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Bibá Pitta - "Sou feliz e bem resolvida"

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Lançou o livro ‘Cromossoma do Amor’ – que fala da sua filha Madalena e da trissomia 21 –, o qual está a ser um grande sucesso...
É verdade. Até já fui à televisão. Vai para a terceira edição, tenho tido um ‘feed-back’ sensacional. Há pessoas de norte a sul do País que me ligam e deixam mensagens carinhosas. Isso, para mim, é terapêutico e faz-me muito bem. Há muitos anos que falava deste projecto mas quis a vida que fosse agora. Fui andando por esta estrada.

Esperava este êxito?
Acho que sim. Não por ser eu e a minha filha, mas acho que por ser um livro bem escrito pela Inês Barros Baptista. Jamais serei escritora e tinha esta dificuldade: consigo expressar-me bem mas não escrevo. Acima de tudo, é uma história sobre a verdade, com testemunhos de várias pessoas. Não é uma narrativa apenas da mãe; é da mãe, do pai, dos irmãos, da professora, dos médicos, sempre pelo lado positivo e sobre a verdade. A verdade e a frontalidade ganham sempre.

Por que motivo lançar este livro?
Eu, enquanto Bibá, sendo uma figura conhecida, pude dar voz a algo que é tão comum a tantas outras mães. Isto é uma partilha de uma história comum a tanta gente e falada com todos os nomes, quer se goste ou não.

Como é que a Madalena reagiu quando se viu na capa do livro?
Diz que é a ‘popstar’, que a história é dela e que a mãe e ela são lindas. Ela gostou, mas a Madalena gosta das coisas na sua essência. Existem no nosso vocabulário duas palavras que têm todo o sentido para nós, que é ‘partilhar’ e ‘ajudar’. Não custa nada, se há dias em que não sobra há sempre o amanhã. Somos sete em casa e, como se deve calcular, o tempo é muito ocupado. Mas há sempre espaço para ajudarmos. A linguagem dos afectos é aquela em que eu acredito.

A Bibá tem uma visão da vida muito positiva... Isso ajudou-a aquando do nascimento da Madalena?
Antes de ver o problema, vi a minha filha. Acima de tudo, foi uma filha que eu fiz com tanto amor, tanto amor, que o cromossoma triplicou. É assim que eu brinco e que começa o livro. Este livro é um apelo aos pais, que nunca devem querer que estes filhos diferentes sejam iguais aos outros.

Foi difícil aceitar a diferença da Madalena?
Não foi nada difícil. É a minha filha, ainda por cima a mais parecida comigo a todos os níveis, física e também emocionalmente.

Alguma vez sentiu na pele o preconceito?
Com a minha filha Madalena sinto dois sentimentos opostos: amor e rejeição. Não nos iludamos, a rejeição vai existir sempre. Mas isso é em tudo na vida: se repararmos, começa na escola com o ‘gorducho’, a Olívia Palito, o ‘caixa de óculos’. O que eu quero mesmo é que a minha filha não tenha medo nem vergonha do que tem: se é mongolóide, é mongolóide. Quero que ela, amanhã, se lhe disserem que é mongolóide, assuma e responda 'e depois!?'.

O Fernando [marido] também lidou bem aquando do nascimento da Madalena?
O Fernando tem um feitio diferente do meu. Por isso, quis também lançar o livro, porque o pai é sempre esquecido. Nunca se fala do pai, é sempre da mãe. O pai é um elemento importante. A seguir vêm os avós, os irmãos, os tios, terapeutas, professores e médicos. Neste livro, quis que houvesse vários depoimentos, para que as pessoas se identifiquem neste mundo da diferença.

Quando lançou a obra houve pessoas que a tivessem criticado, no sentido de explorar o problema da sua filha?
Não... Sei que há mentes para tudo, que até podem dizer que estou a fazer dinheiro à custa de uma filha diferente. Não ligo para o que os outros dizem. Acima de tudo, quero estar bem comigo própria e com os que estão à minha volta. E se eu estiver bem não me posso preocupar. Sou uma mulher feliz e bem resolvida. E mais, os invejosos e os que dizem mal de nós também fazem falta, pois espalham o nosso nome pelo Mundo. É bom que falem...

Como é que consegue ser mãe de cinco crianças, mulher, amiga, filha?
Tudo se consegue... Sempre quis ter imensos filhos, e também sempre disse, desde pequena, que queria ter um filho aos 40 anos. Achava muita graça às famílias em que vinha o último miúdo, e não só para companhia dos pais quando os maiores já tinham casado e saído de casa. Além disso, gosto muito de bebés, do cheiro deles, de mudar fraldas, de dar de mamar, e não quero cortar esse laço.

Mas o Dinis já está enorme, apesar dos seus quatro anos...
É um bebé e, se pensarmos bem, quando ele tiver 10 ou 15, se calhar, vou ser avó. Portanto, as fraldas continuam. A minha família é muito engraçada, os miúdos estão a crescer de uma forma solidária, de entreajuda. Acho uma delícia ver o Dinis ser criado por quatro mães e quatro pais. O meu filho Dinis tem uma sorte do mimo que leva, a forma engraçada como ele vê a vida, pois tem exemplos de várias idades, e não é por acaso que desde os dois anos e meio sabe nadar. Está a ser constantemente estimulado. Se pudesse ainda tinha mais dois ou três filhos.

