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A revisão dos preços da água e saneamento vai afetar 199 dos 308 municípios existentes.
Espera-se um aumento das tarifas em 70 dos concelhos mais populosos e uma descida nos restantes.
Mas compete às autarquias decidir se refletem essas subidas e descidas na factura dos clientes.
Sempre que os portugueses ouvem os governos anunciar, com parangonas, mais uma liberalização, uma reestruturação, uma reavaliação ou um reequilíbrio financeiro, a experiência diz-lhes que o preço a pagar vai ser mais alto.
Exemplos não faltam: nos combustíveis, na eletricidade e no gás, no imposto sobre os imóveis...
Há cerca de um mês, o Governo aprovou um novo modelo de reequilíbrio tarifário para o setor das águas e saneamento, cujo diploma se encontra a aguardar luz verde do Presidente da República.
Vai a nova reforma de um serviço público tão essencial como a água levar a um aumento dos preços nos 199 concelhos abrangidos?
A resposta é afirmativa, se morar no litoral.
Se viver no interior, talvez venha a ser contemplado com uma redução na fatura.
Mas isso depende da vontade - ou da disponibilidade financeira - do seu município. É a autarquia que tem poderes para fixar os novos preços da água.
Pelo menos, até que o reforço dos poderes regulatórios da ERSAR - Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos, lhe permita obrigar os municípios a praticarem preços orientados para os custos - e não acima ou abaixo deles, como acontece.
Um gesto tão simples como abrir uma torneira tem custos muito diferentes, quer a sua casa esteja situada no interior ou no litoral do País. A razão é fácil de entender.
De acordo com os Censos 2011, cerca de 40% dos habitantes de Portugal vivem nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto (que ocupam apenas 4% do território).
E mais de metade da população reside nos concelhos situados no litoral.
Logo, os custos de transportar a água, desde o local da sua captação até ao consumidor final, diluem-se mais facilmente se o local de entrega for no litoral, com maior concentração populacional.
Este é um dos principais argumentos - mas não o único - que explica as diferenças de preços na fatura a nível regional.
O défice da Águas de Portugal
Com a nova lei, é precisamente sobre estes cinco milhões de habitantes que residem no litoral que recai o aumento do custo da água, para que aqueles que habitam no interior possam pagar menos.
Segundo o Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia, a reestruturação do setor das águas e saneamento obedeceu a princípios como a "equidade territorial", "coesão social" e "diminuição da disparidade tarifária" entre regiões.
Ao mesmo tempo, pretende-se sanear financeiramente a holding Águas de Portugal (AdP), a lutar contra as dívidas, por parte dos municípios, no valor de 560 milhões de euros, até 2013.
A AdP, detida por capitais públicos, agrupa mais de 40 empresas de abastecimento de água aos municípios, saneamento de águas residuais e tratamento de resíduos, entre outros. No caso da água, faz a captação, o tratamento e a distribuição para consumo público.
O modelo atual que regula o setor da água é deficitário.
Os custos da captação, tratamento e distribuição são superiores em 12% às receitas, o que conduziu à acumulação de um défice tarifário estimado em 564 milhões de euros, no final de 2013. Ainda segundo os números do Governo, seria necessário aumentar as tarifas da água em 7,3% ao ano, durante os próximos 25 anos, para anular esse défice e sanear financeiramente a AdP.
Uma medida muito pouco popular, em tempos de crise... e, já agora, em ano de eleições legislativas.
Em alternativa, esta harmonização de tarifas da água e saneamento desenhada pelo ministério de Jorge Moreira da Silva, vai agrupar 17 diferentes sistemas de abastecimento em apenas três (ver mapas) - Águas do Norte, Águas do Centro Litoral e Águas de Lisboa e Vale do Tejo (incluindo a EPAL).
