagamento.»
A recorrente entende que a Mª Juíza ignorou as cláusulas gerais que compõem o contrato de transporte celebrado entre AA e R., nomeadamente no art. 5º, nº4 que permite à recorrente mudar os passageiros de lugar.
Ora, estamos perante matéria de facto que não foi oportunamente alegada e, como tal, não consta dos factos assentes.
Conforme resulta do despacho acima indicado de 05.05.2017, o documento referente a esta parte do contrato não foi admitido, por não estarem reunidos os pressupostos da admissão de documentos com as alegações.
Não cumpre, assim, conhecer da referida cláusula contratual.
Atenta a factualidade assente, verificamos que ocorreu cumprimento defeituoso do contrato.
Estabelece o art. 496º, nº1 do Código Civil que o Tribunal deverá atender aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
De acordo com o disposto no n[SUP]o[/SUP] 4 deste preceito legal, a fixação do montante indemnizatório deverá ser norteada por critérios de equidade.
Conforme refere o Acórdão do STJ de 24.01.2012,« (...)o princípio da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais do artº496º do CC, se não limita à responsabilidade extracontratual, antes se estende, também, ao domínio da responsabilidade contratual (...)
Na verdade, como já antes do actual Código Civil, maioritariamente, se entendia, a aplicação analógica à responsabilidade contratual daquele princípio expresso no capítulo da responsabilidade extracontratual há-de justificar-se pela necessidade de proteger de forma igual os contraentes que forem vítimas da inexecução contratual, igualmente, carecidos de tutela quando as consequências resultantes dessa inexecução assumirem gravidade bastante.
Como escreveu Vaz Serra "se o direito não deve tutelar somente os interesses económicos, mas, também, os espirituais, dos homens, é razoável que o dano não patrimonial, derivado da inexecução de uma obrigação, seja susceptível de satisfação, tal como o dano patrimonial que dela, eventualmente, resulte" (BMJ, 83º, 102 e ss).
Esta conclusão resulta, aliás, na opinião da maioria, da leitura dos artº 798º e 804º,1 do CC que, ao aludirem à reparação do prejuízo e à ressarcibilidade dos danos causados ao credor, não fazem qualquer distinção entre uma e outra categoria de danos ou a restringem aos danos patrimoniais».
Embora da ocupação de um lugar em classe económica em vez da ocupação em lugar de classe executiva não resulte perda de dignidade para as pessoas que ocupam tais lugares, importa considerar os notórios transtornos físicos resultantes da mudança numa viagem com a duração do caso em apreço e o alarde que a situação causou.
Entendemos, por isso, que ocorrem danos não patrimoniais que cumpre reparar.
Consideramos, no entanto, que a indemnização fixada, de acordo com critérios de equidade, é elevada.
Atendendo às horas de viagem e ao transtorno sofrido, julgamos adequada uma indemnização no montante de €1000 para cada lesado, o que perfaz o montante de €2000.
 
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santos2206

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[h=3]IV-Decisão.[/h]Em face do exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente o presente recurso de apelação e altera-se a decisão recorrida, condenando a R. a pagar a cada um dos autores a quantia de €1000 (mil euros), o que perfaz €2000 (dois mil euros), acrescida dos juros de mora nos termos indicados na referida decisão.

Custas pela recorrente e pelos recorridos na proporção do decaimento.

Registe e notifique.
Lisboa, 16 de Novembro de 2017
Francisca Mendes
Eduardo Petersen Silva
Maria Manuela Gomes (com voto de vencido)

Declaração de voto (vencida)

