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Tratamentos de infertilidade explicam tendência
Temos mais 35% de gémeos com ajuda da ciência
Na primeira metade da década de 1990 nasciam por ano pouco mais de dois mil gémeos em Portugal, mas nos últimos cinco anos esse número tem quase chegado aos três mil, revelam dados do Instituto Nacional de Estatística (INE). A subida deve-se ao aumento dos tratamentos de infertilidade, explicam os especialistas.
Em fóruns de discussão na Internet diz-se que a probabilidade de um casal ter gémeos aumenta com a idade da mãe, quando a sua dieta é rica em leite, com a poluição, e a lista continua. "Tudo mitos", resume Calhaz Jorge, responsável pela unidade de reprodução do Hospital de Santa Maria, em Lisboa.
O único factor espontâneo associado ao nascimento de gémeos explica-se pela tendência biológica de uma mulher produzir mais do que um óvulo por mês ("o padrão da espécie é um óvulo mensal"). "Quando existem na família pares de gémeos não iguais isso pode querer dizer que existe esta tendência biológica." Mas a taxa espontânea de gémeos não vai além de um a dois por cento, afirma o presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina de Reprodução (SPMR), Silva Carvalho.
Então, como se explica que em 1990 os gémeos representavam 1,7 por cento dos 116.321 nascimentos nesse ano e em 2007 já sejam 2,7 por cento dos 102.492 recém-nascidos? Para Silva Carvalho, a resposta é óbvia e deve-se ao aumento dos tratamentos de infertilidade.
Num estudo que fez em 2006, com Vladimiro Silva, o presidente da SPMR situa em 1987 - um ano após o começo dos tratamentos para a infertilidade no país - o início da subida dos partos gemelares, que até aí se tinham mantido estáveis. Essa subida é particularmente visível no caso dos trigémeos, por serem "os que menos ocorrem espontaneamente", que cresceram 500 por cento de 1987 a 2002. Ainda assim, os números são baixos: os últimos dados do INE, referentes a 2005, dão conta de 38 partos de trigémeos (em três casos um dos fetos nasceu morto) e quatro partos gemelares superiores a três crianças nesse ano.
"Um quarto das crianças gémeas nascem de Procriação Medicamente Assistida [PMA]", constata Silva Carvalho, o que inclui a fertilização in vitro e a injecção introcitoplasmática de espermatozóides. De fora da contabilidade do registo nacional de crianças nascidas por PMA ficam os tratamentos mais simples, caso da inseminação intra-uterina e da indução ovárica (que se faz apenas pela toma de medicamentos), "mais feitos do que as PMA", resume Calhaz Jorge, e que também contribuem para o aumento de gémeos. "Em todo o mundo isso sucedeu." Silva Carvalho explica que estimativas internacionais apontam para 23,8 por cento de taxas de gémeos resultado de estimulação ovárica e 9,5 por cento de inseminação artificial.
Riscos de sequelas
O aumento de gémeos até podia ser visto como uma ajuda à quebra da natalidade. O problema é que os partos gemelares trazem múltiplos riscos, tanto para a mãe (aumenta o risco de aborto, de anemia, de diabetes gestacional) como para os bebés. Silva Carvalho analisou gémeos nascidos em 2003 em três centros de reprodução públicos (Hospital de São João, Maternidade Bissaya Barreto e Hospital de Santa Maria) e chegou à conclusão de que 3,7 por cento dos gémeos duplos e 7,2 dos trigémeos ficaram com deficiências graves.
A prematuridade e o baixo peso são os grandes factores de risco. Os estudos mostram que, dos bebés de muito baixo peso, só 51,2 por cento são normais, refere Silva Carvalho. Os problemas que ficam são desde neurológicos, oftalmológicos e respiratórios a digestivos e podem afectar as crianças durante toda a infância.
Os números do INE mostram que a maior parte dos gémeos nasce com dois a 2,5 quilos. "Uns gémeos que nasçam com mais de dois quilos têm uma probabilidade enorme de tudo correr bem. Mas uma média é uma média", ressalva Calhaz Jorge.
