ACORDAM OS JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
(...) e mulher (...), intentaram ação declarativa com processo comum, contra Banco BIC Português. S.A. que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Santarém (Juízo Central Cível de Santarém - J3), alegando, em síntese, o seguinte:
- Os autores, clientes da agência de (...), do banco réu, foram abordados pelo seu gerente para efetuar uma aplicação em tudo semelhante a um depósito a prazo, tendo-lhe sido transmitido que a aplicação financeira em causa tinha capital garantido pelo banco e com rentabilidade assegurada;
- Ao autor não foi dado a conhecer o tipo de produto em causa e as condições da aplicação financeira, tão-pouco tendo recebido qualquer nota informativa ou informação relativa à entidade emitente, nem foram entregues documentos comprovativos da aquisição do produto em causa;
- Sempre soube o gerente da agência de (...) que os autores só aceitariam efetuar tal aplicação financeira se não se tratasse de um produto com risco (de perda de capital) e, ainda, se se tratasse de produto que pudesse ser «desmobilizado» em qualquer altura, mediante a sua vontade;
- Na data de vencimento da subscrição não lhe foi devolvido o capital investido apesar das suas diversas solicitações junto do banco réu, apenas tendo o réu creditado os juros na sua conta até novembro de 2015;
- A situação em causa causou e causa aos autores preocupação e ansiedade, com receio de que não venham a recuperar o seu dinheiro, acarretando-lhes tristeza e graves dificuldades financeiras.
Concluindo pedem a condenação do réu no pagamento da quantia de € 53.000,00, a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora vincendos a partir de 24.10.2016 até integral e efetivo pagamento, e no pagamento da quantia de € 7.000,00, a título de danos morais, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos desde a data da citação até integral e efetivo pagamento.
Citado, o réu veio contestar por exceção e por impugnação, arguindo, naquela sede, a ineptidão da petição inicial, a incompetência territorial do tribunal da comarca de Santarém para julgar a ação e a prescrição do direito que os autores pretendem fazer valer. Em sede de impugnação pôs em causa, parcialmente, a factualidade articulada pelos autores, defendendo que o autor marido sempre mostrou apetência para investimentos em aplicações financeiras, ainda que de baixo risco, não sendo previsível na data em que os autores efetuaram a aplicação que fundamenta as suas pretensões que o capital social do réu viesse a ser totalmente nacionalizado, como veio a suceder, negando que tenha garantido aos autores que era responsável pelo reembolso do capital investido.
Na resposta os autores pugnam pela improcedência das arguidas exceções, concluindo como na petição.
No saneador, julgaram-se improcedentes as exceções de nulidade de todo o processo, por ineptidão da petição inicial, e de incompetência territorial do tribunal, relegando-se para final o conhecimento da exceção perentória de prescrição.
Realizada audiência final veio a ser proferida sentença cujo dispositivo reza:
"Em face do exposto, e vistas as já indicadas normas jurídicas e os princípios expostos, julgo parcialmente procedente a presente ação, por parcialmente provada e, em consequência condeno o réu BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A. a pagar aos autores (...) e mulher, (...), a quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), acrescida dos juros de mora à taxa legal, calculados sobre aquela quantia, desde 09 de Maio de 2016 até integral e efetivo pagamento, absolvendo-o do demais peticionado.
Custas dos autores e do réu na proporção do respectivo decaimento - art.º 527.º, n.[SUP]os[/SUP] 1 e 2, do Código de Processo Civil."
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Inconformado, com esta decisão, interpôs o réu o presente recurso de apelação terminando nas respetivas alegações, por formular as seguintes conclusões que se transcrevem:
I. O Banco Recorrente não pode concordar com a matéria de facto dada como provada descrita nos pontos 5, 9, 10, 11 e 14.
II. Não pode ainda o Banco Recorrente concordar com a matéria de facto dada como não provada e descrita nos pontos 7, 8, 9 e 10.