Demarco-me, por vencida, do Acórdão acabado de votar, nuclearmente pelas razões que passo a expor.
Os Autores alegaram na petição que, para o regresso "adquiriram dois bilhetes em classe económica".
Daí que a sua intenção/expectativa, "ab initio", fosse viajarem nessa classe (vulgo "coach") de Lisboa para Belo Horizonte (Brasil), ao contrário do que haviam feito no sentido inverso.
Só "no dia da viagem e já no aeroporto" solicitaram alteração para classe superior ("upgrade"), que não pagaram em numerário mas com as apodadas milhas do programa "Tap Victória".
Na porta de embarque foram-lhes entregues novos cartões - com lugares de classe executiva - e admitidos a bordo.
Aí, foram interpelados por um tripulante de cabine que lhes determinou a passagem para lugares correspondentes à classe primitiva, já que os lugares de executiva tinham sido vendidos, e iam ser ocupados pelos passageiros adquirentes.
Ou seja, resulta do exposto que não lhes foi recusado o embarque, ou impedida a viagem, por "overbooking" ou qualquer razão técnica.
Vêm agora alegar que a transferência de lugares os ofendeu "na sua honra", e lhes provocou "vexame e vergonha" perante os demais passageiros!
Não ficaram provados quaisquer danos patrimoniais (já que a Ré até lhes devolveu os "créditos" utilizados e lhes ofereceu dois "upgrades" para viagens de médio curso).
Daí que a condenação se baseie apenas no ressarcimento do dano não patrimonial.
E é notório que o mesmo não existe.
O n.[SUP]o[/SUP] 1 do artigo 496.º do Código Civil só determina a compensação dos danos "que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito".
Não abrange simples incómodos, "irritações" correntes, mas apenas abusos flagrantes contra a personalidade moral das pessoas, como o seu bom nome, reputação ou, até, grave lesão da auto-estima. (cfr. a Declaração Universal dos Direitos do Homem - artigo 12.º - o Pacto Internacional Sobre Direitos Civis e Políticos - artigo 17.º n.[SUP]o[/SUP] 1, e v.g. Galvão Telles "Direito das Obrigações", 3.ª ed. p. 331 ["... ofendem bens de carácter imaterial, desprovidos de conteúdo económico, insusceptíveis verdadeiramente de avaliação em dinheiro. A ofensa objectiva desses bens tem em regra um reflexo subjectivo na vítima, traduzida na dor ou sofrimento, de natureza física ou de natureza moral"]; Prof. Mota Pinto. "Teoria Geral do Direito Civil", 3.ª ed., 115).
Esse dano tem, assim, de surgir com muita gravidade, sob pena de o Direito não o tutelar (cf. v.g. Acórdãos do STJ de 12 de Maio de 2016 - proc. n[SUP]o[/SUP] 2325/13.3TVLSB.L1.S1, de 26 de Janeiro de 2016 - proc. n[SUP]o[/SUP] 2185/04.8TBOER.L1.S1).
Aqui não se vislumbra a gravidade tutelável.
Ter de mudar de lugar numa aeronave perante outros passageiros, quiçá desconhecidos, fere a dignidade ou a auto estima?
Tenho por indubitável que não.
E quanto à maior incomodidade dos novos lugares atribuídos?
Não resulta dos factos provados que tal afectasse fisicamente (causando maior sofrimento) aos Autores, o que estes, nem sequer, alegaram.
É notório que, actualmente, Ré voa (v.g. para S. Tomé, Moscovo, e outros de mais de 5 horas de duração, com aeronaves A320/321 equipadas com assentos de classe executiva exactamente iguais aos da classe económica; e que, mesmo em voos mais longos, a inclinação dos assentos da melhor classe varia desde o A340 (não totalmente reclináveis) à nova geração dos A 330 (com reclinação de 180º).
Ademais, os Autores dispunham-se viajar em classe económica, sem que tal lhes causasse, aparentemente, quaisquer escolhos, ou interferisse com a sua imagem.
Fica, assim, tão somente o invocado dano moral do "vexame" que, tal como se expôs, não existe.
Acresce ainda que, e como acima se disse, não houve recusa de embarque ou de viajem, por "overbooking".
Tratando-se de transportadora portuguesa a partir de espaço da União Europeia, ainda que tal tivesse acontecido seria apenas de aplicar o Regulamento CE n.[SUP]o[/SUP] 261/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho de 11 de Fevereiro de 2004 - que revogou o Regulamento (CEE) n.[SUP]o[/SUP] 295/91 - que dispõe:
"Artigo 4.º
Recusa de embarque
