Portal Chamar Táxi

PR denuncia abertura de precedente muito grave

cRaZyzMaN

GF Ouro
Entrou
Jun 2, 2007
Mensagens
5,760
Gostos Recebidos
0
O Presidente da República anunciou esta noite numa declaração ao país que promulgou hoje o Estatuto Político-Administrativo dos Açores, documento que tinha vetado, apesar de considerar que este abre um “precedente muito grave”, “abala o equilíbrio de poderes e afecta o normal funcionamento das instituições da República”. Para Cavaco Silva a qualidade da democracia ficou irremediavelmente afectada, apesar de tudo ter tentado para que os “interesses partidários” não se sobrepusessem aos nacionais.

Cavaco Silva lamentou que não tenham sido “acolhidas pela maioria dos deputados as duas objecções” por si suscitadas sobre os artigos 114º e 140º e questionou se "será leal ou não que um órgão de soberania imponha ao Presidente da República uma redução dos poderes que a Constituição lhe confere".

O chefe de Estado fez também questão de ressalvar que este “não é um problema com o actual Presidente da República” nem uma questão relacionada com a autonomia regional: “É o superior interesse do Estado português” que está em causa.

Para Cavaco Silva “a situação agora criada não mais poderá ser corrigida” e “introduz um precedente muito grave”. O Presidente recusa-se a aceitar que uma lei ordinária restrinja os seus poderes, previstos numa lei superior, a Constituição da República Portuguesa, e alerta para o facto de passar a ser mais difícil dissolver a Assembleia Regional do que a Assembleia da República – apesar de ressalvar que tal não aconteceu em mais de 30 anos e que não é expectável que aconteça. Cavaco Silva colocou-se ao lado de muitos juristas, considerando “absurdo” que tenha de ouvir os diferentes partidos, o Governo regional e a própria Assembleia dos Açores no caso referido.

Na sua declaração ao país, o chefe de Estado aproveitou ainda para dizer que o precedente aberto de limitar os seus poderes com uma lei ordinária “abala o equilíbrio de poderes e afecta o normal funcionamento das instituições da República”, que ficam sujeitas à “contingência da legislação ordinária”. E acrescentou: “A qualidade da nossa democracia sofreu um sério revés”.

Para Cavaco é “muito importante que os portugueses compreendam o que está em causa neste processo” que diz ter abalado a lealdade entre os diferentes órgãos. “A situação agora criada não mais poderá ser corrigida pelos deputados. Uma outra Assembleia da República que seja chamada, no futuro, a uma nova revisão do Estatuto vai estar impedida de corrigir o que agora se fez. Isto porque foi acrescentada ao Estatuto uma disposição que proíbe a Assembleia da República de alterar as normas que não tenham sido objecto de proposta feita pelo parlamento dos Açores”, explicou o Presidente.

Poderes da Assembleia da República "hipotecados"

Assim, “a actual Assembleia da República aprovou uma disposição segundo a qual os deputados do parlamento nacional, que venham a ser eleitos no futuro, só poderão alterar aquelas normas que os deputados regionais pretendam que sejam alteradas. Os poderes dos deputados da Assembleia da República nesta matéria foram hipotecados para sempre”.

Apesar das suas objecções, Cavaco Silva explicou que a não promulgação do diploma nunca esteve em causa – “assumi o compromisso de cumprir a Constituição e cumpro aquilo que digo”. Ainda assim, o chefe de Estado fez questão de sublinhar que nunca ninguém poderá dizer que não fez tudo o que estava ao seu alcance para impedir que a democracia fosse colocada em risco com este precedente. “Nunca ninguém poderá dizer que não fiz tudo o que estava ao meu alcance para impedir que interesses partidários de ocasião se sobrepusessem aos superiores interesses nacionais”, acrescentou. E deixou um alerta: “A atenção dos agentes políticos devia estar concentrada nos graves problemas que afectam a vida das pessoas”.

A polémica sobre o Estatuto dos Açores só não morre aqui porque deixa marcas profundas na relação entre o Presidente da República e o primeiro-ministro, José Sócrates. Esta divergência de posições rompeu com a chamada "cooperação estratégica" entre Belém e São Bento e disso não têm dúvidas nem um nem outro lado, embora ninguém o assuma. O Presidente não adiantou, no entanto, se vai pedir ao Tribunal Constitucional a fiscalização sucessiva do diploma, um processo que só pode ser desencadeado quando o Estatuto entrar em vigor e que é moroso (dois a três anos). O PSD já fez saber que vai recorrer a esta possibilidade.

A revisão do Estatuto dos Açores, em que Cavaco Silva tem dúvidas e vetou em Outubro, foi confirmada a 19 de Dezembro pelo PS, PCP, CDS-PP, BE e Verdes e com a abstenção do PSD, registando-se numerosas declarações de voto nas duas maiores bancadas. Na primeira votação, em Junho, a revisão do Estatuto dos Açores foi aprovada por unanimidade, seguindo-se um veto por inconstitucionalidades. Na segunda votação, corrigidas as oito inconstitucionalidades apontadas pelo Tribunal Constitucional, o diploma voltou a ser aprovado por unanimidade, mas foi depois vetado pelo Presidente. Na terceira votação, o Estatuto Político-Administrativo dos Açores foi confirmado na Assembleia da República sem unanimidade mas com maioria de dois terços, com os votos de todos as bancadas, à excepção do PSD, que se absteve.