III. O Facto provado 5 deveria ter a seguinte redacção: "presentou-lhe o produto como uma aplicação em obrigações da SLN, apresentando as sua condições, concretamente a sua remuneração, vantajosa relativamente a um Depósito a Prazo, a possibilidade de reaver o investimento por cedência do produto a um outro cliente o que se revelava na altura de fácil concretização, a sua segurança e a garantia do capital investido."
IV. O facto provado 9 deveria ter a seguinte redacção: "O Autor marido apenas autorizou a realização da aplicação porque o seu gestor/gerente da Agência de (...) do Banco Réu lhe disse que o capital era garantido e devido às condições constantes do ponto 5."
V. O facto provado 10 deveria ter a seguinte redacção: "O Autor marido agiu convicto de que estava a investir o seu dinheiro numa aplicação da SLN, dona do banco, com a segurança semelhante à de um depósito a prazo, e que poderia pedir o reembolso quando o solicitasse através do endosse das obrigações."
VI. O facto provado 11 deveria ter a seguinte redacção: "O gesto/gerente da Agência de (...) do Banco Réu assegurou ao autor marido que a aplicação em Obrigações SLN 2006 tinha uma segurança a um depósito a prazo pelo facto do produto ser emitido pela empresa que detinha o Banco."
VII. O facto provado 14 deveria ter a seguinte redacção: "A Direcção Comercial do Banco Réu e os seus comerciais e funcionários repetiam internamente e junto dos seus clientes, tal como fizeram junto do autor marido, era que tratava de um investimento sólido, rentável e sem risco porque emitido pela empresa que detinha o Banco a 100%."
VIII. Deveriam ainda ser dados como provados os factos não provados 7, 8, 9 e 10.
IX. A modificação da matéria de facto impõe-se pelos depoimentos das testemunhas ... (ficheiro ...), ... (ficheiro ...) e das próprias declarações de parte, aos minutos acima identificados.
X. Os Autores intentaram a presente ação apresentando uma causa de pedir muito clara - artigo 17º da Petição Inicial - "Deste modo, o Banco Réu é depositário de 50.000,00€ que mantém aplicados em Obrigações SLN 2006, dinheiro que deveria ter aplicado em depósitos a prazo, com capital e juros disponíveis semestralmente".
XI. Esta causa de pedir, seja ela entendida com contratação em erro, seja entendida como aplicação não autorizadas do dinheiro dos Autores, num produto que não o pretendido - o depósito a prazo - não resultou de forma alguma provada.
XII. A prova desta causa de pedir, ou seja, de que o Autor marido contratou com o banco um depósito a prazo cabia aos Autores. Era essencial à sua alegação, constituindo, na senda do caminho trilhado pela sentença recorrida, o facto ilícito consubstanciador da eventual responsabilidade do banco - a venda de obrigações da SLN com depósitos a prazo do banco.
XIII. Esta realidade não resultou provado e como tal deveria o Banco ter sido absolvido.
XIV. Entende o Banco Recorrente não ter sido prestada qualquer garantia do banco relativamente ao reembolso do produto em causa.
XV. Ora caindo esta prestação de garantia, cairá também a responsabilidade do Banco Recorrente.
XVI. Entre Recorrente e os subscritores estabeleceu-se uma relação de intermediação financeira.
XVII. O negócio de cobertura é o concreto contrato de intermediação financeira celebrado entre o intermediário e o cliente e que tem por objeto imediato conceder ao intermediário os poderes necessários para celebrar o negócio de execução.
XVIII. O negócio de execução, por seu turno, é o contrato celebrado entre o intermediário e o terceiro, no interesse e por conta do cliente (ou também o negócio celebrado directamente entre o terceiro e o cliente, com a intermediação do intermediário financeiro), e tem a maioria das vezes por objeto a aquisição, alienação ou qualquer outro negócio sobre valores mobiliários.