Tendência é para diminuir
Porque ter gémeos traz riscos, é visto como positivo o facto de o seu número parecer estar a estabilizar e até ter tendência para diminuir, concordam os dois especialistas. E isso tem uma explicação técnica: é que quanto mais embriões forem transferidos para o útero da mulher maior é a probabilidade de engravidar de gémeos, e esse número tem vindo sempre a cair na última década.
Há dez anos, a transferência de quatro embriões era prática corrente em Portugal; em 2000, em quase 60 por cento dos casos eram transferidos três embriões; e hoje a norma é um ou dois: em 2005 (último ano em que há dados de PMA), mais de 60 por cento dos tratamentos já se fizeram só com dois embriões. Há cerca de cinco anos descobriu-se que a partir de dois embriões a taxa de gravidez não diminuía mas reduziam-se as hipóteses de gravidez gemelar, diz Calhaz Jorge, mas "o ideal seria a transferência de apenas um".
O problema é que os casais inférteis que recorrem a centros privados - alguns dos centros públicos têm listas de espera e impõem limites de idade mais estritos - são obrigados a gastar cerca de quatro mil euros (com medicação) por ciclo de tratamento e não querem arriscar diminuir a sua probabilidade de engravidar (as taxas de sucesso das PMA andam pelos 30 por cento), admite Silva Carvalho.
"Há casais que só têm dinheiro para um ciclo. Existe pressão para fazer mais transferências de embriões, para rentabilizar o investimento", responde. O presidente da SPMR pensa, por isso, que a chegada de comparticipação do Estado (ver caixa) poderá aliviar, em alguma medida, o esforço financeiro das famílias e também a pressão para transferir mais de dois embriões de cada vez. "É a melhor forma de combater as gravidezes múltiplas."
O coordenador do Programa Nacional de Saúde Reprodutiva, Jorge Branco, realça que "na PMA a gravidez gemelar é considerada uma complicação" e é, por isso, desejável que seja reduzida. Admite que "talvez haja algum exagero no privado no número de embriões transferidos" e espera que a comparticipação venha a diminuir o número de gémeos.
07.09.2008 -Catarina Gomes
Publico
Temos mais 35% de gémeos com ajuda da ciência
Na primeira metade da década de 1990 nasciam por ano pouco mais de dois mil gémeos em Portugal, mas nos últimos cinco anos esse número tem quase chegado aos três mil, revelam dados do Instituto Nacional de Estatística (INE). A subida deve-se ao aumento dos tratamentos de infertilidade, explicam os especialistas.
Em fóruns de discussão na Internet diz-se que a probabilidade de um casal ter gémeos aumenta com a idade da mãe, quando a sua dieta é rica em leite, com a poluição, e a lista continua. "Tudo mitos", resume Calhaz Jorge, responsável pela unidade de reprodução do Hospital de Santa Maria, em Lisboa.
O único factor espontâneo associado ao nascimento de gémeos explica-se pela tendência biológica de uma mulher produzir mais do que um óvulo por mês ("o padrão da espécie é um óvulo mensal"). "Quando existem na família pares de gémeos não iguais isso pode querer dizer que existe esta tendência biológica." Mas a taxa espontânea de gémeos não vai além de um a dois por cento, afirma o presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina de Reprodução (SPMR), Silva Carvalho.
Então, como se explica que em 1990 os gémeos representavam 1,7 por cento dos 116.321 nascimentos nesse ano e em 2007 já sejam 2,7 por cento dos 102.492 recém-nascidos? Para Silva Carvalho, a resposta é óbvia e deve-se ao aumento dos tratamentos de infertilidade.
Num estudo que fez em 2006, com Vladimiro Silva, o presidente da SPMR situa em 1987 - um ano após o começo dos tratamentos para a infertilidade no país - o início da subida dos partos gemelares, que até aí se tinham mantido estáveis. Essa subida é particularmente visível no caso dos trigémeos, por serem "os que menos ocorrem espontaneamente", que cresceram 500 por cento de 1987 a 2002. Ainda assim, os números são baixos: os últimos dados do INE, referentes a 2005, dão conta de 38 partos de trigémeos (em três casos um dos fetos nasceu morto) e quatro partos gemelares superiores a três crianças nesse ano.
