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A casa de Maddie
Quando voltou da Holanda, com Maddie nos braços, o casal McCann instalou-se no número 14 de um condomínio a poucos quilómetros da actual casa. Os gémeos nasceram nessa terra.
Cinco hectares à sombra de pinheiros selvagens escondem ricos e muito ricos, os únicos com entrada em Queniborough Hall. Os segundos espalham-se pelas mansões à volta do lago. Entre os outros estão Kate e Gerry, que trocaram a pequena moradia no condomínio por uma vivenda para os três filhos – 750 mil euros na vizinha Rothley. Pequenos acertos que nunca abalaram a vida dos McCann, jovens médicos que “passaram a maior provação da vida para ter aquela menina”, insiste uma ex-vizinha à saída de um Jaguar.
Para lá do portão de ferro protegem-se “como uma grande família”, ninguém arrisca precisar as “alterações” em Kate. O casal mudou-se há mais de um ano mas “ela nunca faria uma coisa destas”, seguiram a vida pacata e deixaram os amigos por uma casa maior. Até que o Mundo lhes desabou em cima – e agora arriscam vender tudo para se defenderem de provas científicas pela morte da filha Maddie.
Quatro meses sem ordenado e três advogados por pagar começam a asfixiar os McCann, e entre os últimos escândalos está o acesso a fundos da campanha. A recolha em www.findmadeleine.com já atingiu milhões mas a gestora garante que nem um cêntimo foi retirado – Esther McVey só ressalva não ter a certeza sobre as circunstâncias em que pode ser utilizado para advogados. E no fundo milionário, que por razões legais não é de caridade, está previsto um de quatro objectivos: assistência financeira.
Se o fizessem, “90 por cento das pessoas iam aceitar”, acredita o assessor David Hughes, mas não seria o caso de Brian Dixon, com um donativo “generoso” para ajudar às buscas da criança, que se lembra de ver correr à volta do lago. “Era o mínimo que eu podia fazer, mas não acredito que mexam no dinheiro, por uma questão moral”, diz um dos antigos vizinhos do número 14. E confia na inocência do casal, “tinham uma boa relação com os filhos e pareciam felizes” nos dois anos de condomínio. Maddie chegou de Amesterdão com meses, quando o pai se especializou em cardiologia, e os gémeos já nasceram em Queniborough, a 12 quilómetros de Leicester.
SEAN E AMELIE
Sean e Amelie foram baptizados em St. Mary’s pelo reverendo Shepherd, na igreja anexa ao condomínio, onde os McCann “não perdiam uma missa ao domingo até às férias no Algarve e isto acontecer, mesmo depois de se mudarem continuavam a vir de Rothley”. Dois quartos pequenos no primeiro andar e 30 metros quadrados em sala, sala de jantar e cozinha levaram Kate a abdicar do luxo e insistir com Gerry para uma casa maior na terra ao lado – ali chegam acima de um milhão de euros, segundo a imobiliária Bentons, a comercializar vivendas milionárias naquela área.
O silêncio colectivo “foi acordado em família”, reconhece a ex-vizinha do lado, insultada ao longe por opinar sobre o caso. O sorriso cúmplice deixou cair entredentes as “alterações” de comportamento em Kate nos anos que ali passou, mas acabou por se ficar pelo tradicional “casal feliz e sempre preocupado com os filhos – é chocante para todos o que está a passar-se”. O assalto dos fotógrafos assusta quem quer manter uma vida discreta; um Mercedes com motorista pára três portas ao lado e o administrador de uma empresa pouco tem a dizer. “Sobretudo, lembro-me que ele é muito simpático e era raro ouvir-lhes uma discussão, já eram médicos quando chegaram e têm o respeito de todos nós”. E as crianças pareciam-lhe “saudáveis e bem tratadas, raro era o dia em que a mais velha não andava por aqui a brincar”.
A dúvida cresce na semana em que os serviços sociais agiram, quatro meses depois falaram com a polícia e os pais vão ser ouvidos. A noite em que a filha Maddie desapareceu, a 3 de Maio, “já não era a primeira em que eles deixavam as crianças sozinhas para jantar. E nessa parte seguramente não são inocentes”, acusa Jade Mitchell, de 18 anos, que vive na rua oposta ao condomínio. A opinião sobre o casal cava mais um fosso entre classes sociais na zona de Leicester, num bloco social à saída de Rothley. Caroline lamenta que a protecção do “Governo e imprensa” aos McCann se resuma, afinal, a “dinheiro e influências próprias de quem se movimenta numa classe social alta”.
