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Dos museus para o laboratório. O Bilhete de Identidade da arte faz-se na Bobadela

Amoom

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A autenticidade de um quadro, vitral ou moeda pode ser revelada por uma máquina que acelera partículas que desencadeiam uma radiação que põe a nu a composição química de tintas, vidros ou metais e os 'data' de uma época.



A máquina, um acelerador de iões, funciona no polo tecnológico e nuclear do Instituto Superior Técnico, em Bobadela, Loures, um complexo de edifícios dos anos 60 onde a análise de objetos de arte e do património histórico-cultural com esta tecnologia é única no país.O acelerador está ligado a uma microssonda. Juntas, as duas máquinas permitem aferir, com precisão e sem causar danos nas amostras em estudo, a origem e o estado de conservação de pinturas, tapeçarias, esculturas, cerâmicas, vitrais, moedas, manuscritos ou peças de ourivesaria.A microssonda possibilita caracterizar os diferentes tipos de materiais usados no fabrico das obras de arte, depois de feixes de iões 'baterem' numa zona da amostra, que pode ser um pigmento ou um pedaço de vidro ou metal, gerando uma reação física: eletrões 'saem do sítio' e há uma emissão de raios-X que põem a descoberto os átomos dos compostos químicos presentes nos materiais da superfície que foi 'excitada' pelo 'pacote' de partículas aceleradas."A radiação funciona como o Bilhete de Identidade do elemento químico", sintetiza o diretor do Laboratório de Feixes de Iões, Eduardo Alves, acrescentando que, a partir da composição química de um objeto, "traça-se a sua origem, a época" em que foi produzido.

créditos: JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA

Ao revelar a identidade das matérias-primas, as técnicas de análise com feixes de iões, utilizadas em museus como o do Louvre, em Paris, França, tornam-se uma ferramenta fundamental para o restauro de obras de arte.Estas técnicas usam um feixe energético elevado de partículas aceleradas, neste caso iões, para estudar a composição e a qualidade de diferentes amostras sem as destruir. O feixe induz na amostra a emissão de radiação.Num dos seus trabalhos mais recentes, que a Lusa acompanhou, a equipa do Laboratório de Feixes de Iões analisou uma pintura do século XVIII de origem flamenga, proveniente de uma coleção privada, e um vitral também atribuído à mesma época.

Ambos os objetos foram cedidos para estudo pelo Departamento de Conservação e Restauro da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa.São precisamente as universidades, mas também museus e a Casa da Moeda quem solicita os serviços do Laboratório de Feixes de Iões do Instituto Superior Técnico.


créditos: JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA

Sob o 'olhar' de físicos ilustres como Albert Einstein, Marie Curie e Max Planck, que surgem numa reprodução em papel de uma foto de 1927, para a qual posaram em Bruxelas, na Bélgica, enquanto participantes da Conferência Solvay sobre eletrões e fotões, Luís Cerqueira e Victória Berdasco, também eles físicos, olham para o ecrã de um computador que apresenta os espetros de radiação e os mapas de distribuição dos elementos químicos de um vidro decorado com um pato e de uma pintura alegórica.O computador está ligado à microssonda, que tem uma câmara que capta as imagens da peça que se quer analisar e que é atingida pelo feixe de iões.Por cima da bancada onde Luís Cerqueira e Victória Berdasco trabalham, e afixada na parede, perto da cópia da fotografia com os físicos colunáveis, está uma tabela periódica dos elementos químicos e a correspondente reação que provocam.Os dois investigadores verificaram que o azul que dá cor à cabeça do pato do vitral tem cobalto associado a arsénio e bismuto, comuns no século XVIII.O vidro onde foi pintada a ave tem potássio e cálcio, usados na época na manufatura vidraceira.


créditos: JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA

Já o vidro que emoldura o motivo decorativo é de uma época mais recente, não identificada, dado que tem sódio na sua composição.Na pintura alegórica, o branco da mão de uma das figuras é obtido a partir de chumbo, enquanto a cor encarnada do manto é dada pelo vermelhão, uma combinação de mercúrio e enxofre.Segundo o diretor do Laboratório de Feixes de Iões, Eduardo Alves, tanto o mercúrio como o chumbo, hoje banidos das tintas devido aos seus malefícios para a saúde, eram usados na pintura antiga, nomeadamente no século XVIII.A ausência de cádmio, tal como de óxido de titânio, este último utilizado na pintura a partir de 1920 para se obter a cor branca, é também um indicador de que o quadro estudado não é recente, de acordo com Eduardo Alves.As técnicas de feixes de iões, aplicadas ao património e à arte, já permitiram em Portugal desvendar alguns segredos, como o do Tesouro da Vidigueira, lembra a física espanhola Victória Berdasco.O tesouro é um conjunto de peças de arte sacra indo-portuguesa em prata do século XVI, que foi oferecido pelo padre André Coutinho ao Convento de Nossa Senhora das Relíquias do Carmo da Vidigueira, que pertenceu à família do navegador Vasco da Gama.Três peças (um oratório-relicário, uma estante de missal e um porta-paz) fazem parte do acervo do Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa.Victória Berdasco recorda que a análise feita com feixes de iões mostrou que o Tesouro da Vidigueira também tem ouro, materiais de origem, restaurados e cópias.Outros segredos foram desvendados com a mesma tecnologia, como a cunhagem de moedas de prata ser diferente em Lisboa e no Porto nos séculos XVII e XVIII devido a teores distintos de impurezas no metal.O físico Eduardo Alves destaca ainda outra revelação, a de uma moeda de ouro que, afinal, não era afonsina, do reinado de D. Afonso III, mas do pós-Descobrimentos. E explica: a deteção de elevada concentração de paládio, elemento químico metálico branco, na moeda permitiu concluir que o ouro era proveniente de Minas Gerais, no Brasil, e não da Península Ibérica.Por Elsa Resende (texto) e José Sena Goulão (fotografia)

 
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