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A ofensiva contra o Poder Judicial

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Jun 2, 2007
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NUNO GAROUPA - "O poder judicial deve reclamar a independência processual que lhe é negada pelo legislador e exigir a efectividade da independência administrativa, que o Executivo bloqueou nos últimos 30 anos".

Apesar de alguns comentadores próximos do Governo ridicularizarem as múltiplas declarações dos mais variados magistrados, é evidente que desde de que tomou posse como Governo, na Primavera de 2005, o PS abriu uma ofensiva contra o poder judicial. O próprio primeiro-ministro deixou isso muito claro na tomada de posse, quando anunciou a redução das férias judiciais em nome do combate aos privilégios excessivos. Só pode surpreender quem não quer ver ou quem prefere ignorar a realidade. Mas havendo, sem dúvida, urna ofensiva contra o poder judicial, importa desdramatizar a situação.

A estratégia de confronto com o poder judicial por parte do poder político, e deste Governo em especial, tem razões conjunturais e estruturais. Desde logo, porque a separação de poderes sempre foi efectivamente tutelada pelo executivo, uma vez que ao Conselho Superior de Magistratura nunca foram adjudicados os recursos que permitem uma independência administrativa efectiva do poder judicial (e a última reforma foi, tal como previsto, incipiente). Depois, porque as vicissitudes da ditadura e da revolução nunca foram realmente superadas, de forma que o poder político desconfia e não gosta do poder judicial.

Conjunturalmente, o impacto das decisões processuais e substantivas dos magistrados em múltiplas dimensões da vida política vieram agravar essas desconfianças. Finalmente, o Governo precisa de encontrar culpados para a incapacidade de produzir os anunciados resultados das reformas operadas da justiça. Sendo óbvio para todos que a justiça não está significativamente melhor que em 2005 (a congestão persiste, a confusão não desapareceu, a crise continua, e, agora, junta-se a criminalidade e a insegurança que os meios de comunicação se encarregaram de projectar), e uma vez que a crise financeira internacional não pode servir de desculpa para tudo, resta utilizar a central de informação para culpabilizar o poder judicial de todos os males. Pelo menos até às eleições de 2009. Depois, logo se verá.

Nesse sentido, regista-se como positivas as recentes palavras do Ministro Alberto Costa sobre o código de processo penal e a crescente insegurança. Primeiro, afirmar que essas reformas foram de natureza política parece-me um avanço importante que acaba com a tecnocracia jurídica em que se esconde o legislador. Dada a sua natureza, as consequências são também políticas. E não havendo nenhuma razão para pensar que um poder judicial tradicionalmente formalista, da noite para o dia, passou a estar na vanguarda do positivismo judiciário (mesmo que os suspeitos de sempre consigam encontrar um ou outro magistrado judicial, entre os quase dois mil que existem, que possa fazer interpretações mais criativas da lei), a responsabilidade cabe unicamente ao poder político. Porque, precisamente, o poder judicial em Portugal não tem independência processual para poder ser responsabilizado pela incompetência do legislador.

O Ministro afirmou também ser contrário a alterações da lei vigente em nome da estabilidade legislativa. Isto são excelentes noticias, já que este Governo, como os anteriores, andou três anos a boicotar a estabilidade legislativa (basta ver que metade das leis que fez está por regulamentar ou que quase todas as importantes reformas na justiça ou na administração pública não passaram ainda do papel, e estamos no final da legislatura).

Finalmente, o Ministro lembrou, e muito bem, que ao poder político compete legislar e ao poder judicial compete cumprir e aplicar a lei. Daí que, se a justiça está na crise que está desde as últimas décadas, a responsabilidade só pode ser do legislador isto é, do bloco central que nos tem governado desde sempre.

Infelizmente, o poder judicial tem sido incapaz de responder de forma cabal ao poder político. Fala demasiado dos seus problemas de natureza sindical; muitos dos seus protagonistas gostam de entrar na luta mediática, fútil e inconsequente por natureza; muitas vezes é demasiado complacente com os magistrados incompetentes. O poder judicial deve reclamar a independência processual que lhe é negada pelo legislador e exigir a efectividade da independência administrativa, que o executivo bloqueou nos últimos 30 anos. Isso só pode ser feito com propostas concretas e iniciativas que tenham um cariz reformista. Menos sindicalismo e mais activismo é o que necessita o poder judicial neste momento.

NUNO GAROUPA - Professor da University of Illinois College of Law


@ JN
 
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