DEVOÇÃO A DEUS
A devoção a Deus, segundo uma amiga em Rothey, “é o ponto mais forte” da relação condenada à nascença pelos pais de Kate – as diferenças entre a menina de famílias tradicionais e ricas de Liverpool com Gerry, o estudante escocês de classe mais baixa. Quando se conheceram, em Glasgow, Kate hospedava-se em casa da tia Philomena. Ele era colega de curso e na universidade havia grandes distâncias entre os dois. Mas Gerry subiu na vida a pulso e “sempre foi um rapaz muito mais sociável, enquanto ela era um pouco fria e até conhecida por snob, fruto de uma educação conservadora”, conta uma fonte próxima do casal nos primeiros anos.
Acabaram casados em 1999. E seguiram em 2003 para Amesterdão depois dos primeiros anos em Liverpool, Gerry fazia a especialização e Kate “preocupava-se por não conseguir engravidar” – a solução era mesmo a inseminação artificial. Maddie nasceu ainda na Holanda e, quando chegaram a Queniborough, em 2004, já o cardiologista estava colocado no Glenfield Hospital, à entrada de Leicester. Kate começou mais tarde como clínica geral no centro de saúde perto de casa e pouco tempo depois passou a fazer apenas, “dois dias por semana, para tratar dos filhos”, confirma Ivone Pena. A colega espanhola não desmente as depressões de Kate. No seu diário íntimo, a inglesa, mãe da menina desaparecida na noite de 3 de Maio do Ocean Club, na Praia da Luz, confessa-se angustiada com os “gémeos histéricos” e a “hiperactividade” de Maddie. Desabafos. Ivone recusa-se a acreditar em algo mais. A espanhola está com o casal, “duas pessoas maravilhosas e que não fariam nunca mal à filha”.
Aliás, os dois centros médicos, onde o silêncio entre os profissionais de saúde é de ouro – numa espécie de solidariedade muda para com o casal de colegas –, guardam a imagem e fitas amarelas por Maddie. Manifestações que valem mais do que palavras de apoio.
Gerry conseguiu unir a família, recorda uma vizinha em Queniborough, e nos tempos do condomínio “era frequente juntarem-se aqui todos aos fins-de-semana, os pais deles e muitas vezes o tio de Kate”, Brian Kennedy. É o único familiar em Rothley e deu o corpo às balas na última semana. Quando os sobrinhos se fecharam três dias em casa, foi até ao centro da vila e rebateu teses da investigação. “Enfiarem o corpo da criança no carro, com a família, Polícia e Imprensa toda à volta”, 25 dias depois do crime, seria no mínimo “maquiavélico”. Gerry conta com os irmãos, a mãe, e também Kate tem o apoio da família – quando Maddie desapareceu, a tia Philomena invadiu o parlamento com um cartaz a pedir apoio.
VIDA EM QUENIBOROUGH
A vida em Queniborough era “perfeita” nos primeiros tempos, com os pais a trabalhar e Maddie no jardim de infância, a quatro minutos. Na Laurels Nursery, com a tradição de escola fundada em 1877, também ninguém fala do caso. A vivenda de dois pisos, forrada a bonecos e rodeada de relva, fica a pouco mais de oito quilómetros de Rothley, o caminho que a criança se habituou a fazer de carro com a mãe no ano em que os dois irmãos nasceram.
Durante o tempo em que viveram todos na Orchard House, em Rothley, a vivenda onde o casal se esconde agora de um batalhão de fotógrafos, Gerry saía do hospital, fazia os 12 quilómetros até casa e parava a carrinha no centro da vila, em frente ao memorial às vítimas das grandes guerras e onde agora se acende velas pela sua filha. Sentava-se com uma caneca ao balcão do The Royal Oak, enquanto Kate se passeava com os filhos e tinha por hábito comprar flores na loja ao lado.
O casal, que todos reconhecem ser unido por um grande amor e, sobretudo, por uma grande cumplicidade, sempre fez por uma vida discreta, virados para a Igreja, família e poucos amigos. Destacam-se os três casais com quem passaram as férias na Praia da Luz, que mudaram as vidas de todos – a Judiciária recolheu indícios, informação, e ainda apura a extensão de um eventual crime. A florista, Gwyneth, recorda uma menina “sobretudo muito observadora. Brincava aqui à frente e vinha cá muito com a mãe”; foi Gwyneth a forrar a praça de flores mas já não arrisca opinião e, “com tudo o que se tem ouvido, era impossível não haver dúvidas”.
