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"A cultura cigana é sempre divertida"
Tony Gatlif, tido como o mais célebre cineasta cigano, esteve em Lisboa recentemente, no âmbito do ciclo de cinema das festas da cidade, para apresentar a obra
Inserido nas Festas de Lisboa, e sob o signo "Rotas & Rituais - O Povo das Estrelas", o Instituto Franco-Português exibiu, no Cinema São Jorge, uma retrospectiva dos filmes de Tony Gatlif.
Nascido na Argélia, em França desde os anos 60, é o mais famoso cineasta cigano do Mundo, com uma obra premiada internacionalmente e que já lhe valeu o Prémio de Realização em Cannes, com "Exils". O realizador esteve no São Jorge para apresentar o seu famoso documentário sobre a música cigana, "Latcho Drom", também premiado em Cannes. Antes, confessou, ao JN, já ter vivido em Portugal.
Quando se aplica o termo "cigano", há quase sempre uma conotação pejorativa. O seu cinema é uma forma de lutar contra o estigma?
O cinema que faço é um cinema de luta, que defende o meu povo, no Mundo inteiro. Faço um cinema divertido, mas empenhado. Vai contra os estereótipos, que são feitos por pessoas que não nos conhecem. Como o dos cigarros Gitane, que se chamam assim por serem fortes. Ou é isso ou há um sentido pejorativo.
O facto de o seu cinema ser realmente divertido e, sobretudo, muito emocional tem também a ver com as suas raízes ciganas?
De facto, é assim. A cultura cigana é sempre divertida. Mesmo nos momentos mais trágicos. Os ciganos, ao longo da história, souberam sempre manter uma certa alegria de viver, mesmo se para eles a vida é dura. Faz parte da cultura cigana. Os ciganos nunca são sinistros.
É verdade que descobriu o cinema quando era muito pequeno, ainda na Argélia?
Tinha cinco anos. Mas é preciso colocarmo-nos no contexto da Argélia de 1955. Nasci na pobreza mais absoluta. Não tínhamos nem água nem electricidade. Não havia médicos. Andávamos descalços, vestíamos a mesma roupa durante meses. Mas éramos livres na vida que levávamos.
Onde é que entrou o cinema?
Um dia, chegaram os militares, com uma escola pré-fabricada. Em 24 horas, tinham construído uma escola, com as salas, o pátio e um gradeamento à volta. Era obrigatório que todas as crianças fossem à escola, para aprender a ler e a escrever. Mas nós não gostávamos de estar fechados. Só o mestre-escola é que nos convenceu, porque projectava filmes. Só o genérico, com aquelas letras a voar, já foi um sonho para mim.
Pode dizer que a vontade de fazer cinema já vem daí?
O primeiro filme que vi foi o "Brincadeiras proibidas", do René Clément. Falava da guerra, que era um pouco como a nossa, na Argélia. Foi como se a Cinemateca tivesse chegado à minha aldeia. Só víamos filmes do Jean Vigo, do Jean Renoir, do René Clément, do Chaplin. Filmes de autor, mas militantes. Revolucionários, mesmo, como "O ladrão de bicicletas".
Voltou alguma vez a encontrar esse homem que o iniciou no cinema?
Nos anos 80, ele contactou-me através do jornal "Le Monde". Escreveu-me uma carta a dizer quem era e a confessar que, na altura, à noite, estava com os militantes da FNL, para ajudar a revolução. Era francês e comunista.
Como foi recebido na comunidade cinematográfica francesa?
Quando comecei a fazer cinema, foi logo com filmes duros, como "Les princes". Eram filmes de revolta. Mas tinha nacionalidade francesa. Não cheguei a França como emigrante, mas como um francês como qualquer outro. Sempre pude dizer o que pensava. Os meus filmes são como eu penso. E a França é um país que sabe acolher.
Mas, hoje, há enormes problemas em França com os emigrantes…
É um pouco a asfixia da política. O Mundo está mal governado. Os governos não sabem o que fazer, ainda estão no século XVIII ou XIX. As pessoas que governam o Mundo vivem no passado. Mesmo Barack Obama parece-me ser bastante conservador. A África do Sul, ao escolher o Mandela, mostrou estar na modernidade.
No seu cinema, sente-se muito a ideia da errância, da viagem, do movimento. É algo que ainda lhe corre nas veias?
Somos assim, não se pode mudar. É uma cultura que nos está no sangue. Faz parte da vida que gosto.
Como é que os seus filmes são recebidos pelas comunidades ciganas? Costuma contactar com eles, por onde passa?
Tenho contactos no Mundo inteiro. É como uma rede, mas sem ser política. É mais como uma irmandade. Há algumas semanas, estive na Turquia, num bairro cigano de Istambul que ia ser destruído pelas autoridades municipais. Convidaram-me para ir lá falar na televisão.
E em Portugal, tem contactos?
Sim, no Alentejo e no Algarve. Vivi algum tempo no Alentejo. Uma vez, estive num campo cigano, em Mértola, com tendas. Eram vendedores de cavalos. Cheguei lá, sentei-me com eles à volta da fogueira, disse que vinha de França, comecei a falar com eles em Espanhol.