1.-Quando tiver motivos razoáveis para prever que vai recusar o embarque para num voo, uma transportadora aérea operadora deve, em primeiro lugar, apelar a voluntários que aceitem ceder as suas reservas a troco de benefícios, em condições a acordar entre o passageiro em causa e a transportadora aérea operadora.
Acrescendo aos benefícios a que se refere o presente número, os voluntários devem receber assistência nos termos do artigo 8.º.
2.-Se o número de voluntários for insuficiente para permitir que os restantes passageiros com reservas possam embarcar, a transportadora aérea operadora pode então recusar o embarque a passageiros contra sua vontade.
3.-Se for recusado o embarque a passageiros contra sua vontade, a transportadora aérea operadora deve indemnizá-los imediatamente nos termos do artigo 7.º e prestar-lhes assistência nos termos dos artigos 8.º e 9.º.
Artigo 6.º
Atrasos
1.-Quando tiver motivos razoáveis para prever que em relação à sua hora programada de partida um voo se vai atrasar:
a)-Duas horas ou mais, no caso de quaisquer voos até 1500 quilómetros; ou
b)-Três horas ou mais, no caso de quaisquer voos intracomunitários com mais de 1500 quilómetros e no de quaisquer outros voos entre 1500 e 3500 quilómetros; ou
c)-Quatro horas ou mais, no caso de quaisquer voos não abrangidos pelas alíneas a) ou b),
a transportadora aérea operadora deve oferecer aos passageiros:
i)-a assistência especificada na alínea a) do n.[SUP]o[/SUP] 1 e no n.[SUP]o[/SUP] 2 do artigo 9.º, e
ii)-quando a hora de partida razoavelmente prevista for, peio menos, o dia após a hora de partida previamente anunciada, a assistência especificada nas alíneas b) e c) do n.[SUP]o[/SUP] 1 do artigo 9.º, e
iii)-quando o atraso for de, pelo menos, quatro horas, a assistência especificada na alínea a) do n.[SUP]o[/SUP] 1 do artigo 8.º
2.-De qualquer modo, a assistência deve ser prestada dentro dos períodos fixados no presente artigo para cada ordem de distância.
Artigo 7.º
Direito a indemnização
1.-Em caso de remissão para o presente artigo, os passageiros devem receber uma indemnização no valor de;
a)- 250 euros para todos os voos até 1500 quilómetros;
b)- 400 euros para todos os voos intracomunitários com mais de 1500 quilómetros e para todos os outros voos entre 1500 e 3500 quilómetros;
c)- 600 euros para todos os voos não abrangidos pelas alíneas a) ou b).
Na determinação da distância a considerar, deve tomar-se como base o último destino a que o passageiro chegará com atraso em relação à hora programada devido à recusa de embarque ou ao cancelamento.
2.-Quando for oferecido aos passageiros reencaminhamento para o seu destino final num voo alternativo nos termos do artigo 8.º, cuja hora de chegada não exceda a hora programada de chegada do voo originalmente reservado:
a)-Em duas horas, no caso de quaisquer voos até 1500 quilómetros; ou
b)-Em três horas, no caso de quaisquer voos intracomunitários com mais de 1500 quilómetros e no de quaisquer outros voos entre 1500 e 3500 quilómetros; ou
c)-Em quatro horas, no caso de quaisquer voos não abrangidos pelas alíneas a) ou
b),
a transportadora aérea operadora pode reduzir a indemnização fixada no n.[SUP]o[/SUP] 1 em 50%.
3.-A indemnização referida no n.[SUP]o[/SUP] 1 deve ser paga em numerário, através de transferência bancária electrónica, de ordens de pagamento bancário, de cheques bancários ou, com o acordo escrito do passageiro, através de vales de viagem e/ou outros serviços.
4.-As distâncias referidas nos n.[SUP]os[/SUP] 1 e 2 devem ser medidas peio método da rota ortodrómica.
Artigo 8.º
Direito a reembolso ou reencaminhamento
1.-Em caso de remissão para o presente artigo, deve ser oferecida aos passageiros a escolha entre:
a)-O reembolso no prazo de sete dias, de acordo com as modalidades previstas no n.[SUP]o[/SUP] 3 do artigo 7.º, do preço total de compra do bilhete, para a parte ou partes da viagem não efectuadas, e para a parte ou partes da viagem já efectuadas se o voo já não se justificar em relação ao plano inicial de viagem, cumulativamente, nos casos em que se justifique,
- um voo de regresso para o primeiro ponto de partida;
b)-O reencaminhamento, em condições de transporte equivalentes, para o seu destino final, na primeira oportunidade; ou