A PRIMEIRA CASA
A primeira casa de Maddie em solo inglês, num condomínio em Queniborough, a 12 quilómetros de Leicester, tinha dois quartos no primeiro andar e uma sala e cozinha, com 30 metros quadrados no rés--do-chão. Depois de os gémeos nascerem, também por inseminação artificial, a família McCann mudou-se para uma vivenda maior na zona ‘boa’ de Rothley, periferia de Leicester.
Um ano após a mudança da família, em Queniborough, Jade é das poucas pessoas a quem o caso não cala ou motiva comentários de solidariedade: “Já não era a primeira vez que deixavam as crianças sozinhas. E nisso não estão inocentes.”
A jovem, de 18 anos, vive do outro lado do fosso social e olha de outra forma os ‘privilegiados’ McCann.
QUATRO MESES
A 3 de Maio, Maddie McCann desaparece do empreendimento Ocean Club, na Praia da Luz. Kate McCann, a mãe, dá o alarme: “Levaram-na!” A menina, de três anos, tinha ficado sozinha no apartamento com os seus dois irmãos gémeos durante o jantar dos pais. Seguem-se as primeiras buscas.
O alarme atravessa fronteiras, a veraneante Praia da Luz torna-se palco da imprensa internacional, particularmente a inglesa. A angústia dos pais, Kate e Gerry, ambos médicos, congrega a solidariedade internacional. O milionário Stephen Winyard oferece uma recompensa de 1,4 milhões de euros a quem der informações sobre o paradeiro da criança. Falsas pistas sucedem-se.
Personalidades mediáticas ajudam no apelo ‘Find Maddie’ (‘Encontrem Maddie’). Cristiano Ronaldo e David Bekham são as caras da consternação. A selecção nacional inglesa entra em campo com a cara da menina inglesa estampada nas camisolas. Um grupo de mulheres inglesas segue-lhes a moda solidária – correm pela causa. É criado um fundo para ajudar a encontrar Maddie.
Na Praia da Luz, aparece o primeiro suspeito, Robert Murat, um inglês a residir próximo do Ocean Club. Seguem-se buscas policiais à sua casa. O casal McCann, já assessorado por um influente staff britânico, vai a Fátima rezar. Os actos de fé do casal inglês são, aliás, recorrentes. Não raramente deslocam-se à igreja da Praia da Luz. O Papa Bento XVI recebe-os no Vaticano.
O drama dos McCann tem a maior cobertura mundial jamais vista num caso do género. A rede de influências sobe até ao gabinete do primeiro-ministro britânico, Gordon Brown.
MORTE EM ROUPA E NO PELUCHE
O odor a cadáver na roupa de Kate McCann e no peluche de Maddie – visto até então como a imagem da perda nas mãos da médica – foi despistado por cães da polícia. Kate justificou a descoberta com o facto de ser médica. Na sua actividade profissional, disse, tinha contactado com cadáveres na semana anterior ao período das férias algarvias.
Kate apontou a mesma razão para o odor mórbido no peluche cor-de-rosa. Também ele tinha estado nos serviços clínicos. Outro dado importante para a investigação portuguesa: no Renault Scenic alugado foram encontrados vestígios de sangue compatíveis em quase 100% com o da menina desaparecida.
REGRESSO A INGLATERRA
Kate e Gerry sempre disseram que não abandonariam o Algarve enquanto não se soubesse o que tinha acontecido à filha mais velha. Mas, no último domingo, embarcaram no aeroporto de Faro rumo a Londres, imediatamente depois de terem comparecido, em separado e durante várias horas, perante a Polícia Judiciária.
A tese do desaparecimento começava a ceder a uma outra, a da morte de Maddie; Kate era suspeita de saber mais do que havia já dito. Para os McCann, a chegada a casa teve o sabor de ‘home, sweet home’ (lar, doce lar), a família esperava-os. À porta, o circo mediático reforçou-se.
Nesta semana, para uma visita ao parque infantil, o assessor da família pediu a compreensão das perguntas, para os gémeos poderem brincar em paz.
