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Bem-estar e comportamento animal : uma breve introdução

billshcot

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Bem-estar e comportamento animal : uma breve introdução

A relação entre os humanos e os animais é tão antiga como a própria história do homem. Este interessou-se, desde sempre, pelo comportamento dos animais de outras espécies, estando este facto bem patente já na arte rupestre. Após um longo período em que era caçador-colector, tendo hábitos nómadas, o homem começou a domesticar animais (com o cão, há mais de 10.000 anos), o que implicou profundas mudanças no seu modo de vida. As filosofias antropocêntricas, dominantes durante vários séculos, conferiram-lhes um estatuto de objectos na sociedade. Filósofos como Platão, Aristóteles ou S. Tomás de Aquino, supunham que a capacidade de raciocínio fazia a alma humana única, superior às de todos os outros seres. Durante o século XVII, os dualistas, seguidores de Descartes, consideravam a existência de um mundo material e de um espírito. De acordo com esta teoria, os animais inseriam-se apenas no primeiro, pelo que seriam meras máquinas, sem parâmetros psicológicos e com total insensibilidade. Embora existissem outras correntes baseadas em conceitos diferentes sobre o comportamento animal, esta foi a teoria vigente durante um longo período de tempo, facilitando a banalização da crueldade e maus-tratos infligidos aos animais. A primeira legislação de protecção surge em Inglaterra, no século XIX, com a proibição das lutas entre cães e com touros (Hubrecht, 1995).
Nos últimos 30 anos, a atitude relativamente aos animais não humanos tem vindo a sofrer, nas culturas ocidentais, alterações profundas (Serpell, 1999). O aumento do conhecimento científico sobre as características e necessidades dos animais, e o surgimento de vários mecanismos de divulgação da informação (ex. filmes, vídeos, revistas, enciclopédias, etc.) foram factores determinantes para a intensificação das discussões ético-filosóficas a respeito dos direitos dos animais e do papel do homem face a estas questões. Não só os reconhecidos actos de crueldade, mas também as formas de exploração e manutenção anteriormente consideradas “normais” e apenas criticadas por pequenas minorias idealistas, são agora alvo de aceso debate público e político. Esta notável alteração dos valores morais da opinião pública está a obrigar a uma reflexão e à reavaliação da forma como mantemos os animais sob o nosso cuidado, sendo fundamental uma apreciação global e informada dos problemas que surgem neste âmbito.
Actualmente, o “bem-estar animal” é uma área científica em expansão. Procura e divulga informação sobre a biologia dos animais, nomeadamente sobre as suas capacidades de percepção e mentais, sobre as suas necessidades e preferências e sobre as respostas que têm perante determinadas formas de tratamento (Mendl, 1998). Esta informação poderá ser empregue na tomada de decisões relativamente aos animais usados em diversas áreas, tais como a produção animal, os animais selvagens mantidos em cativeiro (ex. parques zoológicos, circos, etc.), a utilização de animais para experimentação, os animais de companhia, de trabalho, etc.


O conceito de bem-estar animal
O conceito de bem-estar animal está relacionado com a capacidade que o indivíduo tem de se ir ajustando ao meio em que se encontra. A sua definição não tem sido isenta de controvérsia. O termo é definido de diferentes maneiras, de acordo com a forma como a questão é abordada. Há quem considere que o mais importante é o funcionamento orgânico (o corpo), outros que acham que o que interessa é o estado emocional e os sentimentos (a mente) e outras, ainda, que é fundamental que o animal possa comportar-se de forma natural (a natureza). No entanto, quando se aborda exclusivamente um destes pontos de vista, corre-se o risco de não se fazer uma avaliação completa da situação. Assim, de uma forma muito geral, o bem-estar animal pode ser encarado como o estado do animal enquanto tenta adaptar-se a um determinado ambiente (Broom, 1986, in Fraser & Broom, 1990), devendo ter-se em conta o conjunto dos três conceitos: corpo, mente e natureza do animal em causa (Appleby, 1999).

A avaliação do bem-estar animal

Quando as condições ambientais são desfavoráveis, os indivíduos tentam contrariar os efeitos negativos dessas condições sobre si próprios, através do comportamento e de alterações fisiológicas. Se estes mecanismos falham ou se, mesmo que o indivíduo consiga adaptar-se, são levados a cabo com grande dificuldade, o animal encontra-se sob stress e o seu bem-estar fica fortemente ameaçado. As estratégias levadas a cabo na tentativa de fazer face às adversidades do meio, embora ainda não conhecidas em toda a sua extensão e complexidade, podem ser avaliadas através de parâmetros comportamentais, fisiológicos (ex. níveis hormonais), de saúde (um indivíduo doente não estará em bem-estar, mas o contrário não terá que ser necessariamente verdade), de capacidade de reprodução, etc. Normalmente, deve medir-se simultaneamente o máximo de parâmetros possível, por forma, a evitar erros de interpretação. Para que seja possível uma análise correcta do estado de um animal é necessário ter em conta as suas características individuais, as experiências adquiridas ao longo da vida e o contexto em que se encontra no momento da avaliação (Broom, 1988).


