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ACÓRDÃO DO DIA "Comentário ao Acórdão STJ de 11 de janeiro de 2018."

santos2206

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[h=2]Pelo princípio da culpa e de acordo com as regras de determinação da pena, não podem as penas acessórias em caso de concurso, deixar de ter o tratamento das regas do cúmulo jurídico que o legislador adotou para as penas principais
[/h]JusJornal, N.º 24, Secção Penal / Acórdão do Dia , Fevereiro 2018, Editora Wolters Kluwer

JusNet 32/2018



Comentário ao Acórdão STJ de 11 de janeiro de 2018.



O Ministério Público junto do Tribunal da Relação do Porto interpôs recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido em 3 de Junho de 2016, alegando encontrar-se em oposição com aqueloutro da mesma Relação proferido em 25 de Novembro de 2015, quanto à questão de saber se, em concurso de crimes, havendo lugar à aplicação de penas acessórias de proibição de conduzir veículos com motor, estas penas acessórias deverão recorrer a via do cúmulo jurídico ou da acumulação material.

No presente seguiu-se as regras do cúmulo jurídico estabelecidas nos artigos 77.º e 78.º do C.P., na consideração do disposto no artigo 71.º do C.P. e no respeito dos princípios da necessidade, da mínima restrição dos direitos, da adequação e da proporcionalidade.
A) O caso / factos provados
No acórdão recorrido, nos termos do n.º1 do artigo 78.º do CP, decidiu-se que, em caso de concurso de crimes de condução em estado de embriaguez, previsto pelo artigo 292.º, n.º 1 do C.P, as penas acessórias de proibição de conduzir veículos com motor, nos termos do artigo 69.º, n.º1, alínea a), do mesmo diploma legal, estão sujeitas às regras do cúmulo jurídico estabelecidas nos artigo 77.º e 78. do C.P., e devem ser graduadas dentro dos limites legais, nos termos do artigo 71.º do mesmo diploma, tendo em consequência mantido a sentença cumulatória da 1.ª instância que, a partir das penas acessórias parciais de proibição de conduzir veículos com motor pelos períodos de 4 meses e 15 dias e 5 meses e 15 dias, fixou em 8 meses a pena acessória única.
Nesta sequência, seguiu-se o entendimento de que, sendo a pena acessória uma verdadeira pena, apresenta-se como consequência jurídica de um restrito número de factos típicos com relevância penal, a qual a sua especificidade reside no facto de a sua aplicação se encontrar dependente da aplicação da pena principal.

Assim, se é uma verdadeira pena, então a sua medida é sempre a medida da culpa e toda a medida da pena que ultrapasse a medida da culpa é absolutamente ilegal, sendo consensual que a medida da pena acessória é igualmente encontrada através daqueles critérios.

Na presente situação segue-se o entendimento de que, a exigência de culpa, de reintegração social e até mesmo de justa retribuição, obrigam o julgador a operar não o cúmulo material, mas sim o jurídico, porque só assim, com uma moldura penal abstrata da pena acessória encontrada nos termos do n.º2 do artigo 77.º do CP, o julgador se pode afastar de uma pena fixa, igual à soma aritmética de todas as penas parcelares. Só com esta abordagem se consegue uma verdadeira individualização da sanção penal.
Porém, no acórdão fundamento decidiu-se que em caso de concurso dos crimes de homicídio por negligência do n.º1 do artigo 137.º e ofensa à integridade física por negligência do n.º1 do artigo 148.º, do CP, há lugar a cúmulo material das respetivas penas acessórias de proibição de conduzir veículos com motor, do n.º1, alínea a), do artigo 69.º do CP (no caso fixadas pela 1.ª instância pelos períodos de 5 meses quanto ao 1.º crime e 4 meses quanto ao 2.º, cujo cumprimento sucessivo confirmou), assim consagrando solução oposta sobre a mesma questão de direito.
Relata ainda este acórdão que nestes casos, estas penas acessórias não estão sujeitas a cúmulo jurídico, pois apesar de a sua fixação funcionar dentro dos limites da culpa e visar, tal como a pena principal, exigências de prevenção, é ponto assente a diferente natureza dos fins prosseguidos e dos objetivos de política criminal de cada um desses tipos de penas.
De igual modo, relata o acórdão fundamento que, não obstante esta regulação pormenorizada, em momento algum a lei prevê a imposição de pena acessória única, contrariamente ao que acontece com as penas principais o que, em face das suas diferentes naturezas, só poderá significar que o legislador quis excluir a possibilidade de realização de cúmulo jurídico para as penas acessórias.
Face ao exposto, verifica-se a oposição de julgados no domínio da mesma legislação, em relação à mesma questão de direito, em que o acórdão recorrido entende que, em caso de concurso, as penas acessórias de proibição de conduzir veículos com motor, do n.º1 do artigo 69.º do C.P., estão sujeitas a cúmulo jurídico, já o acórdão fundamento sustenta que tais penas deverão cumular-se materialmente, nada obstando, assim, ao conhecimento do mérito do recurso de fixação de jurisprudência.
Pedido de fixação de jurisprudência

