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Maior processo de tráfico e apreensão de explosivos pode ser arquivado devido a alteração na lei. A maior investigação de sempre em Portugal sobre tráfico e apreensão de explosivos está em risco de ser arquivada. O processo, da PJ/Porto, tem 73 arguidos e relata desvios de toneladas de explosivos para Espanha com fins desconhecidos. Em causa está uma polémica mudança de lei que, a partir de 2006, descriminalizou a venda e posse de “substâncias explosivas”, mesmo sem autorização legal da PSP.
Na altura das buscas e detenções da PJ, em 2005, o ilícito era punido com pena entre dois e cinco anos de prisão. Agora, com a revisão da Lei das Armas em curso, deverá voltar a ser crime outra vez, mas nos casos pendentes aplicar-se-á sempre a lei mais favorável aos arguidos.
O inquérito, a cargo do DIAP do Ministério Público do Porto, iniciou-se perante suspeitas de que ocorreriam desvios de explosivos por parte de um funcionário ligado a uma fábrica com sede na Póvoa do Lanhoso, trabalhando num paiol em Vila Pouca Aguiar. Isto é, seriam vendidas avultadas quantidades de explosivos em mercado “paralelo”, sem fiscalização da PSP, para empreiteiros e pedreiras, várias delas ilegais.
A PJ verificou que o problema era a probabilidade de, sem controlo efectivo das autoridades, os explosivos irem parar a mãos erradas e serem utilizados em acções terroristas ou noutros crimes. Neste quadro, segundo o processo consultado pelo JN, foi feita a ligação ao facto de, nos atentados de 11 de Março de 2004, em Madrid, Espanha, ter sido utilizado o explosivo “Goma 2 eco”, também fabricado e comercializado em Portugal.
Após meses de escutas a 14 suspeitos - os funcionários da empresa, então com filiais em Vila Pouca de Aguiar, Bragança, Nelas e Pinhel e que produzia sete toneladas diárias de explosivos - a investigação detectou que quantidade significativa de material foi traficada para Espanha. Várias conversas com indivíduos espanhóis decorreram, aliás, aparentemente em código, não se percebendo o fim lícito, ou ilícito, do material.
Foram enviadas pelo MP para Espanha quatro cartas rogatórias visando averiguar quem são e o que fazem os compradores de explosivos. Nada de relevante resultou das diligências, tendo até alguns dos visados negado conhecer os portugueses com quem fizeram as transacções.
O processo está, agora, pendente à espera de decisão final, que, face à mudança da lei, corre o risco de ser o arquivamento para os 73 arguidos, no que toca aos explosivos. Se se confirmar o arquivamento, o único benefício do processo passará a ser a percepção policial de que a investigação teve grande efeito preventivo, baixando drasticamente, no Norte, o número de crimes e incidentes com explosivos.
De acordo com o processo, durante a investigação foram constituídos arguidos cinco elementos da PSP, cuja Divisão de Armas e Explosivos tinha a tarefa de controlar a venda, utilização, cedência e sobras de explosivos. Isto porque, em escutas telefónicas, foi verificada uma proximidade considerada suspeita com elementos da empresa de Póvoa de Lanhoso, concretizada em alguns jantares.
Outros elementos da PSP estão como testemunhas no processo. Um deles é José Celestino Soares, ex-chefe da repartição de armas e explosivos e um dos condenados, há mês e meio, no caso das “armas da PSP”, em Lisboa.
Só pode adquirir explosivos quem estiver autorizado pela PSP, que possui uma Divisão de Armas e Explosivos. Há limites mensais impostos pela natureza da actividade na qual é utilizado o material. As autarquias passam declarações a atestar a idoneidade das actividades dos requerentes.
Perguntas e respostas
O que se deve fazer com explosivos não utilizados?
Os utilizadores têm de comunicar à PSP e entregar as quantidades não utilizadas, pelo facto de se tratar de material perigoso, susceptível de utilização indevida. Até 2005, pelo menos no Norte, a prática indicava ausência de controlo da PSP e desvios de explosivos para pessoas sem licença.
O que acontece nos casos de posse ilegal de explosivos?
Segundo juristas, a posse ilegal de substâncias explosivas deixou de ser crime em 2006, passando apenas a contra-ordenação. Só é crime em casos de artefactos (engenho com componente mecânica) que utilizem explosivos. Conhecida, há apenas uma decisão judicial em sentido contrário.
Como funciona o mercado dos explosivos em Portugal?
Existem três empresas fabricantes de grandes quantidades de explosivos - duas no Centro e Sul e uma a Norte. Há, porém, várias empresas que se assumem como intermediárias e revendedoras de explosivos. Noutro ramo distinto, há várias empresas dedicadas ao fabrico de material pirotécnico.
Podem ser efectuadas buscas e escutas?
