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Guerras de Putin? Sim, mas sobretudo as guerras da Rússia

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Da Chechénia à Síria, uma série de conflitos onde Moscovo tenta defender os seus interesses mesmo em desafio ao Ocidente.

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Não faltou logo quem associasse os mísseis disparados a 7 de outubro contra alvos na Síria pelos navios no mar Cáspio ao aniversário de Vladimir Putin. "Foi um presente para o chefe", afirmava ao Le Monde Alexander Chumiline, diretor do Centro de Análise dos Conflitos no Médio Oriente, em Moscovo. E, de facto, o presidente russo celebrou nesse dia os 63 anos, mas, como o próprio Chumiline acrescentava, os mísseis lançados pela frota do Cáspio, e que fizeram 1500 quilómetros sobrevoando o Irão e o Iraque até às bases jihadistas, foram sobretudo "uma demonstração de força e um sinal de determinação" por parte do Kremlin, mostrando estar disposto a defender Bachar Assad, o seu aliado no Médio Oriente.O que significa que as "Guerras de Putin", simplificação facilitada pelo estilo ultrapersonalista do poder em Moscovo, são no fundo as "Guerras da Rússia", determinadas por interesses estratégicos que um czar do século XIX entenderia, como alertou várias vezes Henry Kissinger, ex-chefe da diplomacia americano.Primeiro-ministro desde 1999, presidente desde 2000 (com um interregno entre 2008 e 2012 em que voltou a ser chefe de governo), Putin teve de lidar com várias guerras, sendo que o envolvimento militar na Síria, em finais de setembro, é o primeiro fora do espaço soviético. Representa o regresso da Rússia a um Médio Oriente que parecia nos últimos tempos ter-se tornado área reservada dos Estados Unidos.Primeiro, Putin teve que lidar com a Chechénia, onde os separatistas tinham aproveitado o fim da União Soviética para declarar a independência e depois de um guerra inconclusiva com a Rússia entre 1994 e 1996 praticamente se autogovernavam e ainda permitiam a islamitas atacar outras zonas do Cáucaso. O antigo agente do KGB era então um desconhecido, recém-nomeado primeiro-ministro, mas assumiu a condução da ofensiva. Ganhou assim uma popularidade que lhe facilitou a ascensão a presidente, quando passados meses Boris Ieltsin decidiu demitir-se.Na época, pouco treinado no convívio com outros líderes e a imprensa estrangeira, Putin mostrava uma agressividade verbal contra os separatistas que ainda hoje surge na seleção das suas melhores frases. "Perseguiremos os terroristas onde for preciso. Se eles estiverem no aeroporto, será no aeroporto. O que quer dizer, e queiram desculpar-me, se os apanharmos na casa-de-banho abatê-los-emos até na sanita", terá dito numa reunião no Casaquistão em 1999.Desde a morte do presidente rebelde Aslan Maskhadov em 2005, a Chechénia está sob firme controlo de Moscovo, que conta com o clã dos Kadyrov para domesticar a república no Cáucaso do Norte, onde forte investimento tem sido feito, sobretudo na reconstrução de Grozny. Mesmo assim, se a vaga de terror checheno na Rússia terminou, centenas ter-se-ão juntado ao Estado Islâmico na Síria e Iraque.Em agosto de 2008, a Rússia enfrentou a segunda guerra da era Putin, que tinha acabado de trocar de cargo com Dmitri Medvedev, seu delfim e ex-primeiro-ministro entretanto eleito presidente. Em reação a uma ofensiva do exército georgiano para reconquistar a Ossétia do Sul, as tropas russas vieram em auxílio dos separatistas, chegando a avançar mesmo até perto de Tbilissi. "As nossas forças estavam a 15 quilómetros de Tbilissi. Teriam demorado quatro horas a capturar Tbilissi. Não tinhamos esse objetivo", declarou depois Putin, garantindo que a Rússia não tinha qualquer intenção de conquistar a Geórgia, a pátria de Estaline, nem sequer de derrubar Mikhail Saakashvilli, o presidente que sonhava com a NATO. E explicou que tinha insistido até ao último momento junto de George W. Bush para que os Estados Unidos usassem a influência no governo de Tbilissi para convencê-lo que não avançassem contra os ossetas, povo cristão ortodoxo do Cáucaso tradicionalmente pró-russo e que exigia a unificação com a Ossétia do Norte, parte da Federação da Rússia.A terceira guerra de Putin oficialmente nem sequer existe, pois Moscovo argumenta que a Crimeia se juntou à Rússia por referendo e que os separatistas que combatem no leste da Ucrânia contra Kiev não contam com apoio militar russo.
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Putin visita a academia de cadete na base naval russa de Sebastopol na Crimeia | EPA/ALEXEI NIKOLSKY/RIA NOVOSTI/KREMLIN

