[h=3]I - RELATÓRIO
[/h]1- No juízo de competência genérica de São Pedro do Sul, comarca de Viseu, no processo n[SUP]o[/SUP] Comum Singular n[SUP]o[/SUP] 136/09.2GASPS, foi julgado o arguido A... (...), tendo sido a final proferida a decisão condenando-o como autor material de um crime de aproveitamento de obra usurpada, p e p. pelos artºs 197.º, n.[SUP]o[/SUP] 1 e 199.º, n.[SUP]o[/SUP] 1, ambos do CDADC, nas penas de 5 meses de prisão e 190 dias de multa, esta à taxa diária de 7,50 euros, num total de 1.425 euros, com 126 dias de prisão subsidiária. Ao abrigo do disposto no artº 50.º, n.[SUP]os[/SUP] 1 e 5, do CP, foi suspensa a execução da referida pena de prisão pelo período de 12 meses, contados do trânsito da presente decisão.
2 - Inconformado, recorreu o arguido da sentença condenatória, formulando as seguintes conclusões:
"1ª A questão fundamental que aqui suscitamos com o presente recurso consiste em saber se os factos provados preenchem os elementos objectivos do tipo de crime de aproveitamento de obra contrafeita ou usurpada, previsto e punido nos termos do disposto nos artigos 199º e 197º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (CDADC), pelo qual o arguido, ora recorrente, foi condenado.
2ª Da matéria considerada como provada da douta Sentença resulta que:
"No dia 24.04.2009, pelas 11:20 horas, na estrada (...), o arguido transportava, no interior de um veículo automóvel por si conduzido, de matrícula K..., os seguintes objectos:
a) 132 fonogramas em suporte físico de formato CD-R (Compact-disc Recordable);
b)196 videogramas em suporte físico de formato DVD-R (Digital Versatible Disc-Recordable)."
Resulta ainda que os referidos "CD-R e DVD-R, são de duplicação artesanal, sendo o respectivo suporte material idêntico aqueloutros que se vendem ao público em geral como virgens."
3ª O Meritíssimo Juiz a quo enquadra esta factualidade no âmbito do nº1, do artigo 199º, do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (CDADC), afirmando " Ora, ao transportar no veículo automóvel que conduzia, destinando-os à venda ao público em geral, os exemplares usurpados que lhe foram apreendidos, o arguido procedia à distribuição daqueles, integrando por isso a sua conduta a previsão do arteº 199º."
4ª Ora em nosso entendimento e salvo o devido respeito por melhor opinião, e conforme a abundante jurisprudência nesse sentido, aquele que compra um lote de obras usurpadas, ainda que, o destine a vender a outrem, sendo surpreendido quando ao volante de um veículo, faz o seu transporte, não comete o crime de aproveitamento de obra contrafeita ou usurpada, do artigo 199º CDADC, pois que não vendeu - ainda; não colocou à venda - ainda (ou pelo menos, como resulta dos factos apurados); não exportou (nem consta que o pretendesse fazer); nem distribuiu ao público (obviamente, pois que o material estava a ser por si transportado).
Tal conduta não integra a consumação do crime deste, apenas e tão só, a tentativa, não sendo, passível de punição, pois que a moldura penal abstrata não atinge o patamar mínimo, a partir do qual o legislador concede dignidade à punição da tentativa, nos termos do disposto no nº1, do artigo 23º, do Código Penal. Assim, a actividade de quem adquire um conjunto de obras contrafeitas e as transporta num veículo, ainda que com o propósito de as vir a vender, não preenche totalmente o tipo de crime do art.º 199.º do CDADC e se deve concluir que neste caso o crime se ficou pela forma tentada (art.º 22.º Código Penal). Por fim, tendo em conta a moldura penal abstractamente aplicável para o crime consumado (prisão até três anos e multa de 150 a 250 dias) a prática do mesmo ilícito típico na forma tentada não é punível - artigos 22º, 23º Código Penal e 197º n.[SUP]o[/SUP]1 CDADC.
5ª A Douta Sentença Recorrida violou pois os artigos 199º, 197º do Código do Direito de Autor e Direitos Conexos, e os artigos 22º e 23º do Código Penal, pelo que se dever concluir por falta de tipicidade da conduta e por não ser punível a tentativa, tem de se absolver o arguido, como será de JUSTIÇA.
3 O Exmo. Magistrado do Ministério Público respondeu ao recurso, concluindo:
"1. Atenta a factualidade apurada não é possível imputar ao arguido que o mesmo haja vendido, posto à venda ou, por qualquer modo, distribuísse ao público os aludidos fonogramas e videogramas. Os videogramas e fonogramas em causa apenas se encontravam a ser transportados pelo arguido num veículo automóvel, sendo certo que era sua intenção colocá-los à venda, o que não veio a acontecer em virtude da intervenção policial da qual resultou a sua apreensão.
2. Não se mostram, por isso, preenchidos os elementos objectivos do tipo de ilícito de aproveitamento de obra usurpada - a acção de vender, por à venda, exportar ou, por qualquer modo, distribuir ao público - porquanto a conduta do arguido ficou-se pelo mero transporte.