Pelos vistos, o seu marido compartilha desse ideal... Ele também gostaria de ter outro filho?
Eu não teria outro filho se o Fernando não quisesse. Para fazer um filho o casal deve amar-se muito, pois uma criança não serve para salvar casamentos nem para juntar famílias. Vem porque se quer ter um filho ‘a dois’.

Vocês têm uma relação exemplar...
Sabe porque é que eu sou tão feliz? O meu marido nunca me quis mudar, nunca me quis à imagem dele. Ele é completamente diferente de mim, um homem mais terra-a-terra, mais sério, mais introvertido, nunca me pediu que eu fosse diferente. Acredito e cada vez mais tenho a certeza de que não há defeitos, há feitios, e não se pode querer mudar as pessoas à nossa imagem. Temos de aceitar as pessoas como são, e o mesmo se passa com a minha filha Madalena. Costumo dizer que levo o meu marido ao céu e ele traz-me à terra.

É ciumenta?
Muito... E ninguém tem lata para se engraçar com o meu marido. Nas minhas costas, sim... Que venha a primeira que o faça à minha frente. Sou ciumenta mas com tudo o que é meu, não passa só pelo marido e pelos filhos. A amizade para mim é para a vida, e se alguém me pisa é afastado automaticamente.

Não dá segundas oportunidades?
Na amizade não pode haver mentiras nem receios. A verdade tem de estar acima de tudo e no casamento é igual. Quando uma pessoa deixa de gostar da outra não pode esconder, tem de o dizer à cara-metade. Acho horrível quando há esquemas... Eu e o meu querido marido somos um casal à antiga: quando saímos, vamos os dois. Nem sequer me sinto bem quando vou sozinha, fico deslocada, falta-me alguma coisa. E assim é que eu sou feliz, com o meu marido ao lado. Nem acho que ficaria bem eu ir divertir--me e o meu marido [cirurgião] de banco no hospital.

Sendo o Fernando uma pessoa introvertida, como é que ele lida com uma mulher que é completamente o oposto?
Conhecendo como ele me conhece há mais de 20 anos, ele sabe muito bem como é que eu sou. Posso saltar e pular que ele sabe a mulher que tem ao lado. A vida quis que nos encontrássemos.

Quer isso dizer que acredita nodestino?
Quando nos vimos pela primeira vez houve de imediato uma empatia enorme. Depois tivemos encontros e desencontros, até que nos reencontrámos. É muito fácil lidarmos com feitios diferentes, o que é preciso é estarmos disponíveis.

Estão juntos há quanto tempo?
Há 15 anos.

Tendo um casamento à antiga, há sempre tempo para os dois?
Arranjamos sempre. Os meus filhos não me atrapalham em nada. O Fernando tem um trabalho sério, com horários rígidos, e aproveitamos muito o tempo em que estamos juntos. Estamos com os amigos, a família, mas é muito importante estarmos só os dois. Faz-me imensa impressão, quando vamos jantar, olhar para o lado e ver um casal que não fala. É a conversar que as pessoas se entendem. Em casa temos uma hora sagrada, a do jantar, em que não temos a televisão ligada, e somos só nós a conversar. São verdadeiras tertúlias e todos entram na conversa, independentemente da idade. Não há tabus, e é muito engraçado.A Maria e o Tomás [filhos mais velhos] já são adolescentes.

Teme o seu futuro?
Estão numa fase linda, a dos 15 anos, que se for bem aproveitada, sem excessos, é a melhor da vida. Só têm de estudar, estão em casa dos pais... A vida é tão boa... Avisamos, falamos, ajudamos a que percebam os perigos que existem, mas são eles que traçam as suas vidas. Vão trambolhar, como todos nós, e têm de endireitar-se.

E está preparada para a fase dos namoros?
Completamente, eu também namorei. Estranho é se eles não namorarem.

E fala de todos os assuntos com os seus filhos?
De tudo, mas há uma coisa importante: eu sou mãe, não a melhor amiga, e nem pretendo sê-lo. Acho mesmo que há confissões e coisas que se partilham com os amigos e não com os pais. Se o fizessem comigo dava-me logo um colapso. Mas os meus filhos sabem perfeitamente que podem contar comigo e com o pai para tudo e mais alguma coisa.

Reflexo:

O que vê quando se olha ao espelho?
Vejo uma mulher bem resolvida e de bem com a vida.

Gosta do que vê?
Gosto, não trocava nada. Não punha peito, foi com este que nasci, será com este que irei morrer (risos).

Alguma vez lhe apeteceu partir o espelho?
Não, nunca.

Quem gostaria de ver reflectido no espelho?
Ninguém, apenas eu, e sempre bem resolvida. Não deixo nada por resolver.

Pessoa de referência?
A minha mãe e o meu pai. Sei que é comum dizer-se mas não é porque sim. Se eu sou o que sou a eles o devo, à educação e aos valores que me deram.

Momento marcante?
Os meus 11 anos. Nunca mais me esqueço de que foi uma idade em que eu passava o tempo todo a dizer 'já tenho 11 anos'. Há tantos momentos: o primeiro filho, na medida em que se põe um livro na prateleira e se abre outro. A vida para trás não acabou mas é passado. Nem é a gravidez mas sim por estar ali um ser humano dependente de nós para a vida inteira. E tudo o que isso muda: passa-se a ser ‘para’ e deixa-se de ser ‘de’...

Qualidade e defeito?
Não sou eu que tenho de dizer, não gosto de dizer...

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