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Iniciada em 2014, após o presidente pró-russo Viktor Yanukovich recusar à última hora um acordo de parceria com a União Europeia e desencadear uma vaga de protestos populares que levou ao seu derrube, a guerra na Ucrânia mostrou uma Rússia disposta a defender os interesses estratégicos até ao limite. Não só a tensão com a NATO atingiu níveis desconhecidos desde o fim da Guerra Fria, como as sanções dos Estados Unidos e da União Europeia continuam a abalar a economia russa, debilitada pela quebra do preço do petróleo.Curiosamente, Putin terá dito já em 2008 a Bush durante uma cimeira da NATO em Bucareste que seria impensável a adesão da Ucrânia à Aliança Atlântica. "Não percebes George, a Ucrânia nem sequer é um Estado. O que é a Ucrânia? Parte do seu território é Europa Oriental, mas a maior parte foi uma oferta nossa", foi a frase s citada no jornal russo Kommersant.Hoje, Putin, satisfeito com a anexação da Crimeia povoada por ussos e base da frota no Mar Negro, tenta gerir a situação na Ucrânia de uma forma mais razoável, defendendo os separatistas, mas evitando dar a ideia de que se prepara para entrar na guerra. "Ninguém quer um conflito nos confins da Europa, especialmente um conflito armado", declarou à TV russa o presidente, depois da assinatura de um acordo para pacificar a Ucrânia através de uma estrutura federal.Ao intervir na Síria, a Rússia de Putin mostra ambições globais até agora desconhecidas, mesmo que navios tenham feito visitas de cortesia à América Latina e o Atlântico Norte tenha assistido a manobras a lembrar a Guerra Fria. A defesa de um velho aliado (Hafez Assad, o pai do presidente sírio, era íntimo dos soviéticos, tendo-se encontrado com Brejnev e Gorbachev) é o motivo óbvio, assim como a preservação da base em Tartus, a única da Rússia no Mediterrâneo. Mas Putin orgulha-se também de promover a Rússia a pacificador de um país que tem dado origem tanto a novas ameaças terroristas como a um surto de refugiados. "Não existe outra solução para a crise síria que não seja o fortalecimento das estruturas do Governo", declarou o líder russo, irritando o Ocidente e seus aliados no Médio Oriente que querem livrar-se do Estado Islâmico mas sem desistir de derrube de Assad.Defesa de interesses estratégicosOra, em todas estas guerras há uma lógica de interesse nacional russo, que Putin tem sabido encarnar, garantindo-lhe popularidade. Na Chechénia, a motivação foi preservar a integridade da Federação Russa (que conta com 85 entidades, se se contar a Crimeia e Sebastopol) contra uma rebelião que começou por ser nacionalista e se tornou em extremista islâmica. Na Geórgia, tratou-se por um lado de uma ação de solidariedade com os ossetas, velhos protegidos de Moscovo desde a era imperial, e por outro de uma advertência a uma ex-república soviética impaciente para se libertar da influência do vizinho. Na Ucrânia, Moscovo mostrou que não admitiria a expansão da NATO mais para Leste e sobretudo para o espaço ex-soviético (as três repúblicas bálticas são um caso há muito perdido), sabendo da vulnerabilidade das fronteiras a Sul. E agora na Síria (e talvez em breve o Iraque, a pedido do Governo de Bagdad), o que está em causa é a capacidade da Rússia de ter influência global, manter aliados longínquos e relembrar que o maior país do mundo continua uma potência, graças a um orçamento militar generoso e a um arsenal nuclear esmagador.É tanto o orgulho russo como o de Putin que está em jogo. E para esta missão, o presidente pode contar com um aliado-chave, o general Serguei Choigu, desde 2012 ministro da Defesa. O Le Monde num artigo publicado sábado até o batiza de "o homem das guerras de Putin", o estratega a quem foi confiada a missão de criar um "escudo" que defenda o país da NATO, de novo a principal ameaça,segundo a doutrina militar russa. Claro que a guerra na Síria, se chegar a haver cooperação entre russos e americanos contra os jihadistas, poderá ajudar a desfazer esta tensão que, apesar da opinião contrária de Kissinger, é descrita por alguns como "nova Guerra Fria", como fez numa entrevista à Der Spiegel Zbigniew Brzezinski, que foi conselheiro nacional de segurança dos Estados Unidos.


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