Segundo juristas, as buscas e as escutas são medidas restritivas de direitos fundamentais exclusivas do processo penal. Não podem ser usadas para investigar meras contra-ordenações. Pelo que, se a posse de substâncias explosivas não é crime, não são admissíveis.
Lei das Armas em discussão volta a criminalizar explosivos
Até 2006, a venda e posse de substâncias explosivas sem autorização legal da PSP era ilícito punível pelo Código Penal com pena até cinco anos de prisão. Após 2006, com a publicação da Lei das Armas, deixou de ser crime.
Actualmente, só é punida a posse de explosivos se houver indícios de que o destino seja terrorismo ou outras acções criminosas, ou se envolver aparelhos mecânicos (engenhos ou, como diz a lei, artefactos).
Todavia, na recente proposta de alteração à Lei das Armas - actualmente em discussão no Parlamento e que agrava o regime de aplicação de prisão preventiva em crimes com armas -, há uma tentativa de correcção do “erro”. Pelo menos já surge a menção explícita a “substâncias explosivas”, quando actualmente só surgem as expressões “engenhos” e “artefactos”.
A fim de averiguar os exactos contornos da aparente descriminalização da posse e venda ilegal de substâncias explosivas, o JN tentou, sem sucesso, ter acesso às actas das reuniões de trabalhos preparatórios da Lei das Armas.
Sabe-se, porém, que este grupo de trabalho, no Ministério da Administração Interna, foi coordenado por um juiz e contou com a colaboração de Celestino Soares, na altura chefe da Divisão de Armas e Explosivos da PSP, testemunha no processo dos explosivos investigado pela PJ do Porto, e, mais recentemente, um dos condenados no caso das armas da PSP, em Lisboa.
As decisões judiciais quanto ao crime de venda ou posse ilegal de substâncias explosivas têm sido todas - há apenas uma excepção - no sentido da descriminalização da conduta, após 2006. A justificação tem a ver com o facto de a Lei das Armas ter revogado o artigo do Código Penal referente aos explosivos.
A situação surge, até, criticada num livro recentemente publicado.
“Portugal é […] dos poucos países do Mundo onde os malfeitores podem amontoar material perigoso a seu salvo, porque acharão nas suas casas um abrigo inviolável para eles próprios e para o produto perigoso, não se podendo ali entrar sem sua licença […]”, explica o advogado Francisco de Almeida Garrett, no livro “Inquérito criminal e prova em julgamento”, censurando o espírito da lei: “O legislador ordinário lembrou-se de desarmar os homens de bem [com a Lei das Armas], criminalizando a posse de qualquer instrumento com potencial de agressão, salvo os alfinetes e, por deficiente tipificação, as substâncias explosivas”.
@ JN
Na altura das buscas e detenções da PJ, em 2005, o ilícito era punido com pena entre dois e cinco anos de prisão. Agora, com a revisão da Lei das Armas em curso, deverá voltar a ser crime outra vez, mas nos casos pendentes aplicar-se-á sempre a lei mais favorável aos arguidos.
O inquérito, a cargo do DIAP do Ministério Público do Porto, iniciou-se perante suspeitas de que ocorreriam desvios de explosivos por parte de um funcionário ligado a uma fábrica com sede na Póvoa do Lanhoso, trabalhando num paiol em Vila Pouca Aguiar. Isto é, seriam vendidas avultadas quantidades de explosivos em mercado “paralelo”, sem fiscalização da PSP, para empreiteiros e pedreiras, várias delas ilegais.
A PJ verificou que o problema era a probabilidade de, sem controlo efectivo das autoridades, os explosivos irem parar a mãos erradas e serem utilizados em acções terroristas ou noutros crimes. Neste quadro, segundo o processo consultado pelo JN, foi feita a ligação ao facto de, nos atentados de 11 de Março de 2004, em Madrid, Espanha, ter sido utilizado o explosivo “Goma 2 eco”, também fabricado e comercializado em Portugal.
Após meses de escutas a 14 suspeitos - os funcionários da empresa, então com filiais em Vila Pouca de Aguiar, Bragança, Nelas e Pinhel e que produzia sete toneladas diárias de explosivos - a investigação detectou que quantidade significativa de material foi traficada para Espanha. Várias conversas com indivíduos espanhóis decorreram, aliás, aparentemente em código, não se percebendo o fim lícito, ou ilícito, do material.
Foram enviadas pelo MP para Espanha quatro cartas rogatórias visando averiguar quem são e o que fazem os compradores de explosivos. Nada de relevante resultou das diligências, tendo até alguns dos visados negado conhecer os portugueses com quem fizeram as transacções.
O processo está, agora, pendente à espera de decisão final, que, face à mudança da lei, corre o risco de ser o arquivamento para os 73 arguidos, no que toca aos explosivos. Se se confirmar o arquivamento, o único benefício do processo passará a ser a percepção policial de que a investigação teve grande efeito preventivo, baixando drasticamente, no Norte, o número de crimes e incidentes com explosivos.
