santos2206
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Proposta de lei do Governo prevê multas até 8400 euros. Código Penal contempla prisão, mas a maioria das queixas não passa do papel.
Dois dias depois de a nova proposta de lei do Governo de combate à discriminação racial e à xenofobia ter entrado na Assembleia da República, o SOS Racismo organiza um debate na biblioteca do Parlamento para discutir a legislação e apresentar sugestões.
Deve a punição do racismo tender para as contra-ordenações com multas mais pesadas ou para sanções mais duras com a sua criminalização e a aplicação de penas de prisão? O SOS Racismo, uma das mais antigas organizações não-governamentais de combate a este fenómeno, defende que a criminalização é o caminho dissuasor mais eficaz.
[h=3]Multas por racismo e xenofobia podem chegar aos 8420 euros, propõe Governo[/h]
Esta quarta-feira, a organização lança o livro Racismo e Discriminação: a lei da impunidade com a socióloga Silvia Rodríguez Maeso, especialista em racismo da Universidade de Coimbra, com Mamadou Ba, do SOS Racismo e dirigente do Bloco de Esquerda, e com os deputados Teresa Caeiro (CDS, vice-presidente da Assembleia da República) e Pedro Bacelar de Vasconcelos (PS, presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias).
O livro faz um balanço da lei anterior, que tem quase 20 anos. O debate irá abordar também a nova proposta do Governo, que define que o racismo e a xenofobia serão punidos com multas que podem ir até aos 4210 euros, no caso de ser cometido por indivíduos, e até 8420 euros, se o for por pessoas colectivas. Prevê também que a vítima tenha direito a indemnização.
[h=2]Alteração do Código Penal?[/h]A crítica do SOS Racismo ao novo diploma centra-se no facto de colocar demasiada enfâse nas multas e de alargar os casos em que estas podem ser aplicadas: ao fazê-lo, está a diminuir as hipóteses de quem se queixa de racismo seguir a via do processo-crime, defende. “A nossa proposta é que devia haver uma alteração do Código Penal que pudesse tipificar os crimes de racismo”, diz Mamadou Ba, um dos oradores da sessão, e co-autor do livro.
[h=3]Governo alarga conceito de discriminação racial em nova lei[/h]
O Código Penal (CP) prevê prisão para actos de violência, difamação, ameaças, fundação de organizações de propaganda que incitem ao ódio ou discriminação, mas a sua aplicação prática tem sido reduzida, segundo Mamadou Ba. Falta-lhe, por exemplo, definir o que é racismo, como faz a actual proposta de lei do Governo em relação à discriminação, onde são elencadas várias práticas.
O PÚBLICO pediu dados ao Ministério da Justiça sobre o número de condenações por racismo nos últimos 20 anos, mas até à hora do fecho desta edição não foi possível obtê-los. Esta compilação era, de resto, uma recomendação do Comité das Nações Unidas para a Eliminação da Discriminação Racial (CERD) na sua última revisão em Novembro. No livro do SOS Racismo publicam-se números: de 2000 a 2014 houve 248 processos de contra-ordenação, e apenas nove condenações. Isso mostra os “poucos casos em que as sanções foram eficazes ou dissuasivas”. Segundo dados do Observatório das Migrações, entre 2005 e 2015 foram recebidas 759 queixas por discriminação, mas apenas 225 terminaram em processos de contra-ordenação. É raro virem a público casos de condenações em tribunais. O caso mediático mais recente foi o do skinhead Mário Machado.
Por seu lado, a Secretaria de Estado para a Cidadania e a Igualdade (SECI), que coordenou o processo, defende, através de email, que “o que este diploma faz é alargar os poderes de intervenção em matéria contraordenacional, garantindo essa protecção alargada por via da responsabilidade civil, para quaisquer práticas discriminatórias não tipificadas como contraordenação”.
Mas para Mamadou Ba a questão de fundo é que o racismo é encarado em Portugal como opinião e visto como uma questão isolada, quando é uma questão estrutural e um crime, afirma. “É preciso perceber que o racismo não é um debate moral, é uma questão política e cultural. Alguém que é discriminado por causa da raça sofre um atentado à sua dignidade. É necessário criar as condições para que deixe de existir. As pessoas têm que perceber que há limites que não podem ser transpostos, há valores invioláveis.”