Correio da Manhã
Quando voltou da Holanda, com Maddie nos braços, o casal McCann instalou-se no número 14 de um condomínio a poucos quilómetros da actual casa. Os gémeos nasceram nessa terra.
Cinco hectares à sombra de pinheiros selvagens escondem ricos e muito ricos, os únicos com entrada em Queniborough Hall. Os segundos espalham-se pelas mansões à volta do lago. Entre os outros estão Kate e Gerry, que trocaram a pequena moradia no condomínio por uma vivenda para os três filhos – 750 mil euros na vizinha Rothley. Pequenos acertos que nunca abalaram a vida dos McCann, jovens médicos que “passaram a maior provação da vida para ter aquela menina”, insiste uma ex-vizinha à saída de um Jaguar.
Para lá do portão de ferro protegem-se “como uma grande família”, ninguém arrisca precisar as “alterações” em Kate. O casal mudou-se há mais de um ano mas “ela nunca faria uma coisa destas”, seguiram a vida pacata e deixaram os amigos por uma casa maior. Até que o Mundo lhes desabou em cima – e agora arriscam vender tudo para se defenderem de provas científicas pela morte da filha Maddie.
Quatro meses sem ordenado e três advogados por pagar começam a asfixiar os McCann, e entre os últimos escândalos está o acesso a fundos da campanha. A recolha em www.findmadeleine.com já atingiu milhões mas a gestora garante que nem um cêntimo foi retirado – Esther McVey só ressalva não ter a certeza sobre as circunstâncias em que pode ser utilizado para advogados. E no fundo milionário, que por razões legais não é de caridade, está previsto um de quatro objectivos: assistência financeira.
Se o fizessem, “90 por cento das pessoas iam aceitar”, acredita o assessor David Hughes, mas não seria o caso de Brian Dixon, com um donativo “generoso” para ajudar às buscas da criança, que se lembra de ver correr à volta do lago. “Era o mínimo que eu podia fazer, mas não acredito que mexam no dinheiro, por uma questão moral”, diz um dos antigos vizinhos do número 14. E confia na inocência do casal, “tinham uma boa relação com os filhos e pareciam felizes” nos dois anos de condomínio. Maddie chegou de Amesterdão com meses, quando o pai se especializou em cardiologia, e os gémeos já nasceram em Queniborough, a 12 quilómetros de Leicester.
SEAN E AMELIE
Sean e Amelie foram baptizados em St. Mary’s pelo reverendo Shepherd, na igreja anexa ao condomínio, onde os McCann “não perdiam uma missa ao domingo até às férias no Algarve e isto acontecer, mesmo depois de se mudarem continuavam a vir de Rothley”. Dois quartos pequenos no primeiro andar e 30 metros quadrados em sala, sala de jantar e cozinha levaram Kate a abdicar do luxo e insistir com Gerry para uma casa maior na terra ao lado – ali chegam acima de um milhão de euros, segundo a imobiliária Bentons, a comercializar vivendas milionárias naquela área.
O silêncio colectivo “foi acordado em família”, reconhece a ex-vizinha do lado, insultada ao longe por opinar sobre o caso. O sorriso cúmplice deixou cair entredentes as “alterações” de comportamento em Kate nos anos que ali passou, mas acabou por se ficar pelo tradicional “casal feliz e sempre preocupado com os filhos – é chocante para todos o que está a passar-se”. O assalto dos fotógrafos assusta quem quer manter uma vida discreta; um Mercedes com motorista pára três portas ao lado e o administrador de uma empresa pouco tem a dizer. “Sobretudo, lembro-me que ele é muito simpático e era raro ouvir-lhes uma discussão, já eram médicos quando chegaram e têm o respeito de todos nós”. E as crianças pareciam-lhe “saudáveis e bem tratadas, raro era o dia em que a mais velha não andava por aqui a brincar”.
A dúvida cresce na semana em que os serviços sociais agiram, quatro meses depois falaram com a polícia e os pais vão ser ouvidos. A noite em que a filha Maddie desapareceu, a 3 de Maio, “já não era a primeira em que eles deixavam as crianças sozinhas para jantar. E nessa parte seguramente não são inocentes”, acusa Jade Mitchell, de 18 anos, que vive na rua oposta ao condomínio. A opinião sobre o casal cava mais um fosso entre classes sociais na zona de Leicester, num bloco social à saída de Rothley. Caroline lamenta que a protecção do “Governo e imprensa” aos McCann se resuma, afinal, a “dinheiro e influências próprias de quem se movimenta numa classe social alta”.
