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Jovens da Cova da Moura criam nova forma de falar

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Jovens da Cova da Moura criam nova forma de falar

«Wereo», «tuíscas», «roots» e «whatever» são algumas palavras que fazem parte do crioulo falado entre jovens nas ruas da Cova da Moura, em Lisboa, uma maneira própria de falar que está constantemente a evoluir e resulta de várias influências.

Muito do crioulo que se ouve falar quando se sobe pela Rua 08 de Dezembro, uma das entradas principais para o bairro Cova da Moura, dificilmente seria entendido em Cabo Verde, país de onde a maioria dos jovens que ali vivem e suas famílias são originários.

Na sua maioria nascidos em Portugal, poucos destes jovens conhecem Cabo Verde e aprendem a falar o crioulo através dos pais ou na rua, acabando por adaptá-lo à pluralidade da suas identidades e ao contexto em que vivem.

«O crioulo que falamos antes de ser de rua aprendemo-lo em casa. Com amigos é diferente: utilizamos palavras que surgem no dia-a-dia, que vamos assimilando e pondo em prática», explica à agência Lusa Kromo di Ghetto, cabo-verdiano de 25 anos.

«É uma mistura que resulta da música que ouvimos, das influências do português, inglês e francês.

Também têm a ver com a cultura de rua e hip-hop, uma mistura que tende sempre a evoluir», diz, acrescentando que «mesmo não entendendo inglês, as pessoas percebem o "whatever" (seja o que for, em inglês) e utilizam-no porque já faz parte do seu vocabulário».

Por sua vez, Bino, cabo-verdiano e também residente na Cova da Moura, conta que o crioulo que fala é «a sua língua de sentimento», através da qual se «expressa melhor».

«Falar crioulo acontece naturalmente.

Na rua ou em casa vai-se ouvindo e aprendendo.

«Quando dás por ti também já `tás a falar sem querer», sublinha Bino.

Palavras «típicas» do bairro, como «tuíscas» (bacano), «wereo» (sócio) ou «roots» (quarto) surgem em determinados momentos como «dicas de qualquer coisa», precisa, acrescentando: «Se forem bem aceites e nós identificarmos com elas, começam a ser utilizadas e adoptamo-las como um código na nossa linguagem».

Cláudia Vaz, antropóloga do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa, confirma que estas «nuances» têm «muito a ver com o facto de estes jovens terem nascido cá, com a sua forma de estar e com as coisas que gostam e acreditam».

«Este crioulo é a sua língua de sentimento e de socialização informal, um elemento que lhes transmite pertença e segurança, e que melhor traduz a multiplicidade da sua identidade», explica à Lusa.

De acordo com Cláudia Vaz, que há quase 4 anos estuda as identidades de jovens da Cova da Moura, esta linguagem também é influenciada por factores externos, uma vez que «ao contrário do que se possa pensar», eles também «saem do seu bairro, andam na escola, viajam, têm amigos portugueses e estrangeiros».

Estes jovens são pessoas «urbanas e globais» que como em qualquer outro espaço urbano «têm gostos específicos, estão ligados à cultura do hip-hop e expostos a diversas influências», sendo «natural que exista uma mudança na sua língua e cultura», sublinha.

«A sua globalidade não se reflecte apenas na forma de falar, também na roupa que usam e na maneira de estar e sentir as coisas», acrescenta.

A especialista lembra que estes jovens não são considerados «portugueses em Portugal, nem cabo-verdianos em Cabo Verde», pelo que o «seu bairro» acaba por ser o «seu chão», um lugar onde acabam por criar «o seu próprio espaço e que não querem deixar».

«É difícil definir o que sou. Vejo-me como cidadão do mundo. Sou de origem cabo-verdiana mas apenas conheci Cabo Verde há pouco. Por outro lado, nasci em Lisboa, mas não me foi dada a nacionalidade portuguesa», explica Bino, sublinhando que essa dualidade «expressa-se e "transpassa"» para a sua maneira «de ser, falar, viver e ver as coisas».

«A língua é uma mistura natural entre muita coisa que eu sou. Não posso negar uma influência ou outra porque estão interligadas, quer queira ou não» acrescenta.

«Se me fizessem sentir português não tinha problemas em dizê-lo. Mas isso é raro. Defino-me como crioulo que vive na Cova da Moura, como africano de origem cabo-verdiana a viver em Portugal», refere Kromo di Ghetto.

Para Cláudia Vaz, esta forma de comunicar «que lhes é comum, surge de maneira natural e reflecte a riqueza do seu quotidiano e influencias», permite-lhes «sentirem-se como eles são».

De acordo com os linguistas, este tipo de «adaptação linguística» é «relativamente comum» nas comunidades onde se fala mais que uma língua.

Para Ernesto Andrade, da Universidade de Lisboa, é normal que nesse contexto «existam interferências e se misturem palavras», considerando estas variações «uma maneira étnica de falar uma língua».

Isabel Tomás, da Universidade Nova, afirma que sendo o crioulo «uma língua minoritária», os seus falantes podem «manipulá-la e moldá-la para marcar um identidade particular e excluir os não-iniciados».

«Estes jovens moldam o crioulo para reforçar a própria identidade e a do subgrupo em que estão inseridos. Isto não é de agora, mas a tecnologia de hoje em dia permite que um factor global, passado através do hip-hop, entre nessa particularidade», sublinha.
 
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