[h=2]Dados fiáveis[/h]Silvia Rodríguez Maeso, investigadora espanhola que desenvolve o projecto O combate ao racismo em Portugal: uma análise de políticas públicas e legislação antidiscriminação, também coloca a questão da perspectiva do racismo estrutural e da forma como é discutido na sociedade portuguesa. Por um lado, a tabela das condenações é muito baixa, por outro, mesmo quando existe, não está a ser feito um diagnóstico do padrão de comportamento deste tipo, e há uma inoperância na forma como as entidades seguem os casos, analisa. Além disso, é difícil transformar os crimes em casos jurídicos, sublinha, até porque isso exige recursos. Silvia Maeso critica ainda a falta de independência política de entidades como a Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR) que analisam as queixas e que deveriam publicar relatórios e estatísticas anuais com “dados fiáveis”. “Não há vontade política de discutir o racismo como processo estrutural que afecta direitos fundamentais das populações e a vida de muitas pessoas”.
Para Mamadou Ba, também dirigente do Bloco de Esquerda, o racismo “é tabu em Portugal” e isso “faz com que o legislador actue com alguma timidez”. “A actuação “é tão insuficiente que o resultado na prática é ineficaz. Temos 20 anos desta lei e não há nenhum agente da autoridade condenado por ela”, acrescenta, mesmo com os casos vindos a público, como o que terá envolvido agressões de agentes policiais na esquadra de Alfragide a habitantes do Bairro do Alto da Cova da Moura, em 2015.
Mas esta organização não está isolada na crítica à anterior legislação: também Pedro Bacelar de Vasconcelos reconhece que a experiência da aplicação da lei “não é positiva”, e essa opinião decorre da análise dos dados sobre queixas e o seu desfecho. “Só por si justifica uma reflexão sobre o combate à discriminação”, diz ao PÚBLICO. “A experiência diz que a aplicação da lei foi demasiado benevolente. A solução não é torná-la mais drástica mas saber porque foi tão condescendente a sua aplicação e procurar, ao nível da revisão, as melhores medidas”, responde.
Já Teresa Caeiro considera que o CP e a lei da discriminação cobrem as questões do racismo. “Portugal não tem descuido em relação às questões do racismo”, afirma a deputada. “A própria Constituição proíbe a discriminação”, afirma. “Claro que há problemas, podemos fazer mais, através da igualdade de oportunidades de acesso ao mercado de trabalho e práticas de integração, mas como portuguesa não tenho vergonha das nossas leis”, afirma.
Já o Alto Comissariado para as Migrações não quis comentar o novo diploma, remetendo a resposta para a tutela, a SECI.
Publico
Dois dias depois de a nova proposta de lei do Governo de combate à discriminação racial e à xenofobia ter entrado na Assembleia da República, o SOS Racismo organiza um debate na biblioteca do Parlamento para discutir a legislação e apresentar sugestões.
Deve a punição do racismo tender para as contra-ordenações com multas mais pesadas ou para sanções mais duras com a sua criminalização e a aplicação de penas de prisão? O SOS Racismo, uma das mais antigas organizações não-governamentais de combate a este fenómeno, defende que a criminalização é o caminho dissuasor mais eficaz.
[h=3]Multas por racismo e xenofobia podem chegar aos 8420 euros, propõe Governo[/h]
Esta quarta-feira, a organização lança o livro Racismo e Discriminação: a lei da impunidade com a socióloga Silvia Rodríguez Maeso, especialista em racismo da Universidade de Coimbra, com Mamadou Ba, do SOS Racismo e dirigente do Bloco de Esquerda, e com os deputados Teresa Caeiro (CDS, vice-presidente da Assembleia da República) e Pedro Bacelar de Vasconcelos (PS, presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias).
O livro faz um balanço da lei anterior, que tem quase 20 anos. O debate irá abordar também a nova proposta do Governo, que define que o racismo e a xenofobia serão punidos com multas que podem ir até aos 4210 euros, no caso de ser cometido por indivíduos, e até 8420 euros, se o for por pessoas colectivas. Prevê também que a vítima tenha direito a indemnização.
[h=2]Alteração do Código Penal?[/h]A crítica do SOS Racismo ao novo diploma centra-se no facto de colocar demasiada enfâse nas multas e de alargar os casos em que estas podem ser aplicadas: ao fazê-lo, está a diminuir as hipóteses de quem se queixa de racismo seguir a via do processo-crime, defende. “A nossa proposta é que devia haver uma alteração do Código Penal que pudesse tipificar os crimes de racismo”, diz Mamadou Ba, um dos oradores da sessão, e co-autor do livro.