"Um quarto das crianças gémeas nascem de Procriação Medicamente Assistida [PMA]", constata Silva Carvalho, o que inclui a fertilização in vitro e a injecção introcitoplasmática de espermatozóides. De fora da contabilidade do registo nacional de crianças nascidas por PMA ficam os tratamentos mais simples, caso da inseminação intra-uterina e da indução ovárica (que se faz apenas pela toma de medicamentos), "mais feitos do que as PMA", resume Calhaz Jorge, e que também contribuem para o aumento de gémeos. "Em todo o mundo isso sucedeu." Silva Carvalho explica que estimativas internacionais apontam para 23,8 por cento de taxas de gémeos resultado de estimulação ovárica e 9,5 por cento de inseminação artificial.
Riscos de sequelas
O aumento de gémeos até podia ser visto como uma ajuda à quebra da natalidade. O problema é que os partos gemelares trazem múltiplos riscos, tanto para a mãe (aumenta o risco de aborto, de anemia, de diabetes gestacional) como para os bebés. Silva Carvalho analisou gémeos nascidos em 2003 em três centros de reprodução públicos (Hospital de São João, Maternidade Bissaya Barreto e Hospital de Santa Maria) e chegou à conclusão de que 3,7 por cento dos gémeos duplos e 7,2 dos trigémeos ficaram com deficiências graves.
A prematuridade e o baixo peso são os grandes factores de risco. Os estudos mostram que, dos bebés de muito baixo peso, só 51,2 por cento são normais, refere Silva Carvalho. Os problemas que ficam são desde neurológicos, oftalmológicos e respiratórios a digestivos e podem afectar as crianças durante toda a infância.
Os números do INE mostram que a maior parte dos gémeos nasce com dois a 2,5 quilos. "Uns gémeos que nasçam com mais de dois quilos têm uma probabilidade enorme de tudo correr bem. Mas uma média é uma média", ressalva Calhaz Jorge.
Tendência é para diminuir
Porque ter gémeos traz riscos, é visto como positivo o facto de o seu número parecer estar a estabilizar e até ter tendência para diminuir, concordam os dois especialistas. E isso tem uma explicação técnica: é que quanto mais embriões forem transferidos para o útero da mulher maior é a probabilidade de engravidar de gémeos, e esse número tem vindo sempre a cair na última década.
Há dez anos, a transferência de quatro embriões era prática corrente em Portugal; em 2000, em quase 60 por cento dos casos eram transferidos três embriões; e hoje a norma é um ou dois: em 2005 (último ano em que há dados de PMA), mais de 60 por cento dos tratamentos já se fizeram só com dois embriões. Há cerca de cinco anos descobriu-se que a partir de dois embriões a taxa de gravidez não diminuía mas reduziam-se as hipóteses de gravidez gemelar, diz Calhaz Jorge, mas "o ideal seria a transferência de apenas um".
O problema é que os casais inférteis que recorrem a centros privados - alguns dos centros públicos têm listas de espera e impõem limites de idade mais estritos - são obrigados a gastar cerca de quatro mil euros (com medicação) por ciclo de tratamento e não querem arriscar diminuir a sua probabilidade de engravidar (as taxas de sucesso das PMA andam pelos 30 por cento), admite Silva Carvalho.
"Há casais que só têm dinheiro para um ciclo. Existe pressão para fazer mais transferências de embriões, para rentabilizar o investimento", responde. O presidente da SPMR pensa, por isso, que a chegada de comparticipação do Estado (ver caixa) poderá aliviar, em alguma medida, o esforço financeiro das famílias e também a pressão para transferir mais de dois embriões de cada vez. "É a melhor forma de combater as gravidezes múltiplas."
O coordenador do Programa Nacional de Saúde Reprodutiva, Jorge Branco, realça que "na PMA a gravidez gemelar é considerada uma complicação" e é, por isso, desejável que seja reduzida. Admite que "talvez haja algum exagero no privado no número de embriões transferidos" e espera que a comparticipação venha a diminuir o número de gémeos.
07.09.2008 -Catarina Gomes
Publico