XIX. As exteriorizações do dever de informação podem também ser categorizadas consoante as mesmas estejam relacionadas com o negócio de cobertura ou, por outro lado, relacionadas com os negócios de execução, ou até mesmo com os instrumentos financeiros que são objeto desses negócios de execução.
XX. O dever de informação relativo ao negócio de cobertura deve ser prestado em momento anterior ao contrato de intermediação e o dever de informação relativo ao negócio de execução será cumprido já na vigência daquele, tal como sucederá, aliás, com os deveres de informação relativos aos instrumentos financeiros escolhidos!
XXI. Os deveres de informação a prestar pelo intermediário financeiro, previstos no art. 312º n[SUP]o[/SUP] 1 do CdVM, são os deveres de informação relativos ao próprio contrato de intermediação financeira, v.g., ao negócio de cobertura, ou seja ao próprio serviço neste caso disponibilizado pelo Banco Réu de colocação das Obrigações SLN 2004.
XXII. O art. 323º do CdVM trata dos deveres de informação próprios, relativos, inerentes ou decorrentes dos negócios de execução, levados a cabo ao abrigo dos negócios de cobertura, como aliás decorre das epígrafes dos artigos (por exemplo: deveres de informação no âmbito da execução de ordens, deveres de informação no âmbito da gestão de carteiras, etc.).
XXIII. O risco de incumprimento da obrigação assumida, o pagamento das obrigações pela entidade emitente, ou até à insolvência do obrigado, não é nem pode ser considerado um risco especial.
XXIV. O risco de incumprimento ou risco de insolvência de um devedor são riscos gerais de qualquer obrigação, precisamente porque são características nucleares de toda e qualquer obrigação.
XXV. O funcionário que colocou o produto informou o cliente de todas as características essenciais do produto. Nomeadamente no que diz respeito aos seus riscos.
XXVI. O produto em causa era entendido efetivamente à data como um produto seguro, emitida pela entidade que detinha o banco e que o tinha como seu principal ativo, entidade esta que não tinha no seu histórico qualquer situação de incumprimento.
XXVII. A informação de que o produto tinha capital garantido era também ela uma informação correta. O produto tinha efetivamente como característica essencial a devolução da totalidade do capital, e respetiva remuneração, no final do prazo contratado, distinguindo-se assim de outros produtos na altura comercializados no mercado que não previam a possibilidade logo de início de perda do capital investido.
XXVIII. Se o intermediário financeiro estivesse obrigado a advertir o cliente do risco de incumprimento de terceiro, por maioria de razão, estaria também obrigado a advertir o cliente do risco de incumprimento (ou até de insolvência) dele próprio!
XXIX. A versão do CVM vigente à data da colocação das obrigações era a redacção resultante das sucessivas alterações do D.L. 486/99, de 13/11 até ao D.L. 52/2006, de 15/03.
XXX. Sendo também certo que o art. 312º, por exemplo, apenas foi alterado com o D.L. 357-A/2007, de 31/10, mantendo até então a sua redacção original, decorrente do D.L. 486/99, de 13/11.
XXXI. À data da contratação, não existia sequer qualquer dever de informação quanto aos riscos associados ao instrumento financeiro, ou quanto ao risco de perda da totalidade do investimento, conforme hoje decorre do art. 312º-E, n[SUP]o[/SUP] 2, alínea a).
XXXII. À data, a subscrição de obrigações, em geral, é de per se, podia ser considerada como um investimento ou aplicação bastante conservador.
XXXIII. Desde logo, por um tal produto apenas implicar o reembolso do capital "emprestado" e bem assim a remuneração acordada,
XXXIV. Sendo que o único risco efetivo de um tal produto é o risco de incumprimento da sociedade emitente, risco este que, no entender da Recorrente, não tinha em 2006 que ser sequer mencionado pelas razões acima expostas.