Os novos sistemas vão juntar-se às já existentes Águas do Alentejo e do Algarve, que não sofrem alterações. Dentro de cada um destes cinco sistemas regionais, as tarifas da água e saneamento a aplicar no fornecimento em "alta" aos 199 municípios passarão a ser iguais.
E, entre o sistema que vai fornecer a água "mais cara" e o que a vai vender "mais barata", a diferença não deverá exceder os 11 por cento.
Mas, para que essa aproximação de preços seja possível, o Governo penalizou as tarifas do litoral - pagas por um maior número de clientes - e aliviou o custo da água no interior.
Algumas diferenças de preço, estimadas para uma fatura média mensal de 10 metros cúbicos de consumo de água, podem ser observadas nos mapas publicados nestas páginas.
Nas mãos das câmaras
Apesar das subidas no litoral, a realizar até 2020 - o aumento das tarifas será gradual, por um período de cinco anos -, as empresas a agregar irão registar uma redução média de 10,15% nos preços da água e de 16,20% nos do saneamento, o que equivale a uma diminuição média de 13,29% na fatura destes dois serviços.
Nos municípios que irão ver as tarifas descer - e que são três quartos dos 199 concelhos envolvidas nesta reestruturação - o Governo estima que a poupança, em relação aos contratos atuais, atinja 4,1 mil milhões de euros, até 2045.
De fora desta reforma, estão os 109 municípios que geram diretamente os seus sistemas em "alta" ou que os entregaram a empresas privadas, e que não dependem da AdP para fornecer água aos seus habitantes.
O diploma do Governo aplica a harmonizações de tarifas apenas ao fornecimento de água "em alta", ou seja, ao preço a que a AdP vende a água aos municípios.
Estes, como se sabe, praticam preços muito díspares aos clientes domésticos.
O caso mais extremo talvez seja o de Lisboa e da Trofa, onde o metro cúbico da água usada na capital custa quatro vezes menos do que o metro cúbico consumido naquele concelho nortenho, abastecido pela Indaqua, uma empresa privada recentemente comprada pela Mota-Engil e pela alemã Talanx.
Se estas diferenças tarifárias tão amplas tendem a esbater-se, com a entrada em vigor do novo modelo, continua a ser da responsabilidade dos municípios fixar os novos preços da água e do saneamento.
Em alguns casos, embora os preços da água "em alta" registem uma descida, as autarquias podem decidir mantê-los ou mesmo aumentá-los...
Cabe à ERSAR fiscalizar, assim que tiver poderes para isso.
E aos clientes reclamar...
Uma 'bactéria' chamada PPP...
Até agora as reclamações têm caído em "saco roto". Sobretudo as dos habitantes de concelhos que concessionaram a água a empresas privadas.
Aí, o "mal" foi geral: os preços subiram em flecha.
Na distribuição "em baixa" (entre o município e os consumidores), embora a maior parte dos concelhos opte pela gestão pública (seja diretamente dependente da Câmara ou através de uma empresa municipal), a lei permite que a autarquia concessione o negócio a uma empresa privada, sendo o contrato mais comum o que se enquadra nas já famosas Parceria Público-Privada (PPP).
Atualmente existem 28 contratos desse tipo, que abrangem mais de 40 concelhos, uma vez que alguns são celebrados por associações de municípios.
O primeiro foi feito em 1994, pela Câmara de Mafra. Seguiram-se outros, entre os quais Setúbal, Figueira da Foz, Cascais ou Matosinhos, só para citar os maiores.
De acordo com o Tribunal de Contas (TC), num relatório do ano passado, os operadores privados que ficaram ajudicatários das concessões são dominados por grupos espanhóis (como a Aqualia) e chineses (como a Veolia).
Esse relatório é arrasador.
As suas conclusões são aquelas que os portugueses já bem conhecem noutras Parcerias Público-Privadas, como as rodoviárias, por exemplo: os contratos definem um número mínimo de utentes e, caso este número não seja atingido, o Estado teria de compensar a concessionária privada.