De acordo com o processo, durante a investigação foram constituídos arguidos cinco elementos da PSP, cuja Divisão de Armas e Explosivos tinha a tarefa de controlar a venda, utilização, cedência e sobras de explosivos. Isto porque, em escutas telefónicas, foi verificada uma proximidade considerada suspeita com elementos da empresa de Póvoa de Lanhoso, concretizada em alguns jantares.
Outros elementos da PSP estão como testemunhas no processo. Um deles é José Celestino Soares, ex-chefe da repartição de armas e explosivos e um dos condenados, há mês e meio, no caso das “armas da PSP”, em Lisboa.
Só pode adquirir explosivos quem estiver autorizado pela PSP, que possui uma Divisão de Armas e Explosivos. Há limites mensais impostos pela natureza da actividade na qual é utilizado o material. As autarquias passam declarações a atestar a idoneidade das actividades dos requerentes.
Perguntas e respostas
O que se deve fazer com explosivos não utilizados?
Os utilizadores têm de comunicar à PSP e entregar as quantidades não utilizadas, pelo facto de se tratar de material perigoso, susceptível de utilização indevida. Até 2005, pelo menos no Norte, a prática indicava ausência de controlo da PSP e desvios de explosivos para pessoas sem licença.
O que acontece nos casos de posse ilegal de explosivos?
Segundo juristas, a posse ilegal de substâncias explosivas deixou de ser crime em 2006, passando apenas a contra-ordenação. Só é crime em casos de artefactos (engenho com componente mecânica) que utilizem explosivos. Conhecida, há apenas uma decisão judicial em sentido contrário.
Como funciona o mercado dos explosivos em Portugal?
Existem três empresas fabricantes de grandes quantidades de explosivos - duas no Centro e Sul e uma a Norte. Há, porém, várias empresas que se assumem como intermediárias e revendedoras de explosivos. Noutro ramo distinto, há várias empresas dedicadas ao fabrico de material pirotécnico.
Podem ser efectuadas buscas e escutas?
Segundo juristas, as buscas e as escutas são medidas restritivas de direitos fundamentais exclusivas do processo penal. Não podem ser usadas para investigar meras contra-ordenações. Pelo que, se a posse de substâncias explosivas não é crime, não são admissíveis.
Lei das Armas em discussão volta a criminalizar explosivos
Até 2006, a venda e posse de substâncias explosivas sem autorização legal da PSP era ilícito punível pelo Código Penal com pena até cinco anos de prisão. Após 2006, com a publicação da Lei das Armas, deixou de ser crime.
Actualmente, só é punida a posse de explosivos se houver indícios de que o destino seja terrorismo ou outras acções criminosas, ou se envolver aparelhos mecânicos (engenhos ou, como diz a lei, artefactos).
Todavia, na recente proposta de alteração à Lei das Armas - actualmente em discussão no Parlamento e que agrava o regime de aplicação de prisão preventiva em crimes com armas -, há uma tentativa de correcção do “erro”. Pelo menos já surge a menção explícita a “substâncias explosivas”, quando actualmente só surgem as expressões “engenhos” e “artefactos”.
A fim de averiguar os exactos contornos da aparente descriminalização da posse e venda ilegal de substâncias explosivas, o JN tentou, sem sucesso, ter acesso às actas das reuniões de trabalhos preparatórios da Lei das Armas.
Sabe-se, porém, que este grupo de trabalho, no Ministério da Administração Interna, foi coordenado por um juiz e contou com a colaboração de Celestino Soares, na altura chefe da Divisão de Armas e Explosivos da PSP, testemunha no processo dos explosivos investigado pela PJ do Porto, e, mais recentemente, um dos condenados no caso das armas da PSP, em Lisboa.
As decisões judiciais quanto ao crime de venda ou posse ilegal de substâncias explosivas têm sido todas - há apenas uma excepção - no sentido da descriminalização da conduta, após 2006. A justificação tem a ver com o facto de a Lei das Armas ter revogado o artigo do Código Penal referente aos explosivos.
A situação surge, até, criticada num livro recentemente publicado.
“Portugal é […] dos poucos países do Mundo onde os malfeitores podem amontoar material perigoso a seu salvo, porque acharão nas suas casas um abrigo inviolável para eles próprios e para o produto perigoso, não se podendo ali entrar sem sua licença […]”, explica o advogado Francisco de Almeida Garrett, no livro “Inquérito criminal e prova em julgamento”, censurando o espírito da lei: “O legislador ordinário lembrou-se de desarmar os homens de bem [com a Lei das Armas], criminalizando a posse de qualquer instrumento com potencial de agressão, salvo os alfinetes e, por deficiente tipificação, as substâncias explosivas”.
@ JN