O comportamento e o bem-estar animal


O comportamento dos animais é, de facto, um potente indicador do estado em que estes se encontram. Por um lado, a sua observação não é invasiva, pelo que não induz qualquer stress adicional. Por outro, são, muitas vezes, as manifestações comportamentais as que primeiro indicam a existência de mal-estar. É fundamental ter a percepção de que não podemos ver e interpretar o comportamento dos animais “à luz dos nossos olhos”, isto é, não podemos antropomorfizar o comportamento animal. É necessário ter em conta a sua história evolutiva e adaptações ao meio ambiente! Os testes de preferência e motivação, a comparação entre os parentes selvagens e os animais domésticos (no caso do estudo em animais domésticos), e a manifestação de comportamentos anormais, são as medidas comportamentais geralmente utilizadas na avaliação do bem-estar. Os testes de preferência consistem em dar ao animal a possibilidade de escolha entre vários “cenários”, assumindo que a sua escolha é a que melhor serve os seus interesses e o seu bem-estar. Nos de motivação pretende-se inferir a importância de determinado recurso para um indivíduo, comparando o esforço que este está disposto a fazer para o obter e o que faz para obter alimento. Para tal, coloca-se uma série de obstáculos que é necessário o animal transpor para conseguir ter acesso ao recurso em estudo e ao item alimentar. A comparação entre o comportamento dos animais domésticos e dos seus parentes selvagens constitui uma indicação do que poderá ser o seu comportamento natural. No entanto, não deverá ser utilizada como referência principal, visto que existem diferenças genéticas e ambientais que é necessário ter em conta (Hart, 1985). No que diz respeito aos comportamentos anormais, existem alguns aspectos possíveis de ser usados como indicadores, tais como a supressão de actividades normais, actividade geral reduzida, apatia, hiperactividade, estereotipias (comportamentos repetitivos, no espaço e no tempo, sem função aparente), comportamentos deslocados (surgem fora do seu contexto habitual), actividades no vácuo (desenvolvidas mesmo na ausência dos estímulos ambientais aos quais estão normalmente associados), agressividade excessiva, etc. (Galhardo, 1994).


Mas as relações entre o comportamento e o bem-estar dos animais não se ficam pelo facto de os parâmetros comportamentais constituírem um bom instrumento de avaliação! Os animais têm necessidades comportamentais! Estas só podem ser supridas através da própria exibição de determinados comportamentos. Quando a satisfação das necessidades fisiológicas está assegurada, os animais (nomeadamente os que possuem maiores capacidades cognitivas) tendem a passar o tempo numa constante procura de informação sobre o meio que os rodeia, por forma a ajustar o comportamento às variações do ambiente (Baldwin & Baldwin, 1972, 1974, 1976, citado por Poole, 1995). Esta procura manifesta-se, normalmente, através de actividades como a brincadeira e exploração do espaço, as quais, sendo secundárias relativamente às directamente relacionadas com a sobrevivência, se revestem, a longo prazo, de enorme importância para a manutenção da mesma. Em confinamento, a busca incessante de informação não é fundamental para a sobrevivência. No entanto, esse facto não é perceptível para o indivíduo e ele mantém a motivação para a actividade, tendo expectativas de desafio. Quando não existe acesso à informação vinda do exterior, os animais têm sensações de tédio, aborrecimento e, em casos mais graves, depressões (que podem acabar por conduzi-los à morte).
Para aumentar a complexidade do ambiente de animais confinados e, consequentemente, as suas oportunidades de comportamento, podemos recorrer a uma série de técnicas de enriquecimento ambiental. Este objectivo pode ser conseguido através, por exemplo, do fornecimento de objectos manipuláveis, da organização de um grupos sociais estáveis, da diversificação da alimentação (quer dos alimentos, quer da forma de apresentação), etc.


Considerações finais

Os animais têm um papel fundamental na nossa sociedade, servindo uma série de funções essenciais! O seu bem-estar deverá revestir-se de grande importância, constituindo um dos planos relevantes, nas discussões ético-filosóficas actuais. À luz dos recentes conhecimentos científicos, acerca das necessidades dos animais, muito há que repensar na forma como nos relacionamos com eles e como os mantemos! Actualmente estão a dar-se alguns dos passos necessários nesta matéria. Por exemplo, a legislação, ao nível da União Europeia, tem vindo a desenvolver-se neste âmbito (através de directivas, que deverão ser transpostas para a legislação nacional de cada Estado-Membro, a quem cabe esse dever). Não será, no entanto, de descurar a necessidade uma política coesa e global que, além de considerar todas as questões de bem-estar animal, as faça acompanhar de medidas sociais e económicas que ajudem a concretizá-las “no terreno”. Poderá não ser fácil, mas é importante e urgente!
 
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