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Não pode haver grupos e tribos no MP

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GF Ouro
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António Cluny, em entrevista ao semanário SOL: «O MP corre o risco de transformar-se num instrumento de manipulação política».


O Presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) diz que a autonomia interna desta magistratura está ameaçada, na sequência das alterações ao respectivo estatuto, que o Parlamento aprovou em Julho. As chefias do Ministério Público (MP) podem nomear quem quiserem para as comarcas e para certos processos, sem critérios objectivos. O ambiente no MP já teve melhores dias.

Concorda com o procurador da República (PGR) quando ele diz que acabou o sentimento de impunidade?
É o pensamento do PGR. Para mim, o sentimento de impunidade não está apenas associado à investigação criminal, mas fundamentalmente à capacidade que o sistema tem de gerar, quando é devido, as condenações. E, neste campo, temos ainda que aguardar resultados para que os portugueses comecem a acreditar que o sistema funciona.

Que balanço faz destes primeiros anos de Pinto Monteiro na PGR?
Uma pergunta dessas numa magistratura hierarquizada é sempre problemática. Se o elogiar, pode-se sempre dizer que o faço por corporativismo ou por carreirismo; se for negativista, poder-se-á dizer que sou desleal. O mais relevante é que o PGR tem conseguido estabelecer com a Comunicação Social e com os cidadãos uma relação muito favorável, o que tem beneficiado o Ministério Público (MP), que era acusado de alguma opacidade. Quanto aos resultados, medem-se pelas decisões das acusações que o MP produziu - portanto, ainda não há tempo suficiente para uma avaliação.

Há cerca de um ano e meio, disse que havia o perigo de o MP ser uma magistratura a prazo. Entretanto, vieram a publico alguns conflitos, diz-se que há um mal-estar latente na classe e muitos magistrados têm saído (22 foram agora para juízes dos tribunais administrativos). Os seus receios concretizaram-se?
Depois disso, verificou-se uma discussão alargada sobre o estatuto do MP, com o Governo, de que demos conhecimento prévio ao PGR. O SMMP foi convidado a apresentar propostas e tudo isso culminou, antes do Verão, com uma proposta do grupo parlamentar do PS para a revisão de alguns pontos do estatuto do MP, juntamente com a nova lei orgânica dos tribunais ou `mapa’ judiciário. Em relação ao mapa, foram conseguidos alguns avanços, mas relativamente ao estatuto caiu tudo por terra, por indicação do primeiro-ministro, após este ter sido interpelado no Parlamento pelo líder do CDS, sobre uma eventual redução dos poderes do PGR. Nunca percebemos exactamente o que se passou. Era um bom projecto: previa que a colocação e progressão dos magistrados na carreira do MP deveriam fazer-se por concursos, tendo em conta os seus currículos e com critérios objectivos. O mesmo se previa para os lugares de chefia. Isto tornava a carreira mais estimulante e menos susceptível de manipulações e de pressões. Tudo isto caiu.

E qual a consequência?
Agora estamos dependentes da possibilidade de o Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) entender, ou não, regulamentar de forma correcta o preenchimento de lugares e a progressão na carreira. Por outro lado, ficaram na lei normas já muito negativas, como a possibilidade de a própria hierarquia se ir cooptando a si própria, num sistema quase feudal. Por exemplo, depois desse volte-face na AR, o estatuto passou a permitir que os procuradores distritais indiquem ao CSMP quem devem ser os coordenadores das novas comarcas. É fundamental que os magistrados tenham as suas carreiras regidas por critérios transparentes, tão exigentes como os exigidos para os juízes e pelo menos não inferiores aos da administração pública (em que os lugares de chefias intermédias são preenchidos por concurso). Há ainda o problema das novas comarcas, que abrangem vários concelhos: mudar dentro das novas comarcas pode significar, de repente, ir parar a 150 quilómetros. Deixar à hierarquia do MP o livre poder para movimentar um magistrado numa circunscrição tão grande atenta contra a garantia constitucional da estabilidade. Mesmo um funcionário da administração pública não pode ser deslocado mais do que 50 quilómetros. Além disso prevêem-se compensações remuneratórias nalgumas chefias. Ora, este incentivo só pode existir se houver critérios transparentes de selecção dos magistrados. Se não houver regras claras, quem vai decidir os que no MP podem ganhar mais é a hierarquia.

A vossa luta é, então, contra o CSMP?
Não, pelo contrário, é uma luta no sentido de que este consiga regulamentar a lei nos termos em que a Constituição o impõe. Podendo a hierarquia movimentar os magistrados como quiser, consoante a menor ou maior adesão dos magistrados às suas teses, está-se a criar a prazo um grave problema para a coesão do MP Não podemos ter uma magistratura organizada em grupos ou tribos, correndo o risco de transformar-se num instrumento de manipulação política. Actualmente, um procurador que discorde de uma ordem da hierarquia num processo pode fazer objecção de consciência jurídica e não há possibilidade de sofrer algum tipo de pressão porque ninguém o pode tirar do sítio onde está. Com a nova lei, e se o CSMP não estabelecer regras, pode acontecer que esse procurador seja transferido para outro tribunal, a quilómetros de distância. Isto é um perigo - não só para os magistrados, mas para os próprios cidadãos que têm os seus processos entregues ao MP.

Alguma coisa o leva a crer que o CSMP não adopte regras claras?
Solicitámos uma decisão ao CSMP, mas ainda não há resposta. A situação no MP começa a ser tão complicada que não é só o problema de terem saído agora 22 magistrados (e de entre os melhores). Lembro que só 4 dos candidatos ao Centro de Estudos Judiciários [escola de formação de magistrados] manifestaram interesse em ir para o MP Sentimos hoje que o MP é uma carreira desgastante e pouco apetecível - consequência da diminuição de garantias e das dificuldades de funcionamento a nível processual (todas estas reformas têm de alguma forma limitado a capacidade de o MP intervir nos processos).

Há quem diga que existe uma guerra surda entre o SMMP e o PGR…
Não. Mas há muito tempo que não temos contactos directos.

Mas o SMMP tem sido criticado nas reuniões do CSMP.
Toda a gente é livre de criticar. O que importa é compreender que os sindicatos têm um estatuto constitucional. O sindicato existe há muitos anos, já trabalhou com quatro PGR e vai certamente continuar a existir e a trabalhar com os próximos PGR.

Como vê a criação de equipas especiais de investigação (como a do Apito Dourado)?
Preferia que estivessem previstos na lei departamentos especializados de investigação, com quadros próprios de magistrados e formação específica para essas funções. Isto para que os cidadãos não pensem que para aquele processo foi escolhido um magistrado ‘desta’ ou daquela ‘cor’.

“Não acha que os magistrados deviam ser obrigados a divulgar se pertencem a associações, como a maçonaria, por exemplo, que funciona numa lógica de ajuda entre ‘irmãos’?
O direito de associação foi conquistado no 25 de Abril e devemos defendê-lo com intransigência. Para mim, o mais importante é a transparência da situação porque é impossível em rigor dizer se alguém está ou não inscrito numa qualquer organização: partidos, clubes, maçonarias, igrejas. Por outro lado, a ideia do magistrado quimicamente puro não existe. Por isso, deveria ser obrigatória uma declaração de interesses.

E o senhor, é maçom?
Não.


@ SOL
 
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