c)-O reencaminhamento, em condições de transporte equivalentes, para o seu destino final numa data posterior, da conveniência do passageiro, sujeito à disponibilidade de lugares,
2.- A alínea a) do n.[SUP]o[/SUP] 1 aplica-se igualmente aos passageiros cujos voos fazem parte de uma viagem organizada, salvo quanto ao direito a reembolso quando este se constitua ao abrigo da Directiva 90/314/CEE.
3.-Sempre que uma cidade ou região for servida por vários aeroportos e uma transportadora aérea operadora oferecer aos passageiros um voo para um aeroporto alternativo em relação àquele para o qual tinha sido feita a reserva, a transportadora aérea operadora deve suportar o custo da transferência do passageiro desse aeroporto alternativo para o aeroporto para o qual a reserva tinha sido feita, ou para outro destino próximo acordado com o passageiro.
Artigo 9.º
Direito a assistência
1.-Em caso de remissão para o presente artigo, devem ser oferecidos a título gratuito aos passageiros;
a)- Refeições e bebidas em proporção razoável com o tempo de espera;
b)- Alojamento em hotel:
- caso se torne necessária a estadia por uma ou mais noites, ou
- caso se torne necessária uma estadia adicional à prevista pelo passageiro;
c)- Transporte entre o aeroporto e o local de alojamento (hotel ou outro).
2.-Além disso, devem ser oferecidas aos passageiros, a título gratuito, duas chamadas telefónicas, telexes, mensagens via fax ou mensagens por correio electrónico.
3.-Ao aplicar o presente artigo, a transportadora aérea operadora deve prestar especial atenção às necessidades das pessoas com mobilidade reduzida e de quaisquer acompanhantes seus, bem como às necessidades das crianças não acompanhadas.
Artigo 10.º
Colocação em classe superior ou inferior
1.-Se colocar um passageiro numa classe superior àquela para que o bilhete foi adquirido, a transportadora aérea operadora não pode exigir qualquer pagamento suplementar.
2.-Se colocar um passageiro numa classe inferior àquela para a qual que o bilhete foi adquirido, a transportadora aérea operadora reembolsa no prazo de sete dias, de acordo com as modalidades previstas no n.[SUP]o[/SUP] 3 do artigo 7.º:
a)- 30 % do preço do bilhete para todos os voos até 1500 quilómetros; ou
b)- 50 % do preço do bilhete para todos os voos intracomunitários com mais de 1500 quilómetros, com excepção dos voos entre o território europeu dos Estados-Membros e os departamentos ultramarinos franceses, e para todos os outros voos entre 1500 e 3500 quilómetros; ou
c)- 75 % do preço do bilhete para todos os voos não abrangidos nas alíneas a) ou b), incluindo os voos entre o território europeu dos Estados-Membros e os departamentos ultramarinos franceses."
Do que fica exposto, e da aplicação desta norma comunitária, "ex vi" do artigo 8.º da Constituição da República, resulta que as eventuais compensações são estabelecidas " a forfait", e, em princípio, não incluem as (únicas) que os Autores pedem (danos não patrimoniais) e só estas podiam ser aqui concedidas sob pena do vício de limite de excesso de pronúncia.
Finalmente, e "last but not least", e numa perspectiva de eventual aplicação da alínea c) do artigo 10.º da Directiva citada (o que, como vimos, não foi pedido) não pode olvidar-se que o pagamento do "upgrade" foi feito com créditos ("milhas") do programa Tap Victória, que mais não são do que "prémios e benefícios" com escopo publicitário de angariação de clientes, o que os coloca próximos das obrigações naturais, judicialmente inexigíveis.
E o regulamento daquele "programa" - note-se que se dispensa a sua alegação, pois "jura novit curia" - é claro quanto ao "upgrade com milhas Tap" ao prescrever "mantém-se todas as condições aplicáveis à tarifa originalmente paga pelo que a alteração da reserva, mesmo após o upgrade efectuado estará sempre dependente destas condições".
E ao aderir ao referido programa os beneficiários, presuntivamente, conhecem e aceitam o clausulado, sendo que os seus bilhetes/passagem eram em classe económica.
De todo o exposto, resulta entender não poder atribuir-se aos Autores indemnização por qualquer dano moral. Vencida, portanto.
Maria Manuela Gomes
 
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