Portal Chamar Táxi

Cadeias tratam "predadores" sexuais

cRaZyzMaN

GF Ouro
Entrou
Jun 2, 2007
Mensagens
5,760
Gostos Recebidos
0
Arranca em Novembro, em duas prisões do país, o programa de intervenção terapêutica em agressores sexuais. A Direcção-Geral dos Serviços Prisionais e a Universidade do Minho dinamizam o projecto. Os dois estabelecimentos prisionais escolhidos para a experiência-piloto não vão ser revelados, para salvaguardar os reclusos que quiserem aderir ao tratamento. A intervenção será feita apenas com voluntários - cerca de dez em cada cadeia.


"Não há um número definido, fechado, para o programa. Vamos envolver, nesta primeira fase, aqueles que estiverem dentro dos requisitos", explicou, ao JN, Rui Abrunhosa, do Instituto de Psicologia da Universidade do Minho.

De acordo com o responsável, os técnicos avaliam, neste momento, entre os voluntários, quem está em condições de envolver-se na terapia. Depois, é necessário organizar grupos para sessões semanais (individuais e colectivas). De fora, ficarão os reclusos dependentes de substâncias aditivas ou que sofrem de perturbações mentais graves.

Os "violas", como habitualmente a prisão os rotula, são homens que necessitam de redobradas atenções. Não só para "não serem eles próprios vítimas da restante população prisional (é o tipo de crime que causa repulsa), mas para que não façam vítimas num território propício a desvios", sustenta, por seu turno, Armando Coutinho-Pereira, psicólogo, mestre em Ciências Forenses e autor de um estudo sobre Distorções Cognitivas e Agressão Sexual.

Também há muito que defende a necessidade de tratar este tipo de prisioneiros. "Não existem programas minimamente estruturados de avaliação, acompanhamento, intervenção e monitorização com agressores sexuais", diz. E vai mais longe: "Enquanto isso, a sociedade teoriza, questiona, reflecte e retém toda e qualquer iniciativa, dando espaço aos 'predadores sexuais' para fazerem as suas vítimas, cumprirem penas de prisão e voltarem a fazer vítimas".

Durante quatro anos, Armando Coutinho-Pereira percorreu várias prisões do Norte do país e entrevistou 116 agressores sexuais. "Estes homens são os primeiros que encontramos pois, para zelar pela sua integridade física, o corpo de vigilância coloca-os a de-senvolver actividades laborais junto às áreas administrativas ou portarias. Ficam na manutenção, higiene e limpeza", explica.

São homens solitários, personas non gratas ao sistema. Por vezes, só as mães os visitam, já que o resto da família, vizinhos ou amigos também se afastam.

Uma das características destes detidos é a falta de sinceridade, manifestada através das mais diversas distorções cognitivas, levando a que se isolem. Regra geral, "negam ou minimizam as suas condutas, alegando que estavam alcoolizados ou drogados, que agiram por impulso ou que foram provocados pela vítima", refere.

"Alguns tentaram convencer- -nos de que não pensaram no acto antes de tal acontecer. Muitas vezes, utilizam as distorções cognitivas como forma de minimizar as culpas. Outros há que acreditam que qualquer crime que seja originado por um acto impulsivo lhes poderá determinar uma sentença menor ou possibilitar um veredicto de culpado, mas inimputável", explica.

Uma vez condenados, aqueles homens "interiorizam estar no bom caminho", pois são integrados no contexto laboral e não registam medidas disciplinares", diz o psicólogo. Chegam ao ponto de não entenderem por que não beneficiam de medidas flexibilizadoras.


IMPORTANTE MONITORIZAR APÓS AS SAÍDAS
Entrevista a Armando Coutinho-Pereira, psicólogo

Defende a especialização de psicólogos em meio prisional?
É urgente que tal aconteça. Há a ideia errada de que qualquer psicólogo pode trabalhar no contexto prisional. É preciso treino para perceber a dinâmica de uma prisão, porque o psicólogo faz parte de um todo, do staff penitenciário. Aqui não se pode recomendar ou sugerir ao indivíduo uma ida ao cinema ou um jantar fora.

