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Sentimento de impunidade

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GF Ouro
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Jun 2, 2007
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No discurso político corrente acerca da Justiça em Portugal ‘institucionalizou-se’ a ideia de que existe uma relação determinante entre o sentimento de impunidade e a prática de crimes. Mas haverá mesmo uma tal relação ?


Qual seja a base empírica da relação não é sabido. Trata-se, como é óbvio, de uma simples intuição, que permite projectar a responsabilidade própria no ‘outro’ – em regra, no legislador, que, pretensamente, aprova leis demasiado brandas.

A par desta intuição, o discurso político também apresenta, vulgarmente, a reincidência como principal factor do aumento da criminalidade violenta revelado pelas estatísticas. Mas esta ideia carece, de igual modo, de fundamento científico.

Ao analisar a realidade norte-americana do século XX, Gottfredson identifica, na origem dos comportamentos delinquentes, uma acentuada falta de controlo. E conclui que ela resulta de uma deficiência psicológica e social contraída na primeira infância.

O criminólogo constata que esta propensão não é reprimida pela advertência ou pelo endurecimento penal. Nem a probabilidade de ser observado pela polícia seria um factor essencial na prevenção, nem o aumento de polícias faria diminuir a criminalidade.

Na origem do crime comum, incluindo o violento, estaria a conjugação da oportunidade e do meio com a falta de controlo pessoal e o desejo de satisfazer objectivos imediatos. Não haverá verdadeiro planeamento, organização ou até sucesso a médio prazo.

Segundo Gottfredson, o crime organizado e as carreiras criminosas são outro mito. A organização não ultrapassa uma distribuição de tarefas precária e conjuntural e os agentes de crimes não evoluem com a idade, declinando a partir dos trinta anos.

A própria existência de gangs não modificará a natureza do acto criminoso, como expressão de deficiência do controlo individual. Os membros do gang não se preocupam uns com os outrose não partilham interesses ou valores: repartem pobreza e insucesso.

O autor critica as políticas criminais assentes na relação entre a actividade policial e a prevenção da criminalidade. A prevenção deve focar-se na família, na socialização das crianças e na educação dos jovens para o autocontrolo e a formulação de objectivos.

Nesta óptica, a força policial será essencialmente defensiva e necessária para manter a ordem pública, controlar o trânsito e responder ao crime. A política criminal preventiva deve investir todos os seus recursos no apoio e na formação de crianças e jovens.

A tese de Gottfredson, porventura radical, desmistifica a perspectiva de eliminar o crime violento com leis de ‘tolerância zero’. Mesmo que reduza o sentimento de impunidade (sobretudo de quem não comete crimes), essa saída não resolve os problemas criminais.


@ CM
 
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