DEVOÇÃO A DEUS
A devoção a Deus, segundo uma amiga em Rothey, “é o ponto mais forte” da relação condenada à nascença pelos pais de Kate – as diferenças entre a menina de famílias tradicionais e ricas de Liverpool com Gerry, o estudante escocês de classe mais baixa. Quando se conheceram, em Glasgow, Kate hospedava-se em casa da tia Philomena. Ele era colega de curso e na universidade havia grandes distâncias entre os dois. Mas Gerry subiu na vida a pulso e “sempre foi um rapaz muito mais sociável, enquanto ela era um pouco fria e até conhecida por snob, fruto de uma educação conservadora”, conta uma fonte próxima do casal nos primeiros anos.
Acabaram casados em 1999. E seguiram em 2003 para Amesterdão depois dos primeiros anos em Liverpool, Gerry fazia a especialização e Kate “preocupava-se por não conseguir engravidar” – a solução era mesmo a inseminação artificial. Maddie nasceu ainda na Holanda e, quando chegaram a Queniborough, em 2004, já o cardiologista estava colocado no Glenfield Hospital, à entrada de Leicester. Kate começou mais tarde como clínica geral no centro de saúde perto de casa e pouco tempo depois passou a fazer apenas, “dois dias por semana, para tratar dos filhos”, confirma Ivone Pena. A colega espanhola não desmente as depressões de Kate. No seu diário íntimo, a inglesa, mãe da menina desaparecida na noite de 3 de Maio do Ocean Club, na Praia da Luz, confessa-se angustiada com os “gémeos histéricos” e a “hiperactividade” de Maddie. Desabafos. Ivone recusa-se a acreditar em algo mais. A espanhola está com o casal, “duas pessoas maravilhosas e que não fariam nunca mal à filha”.
Aliás, os dois centros médicos, onde o silêncio entre os profissionais de saúde é de ouro – numa espécie de solidariedade muda para com o casal de colegas –, guardam a imagem e fitas amarelas por Maddie. Manifestações que valem mais do que palavras de apoio.
Gerry conseguiu unir a família, recorda uma vizinha em Queniborough, e nos tempos do condomínio “era frequente juntarem-se aqui todos aos fins-de-semana, os pais deles e muitas vezes o tio de Kate”, Brian Kennedy. É o único familiar em Rothley e deu o corpo às balas na última semana. Quando os sobrinhos se fecharam três dias em casa, foi até ao centro da vila e rebateu teses da investigação. “Enfiarem o corpo da criança no carro, com a família, Polícia e Imprensa toda à volta”, 25 dias depois do crime, seria no mínimo “maquiavélico”. Gerry conta com os irmãos, a mãe, e também Kate tem o apoio da família – quando Maddie desapareceu, a tia Philomena invadiu o parlamento com um cartaz a pedir apoio.
VIDA EM QUENIBOROUGH
A vida em Queniborough era “perfeita” nos primeiros tempos, com os pais a trabalhar e Maddie no jardim de infância, a quatro minutos. Na Laurels Nursery, com a tradição de escola fundada em 1877, também ninguém fala do caso. A vivenda de dois pisos, forrada a bonecos e rodeada de relva, fica a pouco mais de oito quilómetros de Rothley, o caminho que a criança se habituou a fazer de carro com a mãe no ano em que os dois irmãos nasceram.
Durante o tempo em que viveram todos na Orchard House, em Rothley, a vivenda onde o casal se esconde agora de um batalhão de fotógrafos, Gerry saía do hospital, fazia os 12 quilómetros até casa e parava a carrinha no centro da vila, em frente ao memorial às vítimas das grandes guerras e onde agora se acende velas pela sua filha. Sentava-se com uma caneca ao balcão do The Royal Oak, enquanto Kate se passeava com os filhos e tinha por hábito comprar flores na loja ao lado.
O casal, que todos reconhecem ser unido por um grande amor e, sobretudo, por uma grande cumplicidade, sempre fez por uma vida discreta, virados para a Igreja, família e poucos amigos. Destacam-se os três casais com quem passaram as férias na Praia da Luz, que mudaram as vidas de todos – a Judiciária recolheu indícios, informação, e ainda apura a extensão de um eventual crime. A florista, Gwyneth, recorda uma menina “sobretudo muito observadora. Brincava aqui à frente e vinha cá muito com a mãe”; foi Gwyneth a forrar a praça de flores mas já não arrisca opinião e, “com tudo o que se tem ouvido, era impossível não haver dúvidas”.
