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Entenda a massa dos neutrinos que rendeu o Nobel de Física

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GF Prata
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superkamiokande.jpg
Cientistas usam um bote dentro do Observatório de Neutrinos Superkamiokande, formado por milhares de detectores numa instalação subterrânea, totalmente preenchida com água.
[Imagem: Universidade de Tóquio]

Massa dos neutrinos​

Duas décadas depois da descoberta das oscilações dos neutrinos, que mostrou que essas partículas possuem massa, os dois principais responsáveis dessa façanha, o japonês Takaaki Kajita, do Observatório Superkamiokande (Universidade de Tóquio), e o canadense Arthur McDonald, do Observatório de Neutrinos Sudbury (Universidade Queen's), foram contemplados com o prémio Nobel de Física de 2015.
Em duas experiências independentes, as equipas lideradas por Kajita e McDonald demonstraram que os neutrinos podem mudar de identidade - ou de "sabor", conforme o jargão da física de partículas.
Por outras palavras, um tipo de neutrino pode-se transformar noutro - hoje são conhecidos três tipos de neutrinos: do electrão, do múon e do tau.
Para que tal mudança ocorra, é preciso que a partícula tenha massa.
O chamado Modelo Padrão da Física de Partículas considerava até então, que o neutrino não possuía massa.
Conforme explica o físico Robert Garisto, editor da Physical Review Letters, "embora cada neutrino seja produzido com uma identidade específica, o seu estado quântico pode evoluir para uma combinação dos três "sabores", com as proporções oscilando no tempo.
A probabilidade da sua detecção como um neutrino do múon, por exemplo, vai depender do tamanho do componente múon no neutrino no momento da sua detecção.
Quanto menor for a diferença de massa entre os "sabores", maior será o período de oscilação, de modo, que as oscilações não poderiam ocorrer se todos os "sabores" tivessem a mesma massa ou não tivessem massa, já que o efeito depende apenas da diferença de massa ao quadrado.
O período de oscilação também aumenta com a energia do neutrino."

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A conclusão de que os neutrinos têm massa abriu o caminho para a descoberta de uma nova partícula que pode revolucionar toda a tecnologia, os chamados "pontos de Weyl".
[Imagem: Ling Lu et al. - 10.1126/science.aaa9273]​

Mar de neutrinos​
A importância da descoberta para o avanço do conhecimento é enorme, porque, depois do fóton (a partícula de interação eletromagnética), o neutrino é o objecto mais abundante no Universo, descontada a elusiva matéria escura, cuja existência só é depreendida pelo seu efeito gravitacional, mas sobre a qual nada se sabe.
Além disso, diferentemente do fóton, o neutrino quase não interage com a matéria.
Por isso a Terra - nós incluídos - recebe e é atravessada regularmente por trilhões de neutrinos sem que percebamos:
- Neutrinos que foram produzidos nos primeiros tempos do Universo;
- Neutrinos provenientes de fontes extragalácticas;
- Neutrinos gerados no interior das estrelas, entre elas, o Sol;
- Neutrinos resultantes do choque de raios cósmicos com a atmosfera terrestre.
"Os neutrinos têm, por assim dizer, o dom da ubiquidade.
São os mensageiros dos confins do espaço e dos primórdios do tempo, fornecendo informações preciosas sobre a estrutura do Universo.
Graças à descoberta das oscilações por Kajita e McDonald, o estudo dos neutrinos é hoje um dos ramos mais dinâmicos da Física, mobilizando pesquisadores que trabalham com partículas e com a Cosmologia, com o micro e o macro", explica a professora Renata Zukanovich Funchal, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP).

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Físicos brasileiros querem abrir uma nova janela para o Universo usando o Detector Mário Schenberg, que está procurando as ondas gravitacionais previstas por Einstein.​
[Imagem: Xavier P.M.Gratens]​

Descoberta do neutrino​
Para avaliar o alcance da descoberta que resultou agora no Nobel, é preciso recuar várias décadas.
O neutrino foi a primeira partícula da Física, que teve sua existência postulada teoricamente, muito antes da descoberta experimental.
Tal postulação foi feita pelo austríaco Wolfgang Pauli (1900-1958) em 1930, para explicar a conservação da energia durante o evento nuclear conhecido como "decaimento beta".
No decaimento beta, o núcleo atómico, que não tem electrões, emite um electrão.
Sabe-se hoje que isso resulta da transmutação de um neutrão num protão, com a libertação do electrão.
Mas, para que a energia final do processo seja igual à energia inicial, como exige a lei da conservação da energia, é preciso que o núcleo emita também outro tipo de partícula além do electrão.
Essa partícula extra proposta por Pauli, que parecia um simples artifício, foi inicialmente encarada com ceticismo pela comunidade científica.
O italiano Enrico Fermi (1901-1954) a levou-a a sério, e em 1932, atribuiu-lhe o nome de neutrino, que significa "pequeno neutrão" em italiano.
O brasileiro Mário Schenberg (1914-1990), que trabalhou com Fermi, foi um dos primeiros a utilizar operacionalmente tal ideia, por meio da qual fechou o balanço energético da explosão das estrelas supernovas.
O detector Mário Schenberg, (como homenagem ao físico), está a trabalhar em busca de sinais das ondas gravitacionais.
A existência do neutrino foi finalmente confirmada numa experiência conduzida pelos norte-americanos Clyde Cowan e Frederick Reines em 1956.
Em 1995, essa descoberta experimental foi contemplada com o Prémio Nobel, que Reines recebeu, em seu nome e no de Cowan, falecido em 1974.
"No Modelo Padrão, o neutrino faz parte da família dos léptons.
Para cada lépton eletricamente carregado (o electrão, o múon e o tau), existe um neutrino correspondente.
Portanto, existem três neutrinos: o do electrão, o do múon e o do tau", explica Renata.
"Inicialmente, conhecia-se somente o neutrino do electrão, o neutrino do múon foi descoberto em 1962 e o neutrino do tau apenas em 2000."