No caso em apreço, a questão coloca-se sobre a admissibilidade ou inadmissibilidade do cúmulo jurídico em caso de concurso de penas acessórias (ou melhor, de concurso de crimes punidos com pena acessória).
B) Fundamentação
Em termos doutrinais, João Costa confirma o entendimento fundamentante do sistema da pena conjunta, e de igual modo, António Latas defende o cúmulo jurídico das penas acessórias, em suma, dado o artigo 77.º do CP as não excluir e em princípio as mantendo no n.º3 do artigo 78.º face às penas principais, se aplicadas em sentença anterior ou a crime que falta apreciar, de resto sendo a solução do cúmulo jurídico a que melhor se coaduna com a natureza de verdadeira pena que constitui a proibição de conduzir.
De igual modo, Paulo Pinto de Albuquerque defende igual posição, pois a sua aplicação depende da valoração dos critérios gerais de determinação das penas, ainda que se trate de conhecimento superveniente.
Quanto à posição contrária, de que as penas acessórias, mormente de proibição de conduzir veículos com motor, são cumuladas materialmente, apontam Miguez Garcia e Castela Rio que “não há cúmulo jurídico de sanções acessórias, devendo as mesmas ser cumpridas sucessivamente em caso de pluralidade (artigo 77.º, n.º4).
Assim e pelo exposto, em primeira linha é pacífico que o sistema consagrado neste preceito legal configura um sistema de pena conjunta, obtido através de um cúmulo jurídico e que, embora de pena única, encontra num princípio de acumulação a fonte essencial de inspiração.
Defende igualmente o acórdão que, a acumulação material de coimas e de sanções acessórias não pode ser transposta para o direito penal por analogia ou interpretação extensiva, sob pena de violação do princípio da legalidade na determinação da pena (artigo 1.º, n.º3, e 29.º, n.º3 e 4, da CRP), seja por recurso interpretativo ao caso paralelo, desde logo dada a diferença qualitativa entre o direito penal, que enquanto última ratio da política criminal tutela bens ou valores assumidos como fundamentais pela consciência ético-social, e o direito estradal enquanto direito de mera ordenação social, cujos interesses protegidos, embora socialmente relevante, não revestem essa característica de fundamentalidade.
Também quanto à proporcionalidade entre a medida da pena principal e a da pena acessória, naturalmente nada impede que na respetiva aplicação sejam seguidos os mesmos critérios gerais de determinação das penas, tendo em conta a culpa e as circunstâncias do caso concreto, de forma a salvaguardar, de resto, o princípio da não automaticidade (artigo 65.º), bem como a proibição de penas acessórias fixas.

Deste modo, para além dos argumentos supra referidos, entende o STJ que sendo a pena acessória enquanto verdadeira pena não pode ficar indiferente às finalidades das penas principais, bem como aos critérios de determinação da medida da pena previstos no artigo 71.º, dentro dos limites por ela definidos; que o cúmulo material das penas acessórias viola o princípio da culpa e frustra as finalidades de prevenção, dado que só através do cúmulo jurídico, na consideração conjunta dos factos e da personalidade do agente, é possível alcançar a pena proporcionalmente adequada, respeitadora dos princípios da igualdade e da proporcionalidade; as penas acessórias de proibição de conduzir veículos com motor se mantêm e se aplicam em face da pena principal e não isoladamente (e em adição material) em relação a cada uma das penas acessórias aplicadas em caso de pluralidade de penas dessa natureza.

 
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