A PRIMEIRA CASA
A primeira casa de Maddie em solo inglês, num condomínio em Queniborough, a 12 quilómetros de Leicester, tinha dois quartos no primeiro andar e uma sala e cozinha, com 30 metros quadrados no rés--do-chão. Depois de os gémeos nascerem, também por inseminação artificial, a família McCann mudou-se para uma vivenda maior na zona ‘boa’ de Rothley, periferia de Leicester.
Um ano após a mudança da família, em Queniborough, Jade é das poucas pessoas a quem o caso não cala ou motiva comentários de solidariedade: “Já não era a primeira vez que deixavam as crianças sozinhas. E nisso não estão inocentes.”
A jovem, de 18 anos, vive do outro lado do fosso social e olha de outra forma os ‘privilegiados’ McCann.
QUATRO MESES
A 3 de Maio, Maddie McCann desaparece do empreendimento Ocean Club, na Praia da Luz. Kate McCann, a mãe, dá o alarme: “Levaram-na!” A menina, de três anos, tinha ficado sozinha no apartamento com os seus dois irmãos gémeos durante o jantar dos pais. Seguem-se as primeiras buscas.
O alarme atravessa fronteiras, a veraneante Praia da Luz torna-se palco da imprensa internacional, particularmente a inglesa. A angústia dos pais, Kate e Gerry, ambos médicos, congrega a solidariedade internacional. O milionário Stephen Winyard oferece uma recompensa de 1,4 milhões de euros a quem der informações sobre o paradeiro da criança. Falsas pistas sucedem-se.
Personalidades mediáticas ajudam no apelo ‘Find Maddie’ (‘Encontrem Maddie’). Cristiano Ronaldo e David Bekham são as caras da consternação. A selecção nacional inglesa entra em campo com a cara da menina inglesa estampada nas camisolas. Um grupo de mulheres inglesas segue-lhes a moda solidária – correm pela causa. É criado um fundo para ajudar a encontrar Maddie.
Na Praia da Luz, aparece o primeiro suspeito, Robert Murat, um inglês a residir próximo do Ocean Club. Seguem-se buscas policiais à sua casa. O casal McCann, já assessorado por um influente staff britânico, vai a Fátima rezar. Os actos de fé do casal inglês são, aliás, recorrentes. Não raramente deslocam-se à igreja da Praia da Luz. O Papa Bento XVI recebe-os no Vaticano.
O drama dos McCann tem a maior cobertura mundial jamais vista num caso do género. A rede de influências sobe até ao gabinete do primeiro-ministro britânico, Gordon Brown.
MORTE EM ROUPA E NO PELUCHE
O odor a cadáver na roupa de Kate McCann e no peluche de Maddie – visto até então como a imagem da perda nas mãos da médica – foi despistado por cães da polícia. Kate justificou a descoberta com o facto de ser médica. Na sua actividade profissional, disse, tinha contactado com cadáveres na semana anterior ao período das férias algarvias.
Kate apontou a mesma razão para o odor mórbido no peluche cor-de-rosa. Também ele tinha estado nos serviços clínicos. Outro dado importante para a investigação portuguesa: no Renault Scenic alugado foram encontrados vestígios de sangue compatíveis em quase 100% com o da menina desaparecida.
REGRESSO A INGLATERRA
Kate e Gerry sempre disseram que não abandonariam o Algarve enquanto não se soubesse o que tinha acontecido à filha mais velha. Mas, no último domingo, embarcaram no aeroporto de Faro rumo a Londres, imediatamente depois de terem comparecido, em separado e durante várias horas, perante a Polícia Judiciária.
A tese do desaparecimento começava a ceder a uma outra, a da morte de Maddie; Kate era suspeita de saber mais do que havia já dito. Para os McCann, a chegada a casa teve o sabor de ‘home, sweet home’ (lar, doce lar), a família esperava-os. À porta, o circo mediático reforçou-se.
Nesta semana, para uma visita ao parque infantil, o assessor da família pediu a compreensão das perguntas, para os gémeos poderem brincar em paz.
Correio da Manhã