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O observatório de neutrinos IceCube, com sensores mergulhados em furos que atingem até 2,5 km de profundidade no gelo eterno da Antártica, recentemente descobriu uma nova classe de neutrinos super-energéticos, que ainda aguarda por mais explicações.
[Imagem: IceCube/Divulgação]​

Oscilação dos neutrinos​
A hipótese da oscilação, isto é, da mudança de "sabor" por meio da qual um neutrino se transforma noutro, foi a resposta encontrada para uma grave anomalia que se tornou conhecida com o desenvolvimento dos processos experimentais.
Essa anomalia foi constatada já no final da década de 1960, numa experiência realizada na mina de Homestake, nos Estados Unidos.
Destinado a detectar e contar os neutrinos do electrão provenientes do Sol recebidos no local, a experiência mostrou que esse número era apenas um terço do esperado.
Era como se os neutrinos solares estivessem desaparecendo.
"Na verdade, o ocorrido foi uma mudança de "sabor".
Mas isso não se sabia na época.
O neutrino e as suas propriedades foram sendo descobertos aos poucos.
Apesar de extremamente abundantes, e de estarem presentes por toda parte desde o início do universo, ignoramos por muito tempo sua existência.
Os neutrinos estão para a física de partículas, assim como os micróbios para a medicina.
Durante milénios interagimos com os micróbios sem saber que eles existiam", comentou Renata.
Foi essa anomalia entre o número de neutrinos esperado e o número de neutrinos contabilizado que motivou, nos anos 1990, a experiência Super-Kamiokande, coordenado por Kajita.
Essa experiência, realizada num detector gigantesco com 50 mil toneladas de água, foi desenhada para medir neutrinos solares (gerados pelos processos de fusão nuclear que ocorrem no núcleo do Sol) e também neutrinos atmosféricos (resultantes do choque dos raios cósmicos com as partículas existentes na atmosfera terrestre).
"O extraordinário nessa experiência do Super-Kamiokande é que eles tem direccionalidade.
O detector é capaz de medir neutrinos a partir da direcção da qual provêm, desde os neutrinos vindos da posição acima do detector até os neutrinos vindos do outro lado da Terra", afirmou Renata.
"A grande surpresa foi descobrir que o número de neutrinos variava com a direcção.
Isso também podia ser interpretado como uma dependência em relação à distância.
Porque os neutrinos atmosféricos que vêm de cima do detector têm que percorrer cerca de 15 quilometros (que é a altitude na qual os raios cósmicos interagem com a atmosfera), enquanto que os neutrinos provenientes do outro lado da Terra têm que percorrer 15 quilómetros mais 12 mil quilómetros (que é o tamanho do diâmetro da Terra)".
A descoberta feita pelos japoneses podia ser muito bem explicada pela oscilação do neutrino do múon num outro tipo de neutrino, na época ainda não observado: o neutrino do tau.
Esse resultado foi apresentado por Kajita numa conferência realizada no Japão em 1998.
"Ele não apenas chefiou a experiência, como fez a análise dos resultados obtidos", relatou a pesquisadora.

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O metro cúbico mais frio do Universo é outra experiência caçadora de neutrinos, que está tentando desvendar a anti-matéria.​
[Imagem: Cuore/Laboratório Nacional Gran Sasso]

Neutrinos solares​

Depois disso, foi realizada a experiência do McDonald para explicar a anomalia descoberta em Homestake, no final da década de 1960, na contagem dos neutrinos solares. "Esta nova experiência foi realizada na mina de Sudbury, no Canadá, que, aliás, pertence actualmente à empresa Vale do Rio Doce.
Ela foi concebida especialmente para medir neutrinos solares, onde foi observada a transformação de neutrinos do electrão (os únicos produzidos nas reacções de fusão nuclear do Sol) em neutrinos do múon e neutrinos do tau", detalhou Renata.
A primeira implicação dessas duas descobertas, a do Super-Kamiokande e a de Sudbury, é que o neutrino tem massa.
Uma massa extremamente pequena e que ainda não se sabe quanto vale, mas que existe.
A segunda implicação é que se trata de um fenómeno quântico, da escala sub-atómica, que está sendo observada a partir de efeitos macroscópicos, por meio de detectores enormes.
"Além disso, como o neutrino têm o dom da ubiquidade e é produzido pelos mais variados processos, as descobertas de Kajita e McDonald provocaram um enorme interesse pelos neutrinos e uma reavaliação de tudo o que se sabia sobre o papel deles na física de partículas, nos processos estelares, na evolução do universo etc.
Todas essas teorias foram revistas desde então.
Ainda não podemos prever as consequências tecnológicas, mas nada impede que isso possa ocorrer no futuro", concluiu Renata.
Esta linha de pesquisas tornou-se tão importante, que hoje existe uma área de estudos conhecida como física dos neutrinos.
 
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