O mesmo se passa nas águas, em que é definido um valor mínimo de consumo e, caso este não seja atingido, o município terá de indemnizar a operadora privada.
O risco do negócio, segundo o TC, tem uma distribuição desigual.
"Na generalidade dos contratos de concessão não existiram evidências de qualquer preocupação, por parte dos municípios concedentes, com a análise de risco e de sustentabilidade dos potenciais impactos financeiros associados à evolução de eventuais cenários adversos das concessões", escreve o Tribunal.
E mais: "Constata-se, sistematicamente, falta de rigor e prudência quanto aos pressupostos técnicos e económicos adotados no âmbito da modelização financeira dos projetos em apreço, que acaba por beneficiar as concessionárias".
Por outro lado, a entidade reguladora não parece estar a fazer o seu trabalho. "Verificou-se que a ERSAR realizou apenas 8 auditorias, o que corresponde a cerca de 30% do universo das concessões, ficando aquém do desejável em face da necessidade de controlo das obrigações contratuais dos respetivos concedentes e concessionárias", continua o relatório.
...e um "galo" de 172 milhões
O caso do concelho de Barcelos é exemplar... do que não deve ser feito.
Em 2004, a autarquia assina um contrato de concessão, por 30 anos, com a Águas de Barcelos, detida em 75% pela AGS - Administração e Gestão de Salubridade (do grupo Somague, entretanto vendida a empresas japonesas), e em 25% pela empresa Alexandre Barbosa Borges.
Todo o problema reside na elaboração do "caso base".
Estimou-se que os habitantes de Barcelos crescessem 1% ao ano até 2018 (quando o que aconteceu foi que a população diminuiu por via da emigração); imaginou-se que cada um consumiria 114 litros de água por dia e que esse consumo iria aumentar 3 litros por dia até 2018.
"Sobre estes dados não foi realizado, pelo município de Barcelos, nenhum estudo que os suportasse.
A definição do caso base e do tarifário da concessão foram elaborados pela concessionária", refere o TC.
Ora... "O que as pessoas consumiam na altura eram 68 litros por dia", explica o atual presidente da Câmara, Miguel Costa Gomes.
Em 2012, uma decisão de um tribunal arbitral manda a autarquia ressarcir a concessionária, no valor de 172 milhões de euros, um montante que, a ter mesmo de ser pago, vai deixar o município numa situação complicada.
O orçamento anual da autarquia é de 60 milhões de euros.
Ainda por cima, o contrato de concessão impede que qualquer das partes apresente recurso da decisão do tribunal arbitral. Mas Costa Gomes não se conforma.
Levou o caso ao supremo tribunal administrativo, não em forma de recurso, mas alegando incidentes jurídicos, e aguarda com ansiedade a conclusão do processo-crime que corre no DCIAP, por suspeitas dos crimes de falsificação de documentos, tráfico de influências, participação económica em negócio e corrupção aquando da assinatura do contrato de concessão, pelo anterior executivo camarário.
Pelo meio foram-se sucedendo as situações desconcertantes. "Nos primeiros ?5 anos, o preço da água aumentou 80 por cento", denuncia o atual edil, e os barcelenses viraram-se ainda mais para os poços e furos nos quintais.
Com o consumo a diminuir, a concessionária começa a cobrar pelo não consumo: 14 euros se não consumisse nada; mas se consumisse ?5 metros cúbicos, já pagava menos, cerca de 8,25 euros. Então os emigrantes pediram às famílias que fossem às suas casas fechadas, uma vez por mês, abrir a torneira.
A questão da água em Barcelos era de tal forma preocupante para os munícipes, que o PS, nas eleições autárquicas, colocou um cartaz que dizia: "Se conduzir não beba água de Barcelos. Já basta o preço dos combustíveis".
Agora, boa parte do País pode ter de seguir o mesmo conselho, com os previsíveis aumentos da fatura da água.