JOÃO ANTUNES
JN
Tony Gatlif, tido como o mais célebre cineasta cigano, esteve em Lisboa recentemente, no âmbito do ciclo de cinema das festas da cidade, para apresentar a obra
Inserido nas Festas de Lisboa, e sob o signo "Rotas & Rituais - O Povo das Estrelas", o Instituto Franco-Português exibiu, no Cinema São Jorge, uma retrospectiva dos filmes de Tony Gatlif.
Nascido na Argélia, em França desde os anos 60, é o mais famoso cineasta cigano do Mundo, com uma obra premiada internacionalmente e que já lhe valeu o Prémio de Realização em Cannes, com "Exils". O realizador esteve no São Jorge para apresentar o seu famoso documentário sobre a música cigana, "Latcho Drom", também premiado em Cannes. Antes, confessou, ao JN, já ter vivido em Portugal.
Quando se aplica o termo "cigano", há quase sempre uma conotação pejorativa. O seu cinema é uma forma de lutar contra o estigma?
O cinema que faço é um cinema de luta, que defende o meu povo, no Mundo inteiro. Faço um cinema divertido, mas empenhado. Vai contra os estereótipos, que são feitos por pessoas que não nos conhecem. Como o dos cigarros Gitane, que se chamam assim por serem fortes. Ou é isso ou há um sentido pejorativo.
O facto de o seu cinema ser realmente divertido e, sobretudo, muito emocional tem também a ver com as suas raízes ciganas?
De facto, é assim. A cultura cigana é sempre divertida. Mesmo nos momentos mais trágicos. Os ciganos, ao longo da história, souberam sempre manter uma certa alegria de viver, mesmo se para eles a vida é dura. Faz parte da cultura cigana. Os ciganos nunca são sinistros.
É verdade que descobriu o cinema quando era muito pequeno, ainda na Argélia?
Tinha cinco anos. Mas é preciso colocarmo-nos no contexto da Argélia de 1955. Nasci na pobreza mais absoluta. Não tínhamos nem água nem electricidade. Não havia médicos. Andávamos descalços, vestíamos a mesma roupa durante meses. Mas éramos livres na vida que levávamos.
Onde é que entrou o cinema?
Um dia, chegaram os militares, com uma escola pré-fabricada. Em 24 horas, tinham construído uma escola, com as salas, o pátio e um gradeamento à volta. Era obrigatório que todas as crianças fossem à escola, para aprender a ler e a escrever. Mas nós não gostávamos de estar fechados. Só o mestre-escola é que nos convenceu, porque projectava filmes. Só o genérico, com aquelas letras a voar, já foi um sonho para mim.
Pode dizer que a vontade de fazer cinema já vem daí?
O primeiro filme que vi foi o "Brincadeiras proibidas", do René Clément. Falava da guerra, que era um pouco como a nossa, na Argélia. Foi como se a Cinemateca tivesse chegado à minha aldeia. Só víamos filmes do Jean Vigo, do Jean Renoir, do René Clément, do Chaplin. Filmes de autor, mas militantes. Revolucionários, mesmo, como "O ladrão de bicicletas".
Voltou alguma vez a encontrar esse homem que o iniciou no cinema?
Nos anos 80, ele contactou-me através do jornal "Le Monde". Escreveu-me uma carta a dizer quem era e a confessar que, na altura, à noite, estava com os militantes da FNL, para ajudar a revolução. Era francês e comunista.
Como foi recebido na comunidade cinematográfica francesa?
Quando comecei a fazer cinema, foi logo com filmes duros, como "Les princes". Eram filmes de revolta. Mas tinha nacionalidade francesa. Não cheguei a França como emigrante, mas como um francês como qualquer outro. Sempre pude dizer o que pensava. Os meus filmes são como eu penso. E a França é um país que sabe acolher.
Mas, hoje, há enormes problemas em França com os emigrantes…
É um pouco a asfixia da política. O Mundo está mal governado. Os governos não sabem o que fazer, ainda estão no século XVIII ou XIX. As pessoas que governam o Mundo vivem no passado. Mesmo Barack Obama parece-me ser bastante conservador. A África do Sul, ao escolher o Mandela, mostrou estar na modernidade.
No seu cinema, sente-se muito a ideia da errância, da viagem, do movimento. É algo que ainda lhe corre nas veias?
Somos assim, não se pode mudar. É uma cultura que nos está no sangue. Faz parte da vida que gosto.
Como é que os seus filmes são recebidos pelas comunidades ciganas? Costuma contactar com eles, por onde passa?
Tenho contactos no Mundo inteiro. É como uma rede, mas sem ser política. É mais como uma irmandade. Há algumas semanas, estive na Turquia, num bairro cigano de Istambul que ia ser destruído pelas autoridades municipais. Convidaram-me para ir lá falar na televisão.
E em Portugal, tem contactos?
Sim, no Alentejo e no Algarve. Vivi algum tempo no Alentejo. Uma vez, estive num campo cigano, em Mértola, com tendas. Eram vendedores de cavalos. Cheguei lá, sentei-me com eles à volta da fogueira, disse que vinha de França, comecei a falar com eles em Espanhol.
JOÃO ANTUNES
JN