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Kátia Semedo leva ‘Caminho de São Tomé’ ao B.Leza
A cantora Kátia Semedo está em Portugal e tem um concerto no B.Leza, no dia 12 de outubro, pelas 22h00. Uma atuação para apresentar o seu disco de estreia ‘Caminho de São Tomé’, que retrata a sua história, mas também a história dos seus avós.
"Os meus avós tiveram de sair de Cabo Verde por causa da seca, que culminou numa fome horrível em que muitos cabo-verdianos morreram e muitos se alistaram para trabalhar em São Tomé. São os chamados ‘contratados’. Os meus avós fazem parte desse grupo. Foram de barco, tal como muitos outros. Conheceram-se nas roças. O meu avô era feitor, e a minha avó era uma empregada normal que trabalhava nas roças. Ela diz-me sempre que capinava muito nos grandes campos de cacau", conta Kátia Semedo sobre a história da sua família e de muitos cabo-verdianos, que nas décadas de 40 e 50 do século XX, deixaram Cabo Verde para trabalhar nas roças, com a expectativa de um dia voltar, mas o regresso nunca passou de uma ilusão.
"A partida dos meus avós para São Tomé foi forçada. A esperança era de trabalhar, criar melhores condições de vida e um dia regressar a Cabo Verde, a terra que os viu nascer. Mas infelizmente, com o passar do tempo, fizeram a vida em São Tomé. Lembro-me bem, que houve uma data, que havia possibilidade de eles voltarem. Não para ficar, mas para conhecer, ver aquilo que deixaram. Mas negaram, disseram que já não têm mais nada para fazer em Cabo Verde. A esperança, anteriormente, era que Cabo Verde mudasse, que a fome passasse e que eles tivessem a oportunidade de regressar à terra. Mas infelizmente isso não aconteceu. Na altura em que tinham forças para voltar não tiveram essa possibilidade. Eles tinham vontade de regressar, mas na fase idosa desistiram, a esperança esgotou-se", realça a cantora de São Tomé e Príncipe.
Para as gerações mais novas de descendentes de cabo-verdianos em São Tomé e Príncipe, voltar à terra dos seus avós não é uma ambição.
"A maioria dos descendentes de cabo-verdianos, como eu, acho que só queriam ir para Cabo Verde para conhecer, não para ficar e fazer a vida. Só para conhecer a história e a terra dos avós. A maioria gostaria mesmo de emigrar para a Europa ou para a América. Para conseguir fazer lá a sua vida. No meu caso, sempre quis morar em Cabo Verde. Depois de conhecer, pela primeira vez, em 2005, eu me apaixonei completamente pelo país e depois de algum tempo decidi viver lá, mesmo não tendo familiares, vim a descobrir algumas pessoas, alguns tios e primas. Mas mesmo não conhecendo fiz esta aventura, quis morar em Cabo Verde, e não me arrependo nada de o ter feito", garante Kátia, que foi viver para a capital cabo-verdiana com o objetivo de estudar e cantar.
"Mas depois tive o meu filho, em Cabo Verde. Comecei a estudar e não foi possível conciliar a música, o campo académico e também o ser mãe. Então, infelizmente, tive de enviar o meu filho para São Tomé. Para ficar ao cuidado dos meus pais. Depois de algum tempo, quando as coisas melhoraram, depois de ter conquistado alguns objetivos, trouxe-o para morar juntamente comigo, novamente em Cabo Verde. Eu acho que neste processo sou uma sortuda, por ser descendente de cabo-verdianos consegui, lá (em São Tomé e Príncipe), uma bolsa. Foi isso que me possibilitou tirar a licenciatura em enfermagem. Trabalhei algum tempo como enfermeira no hospital e depois consegui trazer o meu filho. Era sempre esse o objetivo, depois de ultrapassar os obstáculos, trazê-lo de volta para ficar comigo", refere Kátia, que gravou no seu disco o tema, ‘Combersu ku mar’, que retrata esse momento da sua vida.
"Essa distância, estar longe de casa, longe dos familiares e principalmente do meu filho é espelhada no ‘Combersu ku mar’. Foi muito difícil. Foram quatro anos, quatro longos anos para mim. Muita dor, muita saudade por ficar longe do meu filho. Mas hoje vejo que conseguimos ultrapassar, e eu sou o que sou porque passei aquilo que passei. Ficar longe de um filho para uma mãe é uma amargura muito grande. Mas hoje considero-me realizada. Sou feliz por tê-lo novamente comigo", afirma a cantora.