In:Visão
Espera-se um aumento das tarifas em 70 dos concelhos mais populosos e uma descida nos restantes.
Mas compete às autarquias decidir se refletem essas subidas e descidas na factura dos clientes.
Sempre que os portugueses ouvem os governos anunciar, com parangonas, mais uma liberalização, uma reestruturação, uma reavaliação ou um reequilíbrio financeiro, a experiência diz-lhes que o preço a pagar vai ser mais alto.
Exemplos não faltam: nos combustíveis, na eletricidade e no gás, no imposto sobre os imóveis...
Há cerca de um mês, o Governo aprovou um novo modelo de reequilíbrio tarifário para o setor das águas e saneamento, cujo diploma se encontra a aguardar luz verde do Presidente da República.
Vai a nova reforma de um serviço público tão essencial como a água levar a um aumento dos preços nos 199 concelhos abrangidos?
A resposta é afirmativa, se morar no litoral.
Se viver no interior, talvez venha a ser contemplado com uma redução na fatura.
Mas isso depende da vontade - ou da disponibilidade financeira - do seu município. É a autarquia que tem poderes para fixar os novos preços da água.
Pelo menos, até que o reforço dos poderes regulatórios da ERSAR - Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos, lhe permita obrigar os municípios a praticarem preços orientados para os custos - e não acima ou abaixo deles, como acontece.
Um gesto tão simples como abrir uma torneira tem custos muito diferentes, quer a sua casa esteja situada no interior ou no litoral do País. A razão é fácil de entender.
De acordo com os Censos 2011, cerca de 40% dos habitantes de Portugal vivem nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto (que ocupam apenas 4% do território).
E mais de metade da população reside nos concelhos situados no litoral.
Logo, os custos de transportar a água, desde o local da sua captação até ao consumidor final, diluem-se mais facilmente se o local de entrega for no litoral, com maior concentração populacional.
Este é um dos principais argumentos - mas não o único - que explica as diferenças de preços na fatura a nível regional.
O défice da Águas de Portugal
Com a nova lei, é precisamente sobre estes cinco milhões de habitantes que residem no litoral que recai o aumento do custo da água, para que aqueles que habitam no interior possam pagar menos.
Segundo o Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia, a reestruturação do setor das águas e saneamento obedeceu a princípios como a "equidade territorial", "coesão social" e "diminuição da disparidade tarifária" entre regiões.
Ao mesmo tempo, pretende-se sanear financeiramente a holding Águas de Portugal (AdP), a lutar contra as dívidas, por parte dos municípios, no valor de 560 milhões de euros, até 2013.
A AdP, detida por capitais públicos, agrupa mais de 40 empresas de abastecimento de água aos municípios, saneamento de águas residuais e tratamento de resíduos, entre outros. No caso da água, faz a captação, o tratamento e a distribuição para consumo público.
O modelo atual que regula o setor da água é deficitário.
Os custos da captação, tratamento e distribuição são superiores em 12% às receitas, o que conduziu à acumulação de um défice tarifário estimado em 564 milhões de euros, no final de 2013. Ainda segundo os números do Governo, seria necessário aumentar as tarifas da água em 7,3% ao ano, durante os próximos 25 anos, para anular esse défice e sanear financeiramente a AdP.
Uma medida muito pouco popular, em tempos de crise... e, já agora, em ano de eleições legislativas.
Em alternativa, esta harmonização de tarifas da água e saneamento desenhada pelo ministério de Jorge Moreira da Silva, vai agrupar 17 diferentes sistemas de abastecimento em apenas três (ver mapas) - Águas do Norte, Águas do Centro Litoral e Águas de Lisboa e Vale do Tejo (incluindo a EPAL).
Os novos sistemas vão juntar-se às já existentes Águas do Alentejo e do Algarve, que não sofrem alterações. Dentro de cada um destes cinco sistemas regionais, as tarifas da água e saneamento a aplicar no fornecimento em "alta" aos 199 municípios passarão a ser iguais.