XXXV. As obrigações foram ainda emitidas pela SLN, SGPS, S.A. sociedade titular, ainda que por interposta sociedade, de 100% do capital social do Banco Recorrente, sendo este necessariamente, um garante da solvabilidade daquela, por ser o principal ativo do seu património.
XXXVI. Foi esta segurança que foi transmitida pelos funcionários do Banco Recorrente aos clientes, como aliás resulta dos seus depoimentos.
XXXVII. Como vem sendo defendido (Cf. Agostinho Cardoso Guedes, A responsabilidade do banco por informações à luz do artº 485º do CC, RDE 14, pág. 135 e segs, mormente 140 e seg.), no que toca ao dever de informação ao cliente, não se trata de um direito absoluto do cliente à prestação de informações exactas, mas apenas de um dever de esforço sério de recolha de informações o mais fiáveis possível pelo banco.
XXXVIII. No que toca a informação que contém juízos ou valorações, como sucede com informação sobre solvabilidade de terceiro, não se pode exigir a prestação de informação infalível, bastando-se que o banco faça uma avaliação correta dos dados que possui.
XXXIX. E os dados disponíveis em 2006 apontavam sem sombra de dúvida para a segurança do produto em causa.
XL. São de três tipos os deveres que sobre o Banco Réu impendiam: i)- de protecção dos legítimos interesses dos clientes, impondo-se ao intermediário financeiro o dever de averiguar não apenas os objectivos concretos visados pelo cliente, mas ainda se é do interesse deste (cliente) a recepção daquele serviço de intermediação face à sua situação financeira e à sua experiência em matéria de investimento; ii)- dever de evitar conflitos de interesses; iii)- deveres de informação e publicidade, realçando-se, quanto a esta, o dever de observar as regras relativas ao anúncio de lançamento da operação e do prospecto.
XLI. Nenhum destes deveres foi violado pelo Banco Recorrente.
XLII. A circunstância de ter sido referido aos autores que se tratava de produto "garantido", no sentido de ser um produto seguro, com retorno assegurado, também não consubstancia no entender do Banco Réu, qualquer acto ilícito.
XLIII. À data em que foi prestada, tratava-se de informação verdadeira, actual, clara e objectiva: em 2006, ninguém alvitrava ou existiam indícios da insolvência da emitente, a SLN (posteriormente Galilei) que, de resto, apenas veio a ser declarada insolvente em 2015 e sempre pagou os cupões das obrigações que emitiu, durante mais de 10 anos, sem que os autores reclamassem qualquer irregularidade na subscrição das Obrigações.
XLIV. Não resultou demonstrada qualquer ilicitude na actuação do Banco Recorrente.
XLV. A falta de reembolso ocorreu por efeito da insolvência do emitente e não por causa de qualquer deficiente informação ou actuação do intermediário financeiro.
XLVI. As obrigações são valores mobiliários representativos de direitos de crédito ao reembolso da quantia emprestada (valor nominal da obrigação).
XLVII. Os AA. mediante a subscrição de obrigações no montante de € 50.000,00, emprestaram esse valor à "SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A." (entidade emitente dessas obrigações), a qual, por seu turno detinha o Banco Réu a 100%, daí que na data de 2006 não fosse equacionável que aquela poderia um dia vir a falir.
XLVIII. Não poderá assim ser assacada qualquer responsabilidade ao Banco Réu relativamente ao incumprimento verificado no pagamento das obrigações pela entidade emitente.
XLIX. Não haverá também lugar à responsabilidade do Banco Réu em sede de responsabilidade civil por falta de verificação dos seus requisitos essenciais e pelas razões acima expostas.
L. Deverá assim o Banco Réu ser absolvido dos pedidos contra si deduzidos na presente acção.
LI. O Tribunal recorrido efectuou uma incorrecta aplicação dos artigos 595º, 762º, 227º do Código Civil, 289º, 291º, 304º, 312º e 323º do CVM e 75º RGICSF.
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Foram apresentadas alegações por parte dos apelados pugnando pela manutenção do julgado.