@ Público
 

cRaZyzMaN

GF Ouro
Entrou
Jun 2, 2007
Mensagens
5,760
Gostos Recebidos
0
Declaração do Presidente da República sobre a Promulgação do Estatuto Político-Administrativo dos Açores
Palácio de Belém, 29 de Dezembro de 2008


«A lei que aprovou a revisão do Estatuto dos Açores, que tinha sido por mim vetada, foi, no passado dia 19, confirmada pela Assembleia da República sem qualquer alteração.

Isto é, não foram acolhidas, pela maioria dos deputados, as duas objecções que por mim tinham sido suscitadas.

É muito importante que os portugueses compreendam o que está em causa neste processo.

Este não é um problema do actual Presidente da República.

Não é tão-pouco uma questão de maior ou menor relevo da autonomia regional.

O que está em causa é o superior interesse do Estado português.

O Estatuto agora aprovado pela Assembleia da República introduz um precedente muito grave: restringe, por lei ordinária, o exercício das competências políticas do Presidente da República previstas na Constituição.

De acordo com uma norma introduzida no Estatuto, o Presidente da República passa a estar sujeito a mais exigências no que toca à dissolução da Assembleia Legislativa dos Açores do que para a dissolução da Assembleia da República.

Nos termos da Constituição, a Assembleia da República pode ser dissolvida pelo Presidente da República ouvidos os partidos nela representados e o Conselho de Estado.

Para dissolver a Assembleia Legislativa dos Açores, o Presidente da República terá que ouvir, para além dos partidos nela representados e o Conselho de Estado, o Governo Regional dos Açores e a própria Assembleia da Região.

Trata-se de uma solução absurda, como foi sublinhado por eminentes juristas.

Mas o absurdo não se fica por aqui.

A situação agora criada não mais poderá ser corrigida pelos deputados.

Uma outra Assembleia da República que seja chamada, no futuro, a uma nova revisão do Estatuto vai estar impedida de corrigir o que agora se fez.

Isto porque foi acrescentada ao Estatuto uma disposição que proíbe a Assembleia da República de alterar as normas que não tenham sido objecto de proposta feita pelo parlamento dos Açores.

Quer isto dizer que a actual Assembleia da República aprovou uma disposição segundo a qual os deputados do parlamento nacional, que venham a ser eleitos no futuro, só poderão alterar aquelas normas que os deputados regionais pretendam que sejam alteradas.

Os poderes dos deputados da Assembleia da República nesta matéria foram hipotecados para sempre.

Como disse, não está em causa qualquer problema do actual Presidente da República.

A Assembleia Legislativa dos Açores, em 30 anos de autonomia, nunca foi dissolvida e não prevejo que surjam razões para o fazer no futuro.

O que está em causa é uma questão de princípio e de salvaguarda dos fundamentos essenciais que alicerçam o nosso sistema político.

E não se trata apenas de uma questão jurídico-constitucional. É muito mais do que isso.

Está também em causa uma questão de lealdade no relacionamento entre órgãos de soberania.

Será normal e correcto que um órgão de soberania imponha ao Presidente da República a forma como ele deve exercer os poderes que a Constituição lhe confere?

Será normal e correcto que a Assembleia da República imponha uma certa interpretação da Constituição para o exercício dos poderes presidenciais?

É por isso que o precedente agora aberto, de limitar o exercício dos poderes do Presidente da República por lei ordinária, abala o equilíbrio de poderes e afecta o normal funcionamento das instituições da República.

O exercício dos poderes do Presidente da República constantes da Constituição não pode ficar à mercê da contingência da legislação ordinária aprovada pelas maiorias existentes a cada momento.

Por que é que a Assembleia da República não alterou o Estatuto apesar de vozes, vindas dos mais variados quadrantes, terem apelado para que o fizesse, considerando que as objecções do Presidente da República tinham toda a razão de ser?

Principalmente, quando a atenção dos agentes políticos devia estar concentrada na resolução dos graves problemas que afectam a vida das pessoas?

Foram várias as vozes que apontaram razões meramente partidárias para a decisão da Assembleia da República.

Pela análise dos comportamentos e das afirmações feitas ao longo do processo e pelas informações que em privado recolhi, restam poucas dúvidas quanto a isso.

A ser assim, a qualidade da nossa democracia sofreu um sério revés.

Nos termos da Constituição, se a Assembleia da República confirmar um diploma vetado pelo Presidente da República, este deverá promulgá-lo no prazo de 8 dias.

Assim, promulguei hoje o Estatuto Político-Administrativo dos Açores.

Assumi o compromisso de cumprir a Constituição e eu cumpro aquilo que digo.

Mas nunca ninguém poderá alguma vez dizer que, confrontado com o grave precedente criado pelo Estatuto dos Açores, não fiz tudo o que estava ao meu alcance para defender os superiores interesses do Estado.

Nunca ninguém poderá dizer que não fiz tudo o que estava ao meu alcance para impedir que interesses partidários de ocasião se sobrepusessem aos superiores interesses nacionais.
Como Presidente da República fiz, em consciência, o que devia fazer».
 
Topo