E, entre o sistema que vai fornecer a água "mais cara" e o que a vai vender "mais barata", a diferença não deverá exceder os 11 por cento.
Mas, para que essa aproximação de preços seja possível, o Governo penalizou as tarifas do litoral - pagas por um maior número de clientes - e aliviou o custo da água no interior.
Algumas diferenças de preço, estimadas para uma fatura média mensal de 10 metros cúbicos de consumo de água, podem ser observadas nos mapas publicados nestas páginas.
Nas mãos das câmaras
Apesar das subidas no litoral, a realizar até 2020 - o aumento das tarifas será gradual, por um período de cinco anos -, as empresas a agregar irão registar uma redução média de 10,15% nos preços da água e de 16,20% nos do saneamento, o que equivale a uma diminuição média de 13,29% na fatura destes dois serviços.
Nos municípios que irão ver as tarifas descer - e que são três quartos dos 199 concelhos envolvidas nesta reestruturação - o Governo estima que a poupança, em relação aos contratos atuais, atinja 4,1 mil milhões de euros, até 2045.
De fora desta reforma, estão os 109 municípios que geram diretamente os seus sistemas em "alta" ou que os entregaram a empresas privadas, e que não dependem da AdP para fornecer água aos seus habitantes.
O diploma do Governo aplica a harmonizações de tarifas apenas ao fornecimento de água "em alta", ou seja, ao preço a que a AdP vende a água aos municípios.
Estes, como se sabe, praticam preços muito díspares aos clientes domésticos.
O caso mais extremo talvez seja o de Lisboa e da Trofa, onde o metro cúbico da água usada na capital custa quatro vezes menos do que o metro cúbico consumido naquele concelho nortenho, abastecido pela Indaqua, uma empresa privada recentemente comprada pela Mota-Engil e pela alemã Talanx.
Se estas diferenças tarifárias tão amplas tendem a esbater-se, com a entrada em vigor do novo modelo, continua a ser da responsabilidade dos municípios fixar os novos preços da água e do saneamento.
Em alguns casos, embora os preços da água "em alta" registem uma descida, as autarquias podem decidir mantê-los ou mesmo aumentá-los...
Cabe à ERSAR fiscalizar, assim que tiver poderes para isso.
E aos clientes reclamar...
Uma 'bactéria' chamada PPP...
Até agora as reclamações têm caído em "saco roto". Sobretudo as dos habitantes de concelhos que concessionaram a água a empresas privadas.
Aí, o "mal" foi geral: os preços subiram em flecha.
Na distribuição "em baixa" (entre o município e os consumidores), embora a maior parte dos concelhos opte pela gestão pública (seja diretamente dependente da Câmara ou através de uma empresa municipal), a lei permite que a autarquia concessione o negócio a uma empresa privada, sendo o contrato mais comum o que se enquadra nas já famosas Parceria Público-Privada (PPP).
Atualmente existem 28 contratos desse tipo, que abrangem mais de 40 concelhos, uma vez que alguns são celebrados por associações de municípios.
O primeiro foi feito em 1994, pela Câmara de Mafra. Seguiram-se outros, entre os quais Setúbal, Figueira da Foz, Cascais ou Matosinhos, só para citar os maiores.
De acordo com o Tribunal de Contas (TC), num relatório do ano passado, os operadores privados que ficaram ajudicatários das concessões são dominados por grupos espanhóis (como a Aqualia) e chineses (como a Veolia).
Esse relatório é arrasador.
As suas conclusões são aquelas que os portugueses já bem conhecem noutras Parcerias Público-Privadas, como as rodoviárias, por exemplo: os contratos definem um número mínimo de utentes e, caso este número não seja atingido, o Estado teria de compensar a concessionária privada.