[h=3]Governo alarga conceito de discriminação racial em nova lei[/h]
O Código Penal (CP) prevê prisão para actos de violência, difamação, ameaças, fundação de organizações de propaganda que incitem ao ódio ou discriminação, mas a sua aplicação prática tem sido reduzida, segundo Mamadou Ba. Falta-lhe, por exemplo, definir o que é racismo, como faz a actual proposta de lei do Governo em relação à discriminação, onde são elencadas várias práticas.
O PÚBLICO pediu dados ao Ministério da Justiça sobre o número de condenações por racismo nos últimos 20 anos, mas até à hora do fecho desta edição não foi possível obtê-los. Esta compilação era, de resto, uma recomendação do Comité das Nações Unidas para a Eliminação da Discriminação Racial (CERD) na sua última revisão em Novembro. No livro do SOS Racismo publicam-se números: de 2000 a 2014 houve 248 processos de contra-ordenação, e apenas nove condenações. Isso mostra os “poucos casos em que as sanções foram eficazes ou dissuasivas”. Segundo dados do Observatório das Migrações, entre 2005 e 2015 foram recebidas 759 queixas por discriminação, mas apenas 225 terminaram em processos de contra-ordenação. É raro virem a público casos de condenações em tribunais. O caso mediático mais recente foi o do skinhead Mário Machado.
Por seu lado, a Secretaria de Estado para a Cidadania e a Igualdade (SECI), que coordenou o processo, defende, através de email, que “o que este diploma faz é alargar os poderes de intervenção em matéria contraordenacional, garantindo essa protecção alargada por via da responsabilidade civil, para quaisquer práticas discriminatórias não tipificadas como contraordenação”.
Mas para Mamadou Ba a questão de fundo é que o racismo é encarado em Portugal como opinião e visto como uma questão isolada, quando é uma questão estrutural e um crime, afirma. “É preciso perceber que o racismo não é um debate moral, é uma questão política e cultural. Alguém que é discriminado por causa da raça sofre um atentado à sua dignidade. É necessário criar as condições para que deixe de existir. As pessoas têm que perceber que há limites que não podem ser transpostos, há valores invioláveis.”
[h=2]Dados fiáveis[/h]Silvia Rodríguez Maeso, investigadora espanhola que desenvolve o projecto O combate ao racismo em Portugal: uma análise de políticas públicas e legislação antidiscriminação, também coloca a questão da perspectiva do racismo estrutural e da forma como é discutido na sociedade portuguesa. Por um lado, a tabela das condenações é muito baixa, por outro, mesmo quando existe, não está a ser feito um diagnóstico do padrão de comportamento deste tipo, e há uma inoperância na forma como as entidades seguem os casos, analisa. Além disso, é difícil transformar os crimes em casos jurídicos, sublinha, até porque isso exige recursos. Silvia Maeso critica ainda a falta de independência política de entidades como a Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR) que analisam as queixas e que deveriam publicar relatórios e estatísticas anuais com “dados fiáveis”. “Não há vontade política de discutir o racismo como processo estrutural que afecta direitos fundamentais das populações e a vida de muitas pessoas”.
Para Mamadou Ba, também dirigente do Bloco de Esquerda, o racismo “é tabu em Portugal” e isso “faz com que o legislador actue com alguma timidez”. “A actuação “é tão insuficiente que o resultado na prática é ineficaz. Temos 20 anos desta lei e não há nenhum agente da autoridade condenado por ela”, acrescenta, mesmo com os casos vindos a público, como o que terá envolvido agressões de agentes policiais na esquadra de Alfragide a habitantes do Bairro do Alto da Cova da Moura, em 2015.
Mas esta organização não está isolada na crítica à anterior legislação: também Pedro Bacelar de Vasconcelos reconhece que a experiência da aplicação da lei “não é positiva”, e essa opinião decorre da análise dos dados sobre queixas e o seu desfecho. “Só por si justifica uma reflexão sobre o combate à discriminação”, diz ao PÚBLICO. “A experiência diz que a aplicação da lei foi demasiado benevolente. A solução não é torná-la mais drástica mas saber porque foi tão condescendente a sua aplicação e procurar, ao nível da revisão, as melhores medidas”, responde.
Já Teresa Caeiro considera que o CP e a lei da discriminação cobrem as questões do racismo. “Portugal não tem descuido em relação às questões do racismo”, afirma a deputada. “A própria Constituição proíbe a discriminação”, afirma. “Claro que há problemas, podemos fazer mais, através da igualdade de oportunidades de acesso ao mercado de trabalho e práticas de integração, mas como portuguesa não tenho vergonha das nossas leis”, afirma.
Já o Alto Comissariado para as Migrações não quis comentar o novo diploma, remetendo a resposta para a tutela, a SECI.
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