3. A conduta em apreço não é reconduzível à acção de distribuir pois é hoje doutrinalmente pacífico que o conceito de distribuição que subjaz à previsão do referido preceito, deve ser entendido na sua vertente económica, porquanto o fim visado pela lei é abranger as actividades empresariais de comercialização de exemplares ilícitos, sejam elas cobertas ou não pela noção jurídica de distribuição. Isto significa que quando essas características não se verificam, as actividades não são incriminadas (neste sentido, Oliveira Ascensão in Direito Penal de Autor, pág. 49).
4. Assim, no caso em apreço, conclui-se que o arguido apenas praticou actos de execução do ilícito, e como tal, a sua conduta tem de ser valorada a título de tentativa da prática do crime.
5. Ora, tendo por base a disposição que determina para a previsão do artigo 199.º, n.[SUP]o[/SUP] 1 do CDADC a punição com pena de prisão até 3 anos e multa de 150 a 250 dias, conforme estatui o artigo 197.º, n.[SUP]o[/SUP] 1, cedo se conclui que, não estando a tentativa expressamente prevista e sendo a pena correspondente ao crime consumado não superior a 3 anos, a tentativa não é, nestes casos, punível.
6. Deste modo, a factualidade dada como provada não é susceptível de integrar a prática de qualquer ilícito criminal, nomeadamente do crime de aproveitamento de obra usurpada, previsto e punível pelos artigos 197.º, n.[SUP]o[/SUP] 1 e 199.º do Código do Direito de Autor e Direitos Conexos (CDADC).
7. Ao condenar o arguido pela prática de um crime de aproveitamento de obra usurpada, incorreu o Tribunal a quo, face ao que tinha dado como provado, e face às razões que supra se expenderam, nos vícios previstos no artigo 410.º, n.[SUP]o[/SUP] 2, alíneas a) e c), do Código de Processo Penal.
8. Considerando a matéria de facto dada como provada, o Tribunal a quo, ao decidir como decidiu condenando o arguido pela prática de um crime de aproveitamento de obra usurpada, violou as disposições dos artigos 199.º do Código do Direito de Autor e Direitos Conexos (CDADC), aprovado pelo Decreto-Lei n.[SUP]o[/SUP] 63/85, de 14 de Março e 1° e 23° do Código Penal.
Nestes termos a decisão recorrida deve ser revogada, sendo substituída por outra que absolva o arguido da prática do crime de aproveitamento de obra usurpada que lhe é imputado na acusação, devendo ser julgado procedente o recurso interposto pelo Recorrente.
Mas vossas excelências farão, como sempre, o que melhor for de justiça!"
4- Nesta Relação, a Exma PGA emitiu o seguinte parecer:
"(...)
Sufragamos o entendimento e as considerações expendidas pelo Magistrado do M. P. na 1ª Instância na resposta à motivação de recurso que apresentou.
Com efeito, a factualidade provada não preenche os elementos do tipo do crime de aproveitamento de obra usurpada pelo qual o arguido foi acusado e condenado, como bem demonstra o Magistrado do MP na 1ª Instância.
Na verdade, o transporte, ou a detenção para venda, ou para distribuição por outro meio, são acções que não constam dos elementos objectivos do tipo previsto no referido art. 199º e, ao contrário do que defende a decisão recorrida, não integram, só por si, a actividade de distribuição, como não integram a acção de vender ou de pôr à venda.
Como refere José Branco: o bem jurídico tutelado pela norma será "o direito de colocar em circulação comercial ... os exemplares"; um dos vectores do complexo de direitos que integram a unidade direito de autor e o tipo objectivo integra "as condutas entendidas como de comercialização de exemplares, o que corresponde a coisa diversa do conceito legal de utilização da obra, assentes no pressuposto de que tais exemplares tenham sido «usurpados» ou «contrafeitos»".
E mais à frente: "O transporte não é punido por este tipo legal de crime, embora se pudesse considerar que cabia no significado abrangente da expressão "... ou por qualquer modo distribuir ao público..." posto que estamos perante crime de resultado e o mero acto de transportar não consubstancia a colocação no mercado à disposição do público.
O transporte constituirá um mero acto de execução não punível e insuficiente para consumar a infracção ou, quando muito, configurar, conforme as circunstâncias que da prova resultarem, uma tentativa".
Que, como se referiu, não é punível face ao que dispõem os arts 23º, n[SUP]o[/SUP] 1, do Código Penal e 197, n[SUP]o[/SUP] 1, do CDADC.
De realçar que a enunciação das acções típicas têm de comum estarem dirigidas "à colocação no mercado e, neste âmbito, ao agente que comercializa", não estando por isso abrangido o consumidor final.
Em conformidade, emitimos parecer no sentido da procedência do recurso interposto."
5 - Foram colhidos os vistos legais e teve lugar a conferência.
Cumpre conhecer e decidir.