O mesmo se passa nas águas, em que é definido um valor mínimo de consumo e, caso este não seja atingido, o município terá de indemnizar a operadora privada.
O risco do negócio, segundo o TC, tem uma distribuição desigual.
"Na generalidade dos contratos de concessão não existiram evidências de qualquer preocupação, por parte dos municípios concedentes, com a análise de risco e de sustentabilidade dos potenciais impactos financeiros associados à evolução de eventuais cenários adversos das concessões", escreve o Tribunal.
E mais: "Constata-se, sistematicamente, falta de rigor e prudência quanto aos pressupostos técnicos e económicos adotados no âmbito da modelização financeira dos projetos em apreço, que acaba por beneficiar as concessionárias".
Por outro lado, a entidade reguladora não parece estar a fazer o seu trabalho. "Verificou-se que a ERSAR realizou apenas 8 auditorias, o que corresponde a cerca de 30% do universo das concessões, ficando aquém do desejável em face da necessidade de controlo das obrigações contratuais dos respetivos concedentes e concessionárias", continua o relatório.
...e um "galo" de 172 milhões
O caso do concelho de Barcelos é exemplar... do que não deve ser feito.
Em 2004, a autarquia assina um contrato de concessão, por 30 anos, com a Águas de Barcelos, detida em 75% pela AGS - Administração e Gestão de Salubridade (do grupo Somague, entretanto vendida a empresas japonesas), e em 25% pela empresa Alexandre Barbosa Borges.
Todo o problema reside na elaboração do "caso base".
Estimou-se que os habitantes de Barcelos crescessem 1% ao ano até 2018 (quando o que aconteceu foi que a população diminuiu por via da emigração); imaginou-se que cada um consumiria 114 litros de água por dia e que esse consumo iria aumentar 3 litros por dia até 2018.
"Sobre estes dados não foi realizado, pelo município de Barcelos, nenhum estudo que os suportasse.
A definição do caso base e do tarifário da concessão foram elaborados pela concessionária", refere o TC.
Ora... "O que as pessoas consumiam na altura eram 68 litros por dia", explica o atual presidente da Câmara, Miguel Costa Gomes.
Em 2012, uma decisão de um tribunal arbitral manda a autarquia ressarcir a concessionária, no valor de 172 milhões de euros, um montante que, a ter mesmo de ser pago, vai deixar o município numa situação complicada.
O orçamento anual da autarquia é de 60 milhões de euros.
Ainda por cima, o contrato de concessão impede que qualquer das partes apresente recurso da decisão do tribunal arbitral. Mas Costa Gomes não se conforma.
Levou o caso ao supremo tribunal administrativo, não em forma de recurso, mas alegando incidentes jurídicos, e aguarda com ansiedade a conclusão do processo-crime que corre no DCIAP, por suspeitas dos crimes de falsificação de documentos, tráfico de influências, participação económica em negócio e corrupção aquando da assinatura do contrato de concessão, pelo anterior executivo camarário.
Pelo meio foram-se sucedendo as situações desconcertantes. "Nos primeiros ?5 anos, o preço da água aumentou 80 por cento", denuncia o atual edil, e os barcelenses viraram-se ainda mais para os poços e furos nos quintais.
Com o consumo a diminuir, a concessionária começa a cobrar pelo não consumo: 14 euros se não consumisse nada; mas se consumisse ?5 metros cúbicos, já pagava menos, cerca de 8,25 euros. Então os emigrantes pediram às famílias que fossem às suas casas fechadas, uma vez por mês, abrir a torneira.
A questão da água em Barcelos era de tal forma preocupante para os munícipes, que o PS, nas eleições autárquicas, colocou um cartaz que dizia: "Se conduzir não beba água de Barcelos. Já basta o preço dos combustíveis".
Agora, boa parte do País pode ter de seguir o mesmo conselho, com os previsíveis aumentos da fatura da água.
In:Visão
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