A sua paixão pela música revelou-se muito cedo. "Comecei a cantar muito, muito pequena, lembro-me da minha avó cantar, na altura não sabia o que ela cantava, só sei que era uma melodia muito profunda, muito intensa. Depois vim a saber que era morna e desde essa altura que eu disse: Oh, eu me identifico com aquilo", recorda Kátia.
Em São Tomé e Príncipe a cantora ainda não tinha muito contacto com a música tradicional cabo-verdiana, mas depois de ter participado, em 2005, na Gala Internacional de Pequenos Cantores, em Cabo Verde, representando a diáspora cabo-verdiana de São Tomé e Príncipe, começou a conhecer e a gostar. Participou também no concurso Revelação Voz da Diáspora que a levou ao Luxemburgo.
"Em 2013 resolvi viver em Cabo Verde, trazia na bagagem o sonho de ser cantora. Pensava sempre que em Cabo Verde conseguiria concretizar esse sonho. Esta luta continuou, e cá estamos nós, com o ‘Caminho de São Tomé’, que espelha, que retrata essa história. Essa minha aventura de ir para Cabo Verde e anteriormente a dos meus avós, de irem para São Tomé. Fugirem da fome, da seca, em busca de melhores condições de vida", explica Katia Semedo.
"Tudo isto para dizer que a fome e a seca em Cabo Verde trouxeram coisas boas. Eu tenho orgulho em ser resultado disso. Os meus avós tiveram o meu pai em São Tomé, que conheceu a minha mãe, de quem a família toda é santomense, e resultei eu. Sou fruto desta união, desta aventura. O disco Caminho de São Tomé é inspirado nas minhas vivências, na minha história. É inspirado na minha avó querida, é inspirado no meu filho, e também na mulher. Essas vivências como mulher, como mãe solteira, fizeram com que eu escrevesse as músicas deste CD", conclui a cantora Kátia Semedo.
Correio da Manhã

A cantora Kátia Semedo está em Portugal e tem um concerto no B.Leza, no dia 12 de outubro, pelas 22h00. Uma atuação para apresentar o seu disco de estreia ‘Caminho de São Tomé’, que retrata a sua história, mas também a história dos seus avós.
"Os meus avós tiveram de sair de Cabo Verde por causa da seca, que culminou numa fome horrível em que muitos cabo-verdianos morreram e muitos se alistaram para trabalhar em São Tomé. São os chamados ‘contratados’. Os meus avós fazem parte desse grupo. Foram de barco, tal como muitos outros. Conheceram-se nas roças. O meu avô era feitor, e a minha avó era uma empregada normal que trabalhava nas roças. Ela diz-me sempre que capinava muito nos grandes campos de cacau", conta Kátia Semedo sobre a história da sua família e de muitos cabo-verdianos, que nas décadas de 40 e 50 do século XX, deixaram Cabo Verde para trabalhar nas roças, com a expectativa de um dia voltar, mas o regresso nunca passou de uma ilusão.
"A partida dos meus avós para São Tomé foi forçada. A esperança era de trabalhar, criar melhores condições de vida e um dia regressar a Cabo Verde, a terra que os viu nascer. Mas infelizmente, com o passar do tempo, fizeram a vida em São Tomé. Lembro-me bem, que houve uma data, que havia possibilidade de eles voltarem. Não para ficar, mas para conhecer, ver aquilo que deixaram. Mas negaram, disseram que já não têm mais nada para fazer em Cabo Verde. A esperança, anteriormente, era que Cabo Verde mudasse, que a fome passasse e que eles tivessem a oportunidade de regressar à terra. Mas infelizmente isso não aconteceu. Na altura em que tinham forças para voltar não tiveram essa possibilidade. Eles tinham vontade de regressar, mas na fase idosa desistiram, a esperança esgotou-se", realça a cantora de São Tomé e Príncipe.
Para as gerações mais novas de descendentes de cabo-verdianos em São Tomé e Príncipe, voltar à terra dos seus avós não é uma ambição.
