Caros Senhores,
Imaginem a seguinte questão:
A. comprou, em 24 de Abril de 1985, por acordo verbal com J. e C., casados, um prédio rústico. Os únicos documentos que possui quanto à venda são o recibo da quantia que pagou e o conhecimento de Sisa emitido pela Repartição de Finanças competente.
Até recentemente o A. estava convencido de que tinha a situação do terreno regularizada, até porque tem tido a posse pública e pacífica do terreno, e sempre pagou os impostos devidos na Repartição de Finanças lá da terra, conforme mostram os recibos que possui.
Sucede, porém, que recentemente ouviu dizer que agora se podia pedir certidões do registo predial pela internet, e ele quis experimentar, a ver como era o terreno dele na internet, mas não apareceu nada. Foi à Conservatória reclamar por o prédio dele não aparecer na internet, e lá disseram-lhe para tirar uma certidão ao balcão, o que ele fez. Verificou então, com grande surpresa, que o prédio afinal ainda está em nome do J. e da C.
Disseram-lhe que o recibo assinado pelos vendedores não vale nada, e aconselharam-no a fazer uma escritura pública. Mas acontece que o J. e a C., quando foram contactados para se fazer tudo direitinho, se recusaram a fazer a escritura, e o A. desconfia que estão a querer usar o terreno para plantar oliveiras. O A. não se conforma em ficar sem o terreno, ao qual ficou muito ligado ao longo destes anos todos. Acham que seria adequada uma providência cautelar?
Agradeço desde já a V. atenção.
Com os melhores cumprimentos,
FJCF
Boas, esse tipo de situações ocorre com frequência e acabam sempre em tribunal, com um grande número de testemunhas envolvido...
Vou deixar abaixo alguma legislação aplicável, mas, por ser um assunto complexo, deverá consultar um advogado.
Código Civil
ARTIGO 1251.º
Noção
Posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real.
ARTIGO 1253.º:right:
Simples detenção
São havidos como detentores ou possuidores precários:
a) Os que exercem o poder de facto sem intenção de agir como beneficiários do direito;
b) Os que simplesmente se aproveitam da tolerância do titular do direito;
c) Os representantes ou mandatários do possuidor e, de um modo geral, todos os que possuem em nome de outrem.
ARTIGO 1254.º
Presunções de posse
1. Se o possuidor actual possuiu em tempo mais remoto, presume-se que possuiu igualmente no tempo intermédio.
2. A posse actual não faz presumir a posse anterior, salvo quando seja titulada; neste caso, presume-se que há posse desde a data do título.
ARTIGO 1257.º
Conservação da posse
1. A posse mantém-se enquanto durar a actuação correspondente ao exercício do direito ou a possibilidade de a continuar.
2. Presume-se que a posse continua em nome de quem a começou.
ARTIGO 1258.º
Espécies de posse
A posse pode ser titulada ou não titulada, de boa ou de má fé, pacífica ou violenta, pública ou oculta.
ARTIGO 1259.º
Posse titulada
1. Diz-se se presume, devendo a sua existência ser provada por aquele que o invoca.
ARTIGO 1260.º
Posse de boa fé
1. A posse diz-se de boa fé, quando o possuidor ignorava, ao adquiri-la, que lesava o direito de outrem.
2. A posse titulada presume-se de boa fé, e a não titulada, de má fé.
3. A posse adquirida por violência é sempre considerada de má fé, mesmo quando seja titulada.
ARTIGO 1261.º
Posse pacífica
1. Posse pacífica é a que foi adquirida sem violência.
2. Considera-se violenta a posse quando, para obtê-la, o possuidor usou de coacção física, ou de coacção moral nos termos do artigo 255.º.
ARTIGO 1262.º
Posse pública
Posse pública é a que se exerce de modo a poder ser conhecida pelos interessados.
:right:Aquisição da posse
A posse adquire-se, com publicidade, dos actos materiais correspondentes ao exercício do direito:
a) Pela prática reiterada;
b) Pela tradição material ou simbólica da coisa, efectuada pelo anterior possuidor;
c) Por constituto possessório;
d) ……………….
ARTIGO 1264.º
Constituto possessório
1.
Se o titular do direito real, que está na posse da coisa, transmitir esse direito a outrem, não deixa de considerar-se transferida a posse para o adquirente, ainda que, por qualquer causa, aquele continue a deter a coisa.
2. Se o detentor da coisa, à data do negócio translativo do direito, for um terceiro, não deixa de considerar-se igualmente transferida a posse, ainda que essa detenção haja de continuar.
ARTIGO 1268.º:right:
Presunção da titularidade do direito
1. O possuidor goza da presunção da titularidade do direito excepto se existir, a favor de outrem, presunção fundada em registo anterior ao início da posse.
2. Havendo concorrência de presunções legais fundadas em registo, será a prioridade entre elas fixada na legislação respectiva.
CAPÍTULO V
Defesa da posse:right:
convém ler esta parte
ARTIGO 1276.º
Acção de prevenção
Se o possuidor tiver justo receio de ser perturbado ou esbulhado por outrem, será o autor da ameaça, a requerimento do ameaçado, intimado para se abster de lhe fazer agravo, sob pena de multa e responsabilidade pelo prejuízo que causar.
ARTIGO 1277.º
Acção directa e defesa judicial
O possuidor que for perturbado ou esbulhado pode manter-se ou restituir-se por sua própria força e autoridade, nos termos do artigo 336.º, ou recorrer ao tribunal para que este lhe mantenha ou restitua a posse.
ARTIGO 1278.º
Manutenção e restituição da posse
1. No caso de recorrer ao tribunal, o possuidor perturbado ou esbulhado será mantido ou restituído enquanto não for convencido na questão da titularidade do direito.
2. Se a posse não tiver mais de um ano, o possuidor só pode ser mantido ou restituído contra quem não tiver melhor posse.
3. É melhor posse a que for titulada; na falta de título, a mais antiga; e, se tiverem igual antiguidade, a posse actual.
Usucapião
ARTIGO 1287.º
Noção
A posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação: é o que se chama usucapião.
ARTIGO 1288.º
Retroactividade da usucapião
Invocada a usucapião, os seus efeitos retrotraem-se à data do início da posse.
ARTIGO 1294.º
Justo título e registo
Havendo título de aquisição e registo deste, a usucapião tem lugar:
a) Quando a posse, sendo de boa fé, tiver durado por dez anos, contados desde a data do registo;
b) Quando a posse, ainda que de má fé, houver durado quinze anos, contados da mesma data.
ARTIGO 1295.º:right:
importanteRegisto da mera posse
1. Não havendo registo do título de aquisição, mas registo da mera posse, a usucapião tem lugar:
a) Se a posse tiver continuado por cinco anos, contados desde a data do registo, e for de boa fé;
b) Se a posse tiver continuado por dez anos, a contar da mesma data, ainda que não seja de boa fé.
2 - A mera posse só é registada em vista de decisão final proferida em processo de justificação, nos termos da lei registral, na qual se reconheça que o possuidor tem possuído pacífica e publicamente por tempo não inferior a cinco anos.ARTIGO 1296.º
Falta de registo
Não havendo registo do título nem da mera posse, a usucapião só pode dar-se no termo de quinze anos, se a posse for de boa fé, e de vinte anos, se for de má fé.