Como se diferencia uma distorção cognitiva de uma mentira?

Com treino e alguma experiência. Há também um conjunto de instrumentos que os psicólogos utilizam, como a leitura das sentenças e testes auxiliares de diagnóstico para separar o trigo do joio.

A monitorização dos agressores sexuais após o cumprimento da pena justifica-se?

Levantam-se inúmeras questões relacionadas com a ética e liberdade. Em alguns países, a legislação permite que estes detidos continuem a ser monitorizados. Ao que sei, a nossa legislação não permite. Seria extremamente importante, já que a taxa recidiva é elevada. Pelo menos, poderiam ser monitorizados os que têm comportamentos compulsivos.

Era este o retrato de agressores sexuais que esperava encontrar quando partiu para o estudo?

Comecei por dizer que os agressores sexuais eram um conjunto atípico, que se afastavam do grosso da população prisional. A verdade é que imaginava que pudesse encontrar indivíduos mais elaborados cognitivamente e que pertencessem a um estrato social mais elevado, porque a agressão sexual é uma coisa transversal à sociedade, mas estão apenas os mais pobres e menos instruídos.

Qual a explicação que encontra?

Não sei. Talvez porque este é um tipo de crime onde é, muitas vezes, difícil obter prova. Porque os mais abastados conseguem bons defensores, recorrem das sentenças sucessivamente, descredibilizam as vítimas.


António, 39 anos - Encontros combinados pela Net
Poucas vezes António, tipógrafo, deixava as quatro paredes de casa. Era um solitário, com uma orientação sexual pouco esclarecida. Sujeito de trato fácil, mas muito reservado e introvertido, passava as noites a navegar na Internet, para dessa forma estabelecer contactos e marcar encontros com adolescentes (todos do sexo masculino), ora no seu apartamento, convidando-os para beber um porto ou para jogar bilhar num café pouco recomendado.
Nessas alturas, em troca de dinheiro ou de prendas (como sapatilhas e bonés de marca), convencia os adolescentes a trocar favores sexuais. Umas vezes participando, outras assistindo.
Na prisão, nunca teve uma vida fácil, pois tinha uns maneirismos/tiques muito singulares. Nunca revelou o seu crime. O psicólogo Armando Coutinho-Pereira acredita que António nunca o entendeu. Para ele, eram apenas encontros.
Segundo o especialista, António gozou de certa impunidade, porque os adolescentes em questão, de famílias mais ou menos carenciadas e pouco supervisionados (passavam o dia e, por vezes, as noites sozinhos, nas casas de uns e de outros), com vergonha e com receio de ser conotados com determinada orientação, só muito mais tarde o denunciaram e porque houve uma desavença.

Arnaldo, 59 anos - Brinquedos para atrair crianças
Após abandonar o ofício de sapateiro, Arnaldo, de 58 anos, casado e residente no Grande Porto, passou a dedicar o seu tempo livre a esculpir madeira com um canivete. As criações do artista de mãos habilidosas eram trabalhadas na rua, perante os olhares curiosos de dezenas de crianças que brincavam à sua volta.
Acabava por oferecer as esculturas aos miúdos. Quantos mais brinquedos dava, mas crianças andavam à sua volta. O povo nunca viu malícia naquela proximidade e, mesmo quando surgiram os primeiros boatos, a vizinhança não quis acreditar.
Crianças carentes de afectos aceitavam "brincar" com o sapateiro em troca de presentes. Passaram-se anos até à primeira denúncia. Depois da primeira, sucederam-se outras, de meninas com idades entre os quatro e os oito anos, que o sapateiro desnudava, acariciava e pedia que lhe tocassem. Confrontado, negou quase por completo os crimes. Mesmo após a condenação, insistiu que eram só brincadeiras e que nunca seria capaz de fazer mal a uma criança.
"Argumentava que jamais magoaria uma criança, até porque tinha familiares menores e que costumava brincar com eles", revela Armando Coutinho-Pereira. Para o velho sapateiro Arnaldo, eram apenas "jogos" que fazia com as crianças.

@ JN
 
Topo