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Antiga jornalista francesa troca "luzes" de Paris pelo sossego do Alentejo

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Antiga jornalista francesa troca "luzes" de Paris pelo sossego do Alentejo para "curar" velhos livros

A antiga jornalista francesa Sandrine de Barahona trocou o bulício de Paris pelo sossego alentejano e o "corre-corre" da profissão pela demorada arte de encadernar e dourar velhos livros, ofício que, sem saber, lhe corria no sangue.

"É a minha paixão, pensava que tinha jeito, mais nada. Os meus pais é que me contaram depois que o meu avô, que morreu era eu pequena, tinha sido encadernador-dourador em Paris, até aos anos 50", relatou à agência Lusa.

A artesã, de 35 anos, é das últimas encadernadoras e douradoras do Alentejo, senão mesmo do país, e a mais jovem, assume, com ligeiro sotaque francês, num português fluente aprendido através da televisão, dos livros, dos amigos portugueses e do marido, de Évora.

Sem raízes anteriores em Portugal e, "tipicamente, como francesa", julgando que o país era parte de Espanha, Sandrine acabou por rumar a território luso, primeiro para Lisboa e depois para a cidade alentejana de Évora, região onde se sentiu logo "em casa".

"Vivi quase sempre no sul de França, antes de me mudar para Paris, e reencontrei aqui o sol e o espaço. Gosto da cor, da luz, dos monumentos, da alma e das pessoas de Évora. Já conheço mais gente do que em França", relata.

Filha de apicultores, cresceu perto de Cannes, pondo de lado os sonhos de infância em ser bailarina, por ter ficado "demasiado alta", para seguir a sua veia de "comunicadora" e formar-se em Jornalismo e Comunicação.

A assessoria de imprensa foi a primeira experiência profissional, seguindo-se o canal televisivo de notícias da TF1, onde desempenhou funções de edição, de jornalista e como responsável pelo jornal de economia.

"Estava a correr lindamente, mas não parava de trabalhar nem um minuto", conta, explicando que, na altura, já namorava com o agora seu marido, que tinha estudado em França e, entretanto, regressara ao Alentejo.

Sem saber "uma palavra de português", mas cansada de desdobrar-se em viagens entre os dois países, muda-se para Lisboa "por amor", a tempo de "embarcar" na EXPO98, como assessora de imprensa no Pavilhão de França, e depois como correspondente na agência de notícias France Press.

Durante este percurso, Sandrine, que sempre teve a "paciência para os pormenores" que o artesanato exige, foi-se dedicando ao estudo e à prática da encadernação e do douramento (letras e motivos aplicados, a folha de ouro ou prata, no livro).

"Acabei por vir de vez para Évora e decidi que a minha vida não era o jornalismo. Montei atelier e contei aos meus pais, que me mostraram trabalhos do meu avô", recorda.

A notícia de que iria seguir os passos do antepassado correu por toda a família, que a presenteou com antigos papéis e peles guardadas, como testemunho de tempos idos, e livros encadernados pelo avô.

"Tesouros" que ainda hoje "povoam" o atelier no piso térreo da sua casa, em pleno centro histórico, e onde também os livros, as peles importadas e os papéis que aplica nas capas são protagonistas: "Ainda tenho peles do meu avô, mas tenho que as utilizar, não posso guardar tudo".

Alguns materiais compra em Lisboa, mas outros mais nobres vêm de Inglaterra, Espanha ou França, como é o caso das peles, pois, apesar das nacionais serem "boas", são "frágeis, com pouca oferta de cores e raramente específicas para encadernação".

De cada viagem ao estrangeiro regressa "carregada" de papéis de milhentas cores e acabamentos, alguns, como os japoneses, aplicados apenas em trabalhos especiais devido ao seu elevado custo, enquanto que outros são criados por si.

Por entre os armários onde tudo é guardado com cuidado, para não se enrolar ou dobrar, estão as máquinas e as ferramentas, como as adquiridas à família do último encadernador-dourador de Évora, o mestre Brito, já falecido.

Prensa de encaixe, guilhotina e cisalha são alguns dos engenhos a que dá uso diário, sem os deixar "morrer", e de que cuida "com carinho", para que a auxiliem na tarefa de dar vida nova a livros "maltratados" pelo tempo.

"Há um entusiasmo especial quando um livro mais valioso entra no atelier. Depois, é difícil deixá-lo ir embora", confessa, dando conta do "prazer enorme" que sente perante o sorriso de quem recupera um livro restaurado.

Para Sandrine, esse "acto de amor" diário de cuidar dos livros, que a leva a estar "de manhã à noite" no atelier e em "surpresa constante", porque "cada livro se comporta de maneira diferente", faz com que não se arrependa de ter deixado para trás o jornalismo e as "luzes" de Paris.

"Nunca tive medo de arriscar", resume, apostada em continuar a caminhada herdada do avô, para que o ofício de dourador-encadernador perdure: "As minhas mãos estão guiadas pelo meu avô. Aprendo todos os dias com os livros para me tornar melhor artesã".
 
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