O segredo do Vitória
Depois de ter falhado rotundamente frente ao Benfica, numa jornada que chegou a ser apresentada como a da grande conquista mas resultou numa enorme decepção, o V. Guimarães empreendeu uma notável reformulação das suas capacidades defensivas. Foi a partir daí que a equipa de Manuel Cajuda reforçou a coesão táctica e conseguiu reduzir à ínfima fracção o erro comprometedor.
O jogo com o Benfica, na última semana de Janeiro, ocorreu numa fase bastante propícia a rectificações. O Vitória, que só neste ano regressou à Liga, era ainda uma equipa em aprendizagem e a classificação que já assegurou, mais que provavelmente entre os três primeiros, fica acima dos planos mais realistas que tenham sido desenhados. Com 13 jogos ainda pela frente, Cajuda ajustou os processos defensivos e consolidou a ideia de um futebol preciso e o menos arriscado possível – com dose de risco q.b., em que os empates (e foram três nesse período) são recebidos como melhor resultado possível e não como um decepcionante desperdício de pontos.
Mês e meio depois já a nova consistência era posta à prova frente ao outro rival directo, o Sporting, e a equipa passava distintamente no exame. Do 1-3 desmoralizador passou para um 2-0 inequívoco, então pela primeira vez a atingir três partidas consecutivas sem sofrer qualquer golo – e os observadores a começarem a destacar a dupla Geromel-Sereno como um dos blocos mais promissores e valiosos do campeonato, com realce para o jovem brasileiro descoberto pelo Desportivo de Chaves, o outro clube do presidente Emílio Macedo.
Nas oito últimas jornadas, a defesa do Vitória saiu incólume em sete e teve apenas a tal noite de excepção, em Paços de Ferreira, onde deixou nos derradeiros momentos da partida dois pontos que nesta altura podiam fazer toda a diferença.
Extraordinária é a constatação de que, pela sua solidez defensiva e de organização, a equipa do Vitória é a que menos remates consente aos adversários, superando até os números do FC Porto – tida como a mais intratável da Liga. São apenas sete as hipóteses de que os adversários do Vitória dispõem numa partida, bastante menos do que Sporting (10) ou Benfica (11).
Dos 18 golos sofridos nas 15 primeiras jornadas, o Vitória reduziu para apenas sete na segunda volta – uma eficácia defensiva que faz toda a diferença e que, analisada de mais perto, resulta de uma segurança extrema na zona de finalização mais sensível, a pequena-área, onde os vimaranenses são hoje praticamente imbatíveis. Geromel e Sereno, ajudados por dois jogadores de clube grande, a montante o médio defensivo Flávio Meireles e a jusante o guarda--redes Nilson, são os grandes responsáveis por esta solidificação de processos e é bem provável que se transformememdoisdos nomes mais destacados do próximo mercado.
E quando se verifica que o consegue com uma grande lisura de processos que a destaca como a equipa mais disciplinada, com menos 40% dos cartões dos adversários directos de Lisboa, a campanha vimaranense ainda justifica maior admiração.
Simplesmente, a equipa tem agora rotinas mais consolidadas e uma enorme serenidade quando sujeita a pressão pelo eixo central. Também a descoberta do sólido lateral-esquerdo Mohma veio melhorar o equilíbrio defensivo,por contraste com LucianoAmaral,jogador mais irregularemenos fiável.
NA LINHA DE PEPE
Ao contrário do que se possa imaginar agora, Cajuda nunca foi um grande mestre do futebol defensivo, pelo contrário, soma várias derrotas copiosas no seu currículo dos verdes anos, incluindo as primeiras temporadas em Braga, onde andava perto das cinco dezenas de golos sofridos por época.
Foi no Marítimo, em 2004, que tudo mudou graças a um guarda-redes como Marcos, na sua melhor época entre nós, e sobretudo graças a um defesa chamado Van der Gaag, sem dúvida um dos melhores da história recente da Liga, e outro chamado… Pepe. Ao fim de 15 anos na 1.ª divisão, Cajuda conseguiu finalmente com essa equipa madeirense ficar abaixo da média de um golo sofrido por jogo e concretizar a tão desejada qualificação europeia.
É a interpretação dos factos objectivos que nos ajuda a compreender os sucessos e os insucessos no futebol. Sem menosprezar o mérito dos treinadores, os resultados das equipas dependem invariavelmente da qualidade dos jogadores, e não há grande margem de risco em vaticinar a Geromel uma carreira semelhante à de Pepe. Cajuda não descobriu nem um, nem outro mas fica ligado ao crescimento e afirmação de ambos.
NO ATAQUE UMA EQUIPA ABSOLUTAMENTE VULGAR
Tirando a sua defesa excepcional, pode concluir-se que a equipa do Vitória é absolutamente normal, com um rendimento mediano em muitos itens do jogo, em particular os ofensivos. O Vitória não tem um grande goleador, não obstante insistir num modelo clássico de avançado-centro apoiado por dois flanqueadores. O Vitória não possui um criador extraordinário, não obstante o rendimento satisfatório de Alan, com um número razoável de assistências. O Vitória não tem um aproveitamento excepcional das bolas paradas, perdendo para Sp. Braga, Boavista ou V. Setúbal, além dos grandes. E é, a par do Boavista, uma das duas únicas equipas que ainda não conseguiram marcar um golo de penálti, por exemplo. Na realidade, o putativo vice-campeão tem apenas o oitavo ataque mais concretizador da Liga. Estes índices medianos, ou mesmo insuficientes, considerando a classificação e os objectivos actuais, apenas confirmam e realçam a importância da solidez defensiva da equipa. Na defesa, pelo contrário, ela é positivamente invulgar.
TARIK SEKTIOUI FOI O ÚLTIMO A MARCAR
O FC Porto e o marroquino Sektioui, no jogo da primeira volta no Dragão, foram os últimos a conseguir vencer nos três derradeiros metros da defesa vitoriana.
MAIS CANTOS, MENOS GOLOS
Passaram 14 jornadas incólumes na pequena-área, não obstante o número de cantos sofridos ter aumentado 20% em relação à primeira volta.
MAIS VULNERÁVEL EM CONTRA-ATAQUE
O aspecto mais vulnerável da defensiva vimaranense, muito posicional, é o futebol rápido, sendo a equipa que mais golos sofreu em contra-ataques rápidos (sete).
CLUBE
REMATES CONSENTIDOS
POR JOGO
FALTAS
DISCIPLINARES CARTÕES
VERMELHOS
V. GUIMARÃES 7 46 3
FC PORTO 8 51 1
SPORTING 10 68 3
BENFICA 11 69 3
João Querido Manha