"A maioria dos descendentes de cabo-verdianos, como eu, acho que só queriam ir para Cabo Verde para conhecer, não para ficar e fazer a vida. Só para conhecer a história e a terra dos avós. A maioria gostaria mesmo de emigrar para a Europa ou para a América. Para conseguir fazer lá a sua vida. No meu caso, sempre quis morar em Cabo Verde. Depois de conhecer, pela primeira vez, em 2005, eu me apaixonei completamente pelo país e depois de algum tempo decidi viver lá, mesmo não tendo familiares, vim a descobrir algumas pessoas, alguns tios e primas. Mas mesmo não conhecendo fiz esta aventura, quis morar em Cabo Verde, e não me arrependo nada de o ter feito", garante Kátia, que foi viver para a capital cabo-verdiana com o objetivo de estudar e cantar.
"Mas depois tive o meu filho, em Cabo Verde. Comecei a estudar e não foi possível conciliar a música, o campo académico e também o ser mãe. Então, infelizmente, tive de enviar o meu filho para São Tomé. Para ficar ao cuidado dos meus pais. Depois de algum tempo, quando as coisas melhoraram, depois de ter conquistado alguns objetivos, trouxe-o para morar juntamente comigo, novamente em Cabo Verde. Eu acho que neste processo sou uma sortuda, por ser descendente de cabo-verdianos consegui, lá (em São Tomé e Príncipe), uma bolsa. Foi isso que me possibilitou tirar a licenciatura em enfermagem. Trabalhei algum tempo como enfermeira no hospital e depois consegui trazer o meu filho. Era sempre esse o objetivo, depois de ultrapassar os obstáculos, trazê-lo de volta para ficar comigo", refere Kátia, que gravou no seu disco o tema, ‘Combersu ku mar’, que retrata esse momento da sua vida.
"Essa distância, estar longe de casa, longe dos familiares e principalmente do meu filho é espelhada no ‘Combersu ku mar’. Foi muito difícil. Foram quatro anos, quatro longos anos para mim. Muita dor, muita saudade por ficar longe do meu filho. Mas hoje vejo que conseguimos ultrapassar, e eu sou o que sou porque passei aquilo que passei. Ficar longe de um filho para uma mãe é uma amargura muito grande. Mas hoje considero-me realizada. Sou feliz por tê-lo novamente comigo", afirma a cantora.
A sua paixão pela música revelou-se muito cedo. "Comecei a cantar muito, muito pequena, lembro-me da minha avó cantar, na altura não sabia o que ela cantava, só sei que era uma melodia muito profunda, muito intensa. Depois vim a saber que era morna e desde essa altura que eu disse: Oh, eu me identifico com aquilo", recorda Kátia.
Em São Tomé e Príncipe a cantora ainda não tinha muito contacto com a música tradicional cabo-verdiana, mas depois de ter participado, em 2005, na Gala Internacional de Pequenos Cantores, em Cabo Verde, representando a diáspora cabo-verdiana de São Tomé e Príncipe, começou a conhecer e a gostar. Participou também no concurso Revelação Voz da Diáspora que a levou ao Luxemburgo.
"Em 2013 resolvi viver em Cabo Verde, trazia na bagagem o sonho de ser cantora. Pensava sempre que em Cabo Verde conseguiria concretizar esse sonho. Esta luta continuou, e cá estamos nós, com o ‘Caminho de São Tomé’, que espelha, que retrata essa história. Essa minha aventura de ir para Cabo Verde e anteriormente a dos meus avós, de irem para São Tomé. Fugirem da fome, da seca, em busca de melhores condições de vida", explica Katia Semedo.
"Tudo isto para dizer que a fome e a seca em Cabo Verde trouxeram coisas boas. Eu tenho orgulho em ser resultado disso. Os meus avós tiveram o meu pai em São Tomé, que conheceu a minha mãe, de quem a família toda é santomense, e resultei eu. Sou fruto desta união, desta aventura. O disco Caminho de São Tomé é inspirado nas minhas vivências, na minha história. É inspirado na minha avó querida, é inspirado no meu filho, e também na mulher. Essas vivências como mulher, como mãe solteira, fizeram com que eu escrevesse as músicas deste CD", conclui a cantora Kátia Semedo.
Correio da Manhã