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O Ministério Público abriu em Fevereiro um inquérito a um negócio imobiliário de 32,4 milhões de euros, firmado entre ex-banqueiros, gestores e empresários ligados ao Finibanco e que foi fechado em 2013, no Montepio.
Apesar de decorrer em paralelo à OPA, Banco de Portugal e CMVM não o detectaram.
Estas são histórias por detrás de uma história.
A que envolve um pequeno banco do Porto, o Finibanco, pertencente à família Costa Leite.
A que envolve uma oferta pública de aquisição (OPA), lançada em Julho de 2010 pela Associação Mutualista Montepio Geral, com 632 mil mutualistas.
A que envolve um negócio de 341 milhões, que foi também o ponto final de um processo que começou ano e meio antes, com acordos confidenciais nunca tornados públicos, e avaliações ao Finibanco 100 milhões abaixo do valor final.
E será também a história da falta de atenção de supervisores como o Banco de Portugal e a CMVM que ignoraram os sinais de descontrolo.
O PÚBLICO foi procurar a sequência dos eventos que levaram a esta OPA e descobriu enredos que se cruzam e descruzam ao longo de toda a década passada.
E que se juntam num determinado momento do tempo.
Precisamente quando à OPA se associa uma transacção imobiliária de 32,4 milhões de euros e que desde o final de Fevereiro último está sob investigação do Ministério Público de Viseu, como confirma ao PÚBLICO a Procuradoria-Geral da República.
É este contrato de venda de 30 hectares situados à entrada de Coimbra que está na origem de uma guerra familiar que se alastrou ao Montepio, o banco mais antigo do país, com 175 anos. E que colocou a OPA como um alvo.
O que aqui está em causa não são tostões, são milhões. Jorge Tavares de Almeida, o ex-administrador do Finibanco e primo da família Costa Leite, apresentou uma queixa ao Ministério Público a reclamar o pagaFmento de uma dívida pela venda das propriedades de Coimbra. O comprador foi uma sociedade ligada só a accionistas e gestores do Finibanco: Humberto Costa Leite, Carlos Martins (presidente da Martifer), José Pucarinho. E pelo próprio Tavares de Almeida, conhecido como “Kadhafi” pela sua fisionomia e indumentária.
Fomos desfiando esta meada através da leitura de documentação, parte sigilosa, e de relatos e testemunhos. É um puzzle que no seu conjunto ajuda a compreender o lado oculto que muitas vezes existe nos bastidores dos grandes negócios.
Pedimos esclarecimentos aos vários protagonistas, que ou declinaram comentar temas bancários ou de clientes, por dever profissional, ou aceitaram dar explicações pontuais.
E todos tentaram passar a sua versão dos acontecimentos.
E enfrentámos o eterno silêncio do Banco de Portugal e da CMVM.
Esta novela passa-se entre Vale de Cambra, a sede da Vicaima, a dona do banco; Oliveira de Frades, sede da Martifer; Coimbra, onde está o epicentro do diferendo; Porto e Lisboa.
É uma manta feita de intriga, ciúme e ódios.
E vendetas em curso. Percebe-se porquê. Mais uma vez, o dinheiro é omnipresente.
As grandes crises financeiras expõem as debilidades das instituições bancárias.
Mas se as fraquezas se agudizam é porque há gestores que não param no sinal vermelho ou ficam amarrados a transacções promíscuas.
E outros embarcam em fantasias tomando decisões que subestimam grandes riscos.
Para perceber o que se passou, é necessário regressar aos tempos da revolução de Abril, quando o sistema financeiro foi nacionalizado e muitos empresários entraram em colapso, mas outros foram beneficiados.
Foi o caso de Álvaro Costa Leite, dono do grupo industrial Vicaima e pai de Humberto Costa Leite – a família que vai criar o Finibanco.
1975, revolução
A revolução de Abril apanhou a Vicaima com excesso de endividamento e os armazéns repletos de madeiras nacionais e estrangeiras.
Com a inflação a subir e o escudo a cair, a empresa ganhou em três frentes: reduziu o endividamento pela desvalorização da moeda; baixou os custos de produção porque tinha muita madeira em stock, que se valorizou; e ainda conseguiu vender a valores altos o que tinha comprado a preços baixos.
O empresário de Vale de Cambra ficou com cash, o que lhe permitiu sonhar. E apenas esperou pela ocasião.
Década de 1980, liberalização
Quando chega o ímpeto liberalizador em matéria de criação de sociedades financeiras que darão origem a instituições mais flexíveis e adaptadas aos novos tempos, muitos bancos estão ainda na esfera estatal.
O Grupo Montepio continua mutualista.
E os desafios vão começar, pois a sua actividade está condicionada ao crédito à habitação. Em 1985, já a revolução tinha ficado muito lá atrás. Portugal adere à CEE, chegam os fundos europeus, começam as privatizações.
Ter um banco é ter capital à disposição, o que possibilita fomentar outras actividades. “Nos anos 1980, era fácil congregar accionistas, convencer gente com poupanças a investir no sector financeiro, e alguns industriais já com dimensão preferiam ter a sua própria sociedade para acompanhar os planos de desenvolvimento e, por vezes, transformavam-nas em bancos”, recorda ao PÚBLICO José Tavares Moreira, que foi governador do Banco de Portugal e secretário de Estado das Finanças no primeiro Governo de Cavaco Silva e que chegou a ocupar funções na Vicaima.
Antes de criar o Finibanco, Álvaro Costa Leite esteve na fundação da sociedade financeira Cisf e do BCP.
O grupo Vicaima ia crescendo e as características do patriarca Costa Leite tornam-se mais evidentes quando, em 1988, o seu nome salta para as primeiras páginas dos jornais, ao adquirir por 10 milhões de contos (50 milhões de euros) a empresa de aglomerados e contraplacados Jomar.
O investimento é classificado como um dos maiores de sempre no país.
Enquanto isto, no grupo Montepio, com apenas 15 mil associados, faz tempo que o padre Vítor Melícias assumira o cargo de presidente e se prepara agora para se retirar para as Misericórdias.
Como herança, deixa o movimento mutualista organizado. A liberalização do sector financeiro colocava forte pressão sobre o banco Montepio, com apenas 32 balcões e que continuava apenas a só poder dar crédito à habitação.
Quando António Costa Leal, ex-ministro do Trabalho de Mário Soares, em 1978, o foi substituir, traçou como desafio fazer a “revolução”.
Datam da época os primeiros sinais de que Álvaro Costa Leite se preparava para colocar o pé no acelerador industrial de Vale de Cambra.
Nas décadas seguintes, a Vicaima vai tornar-se um dos maiores fabricantes do mundo de portas de madeira com aro e fechadura. Hoje, exporta 78% da produção.
1993, Finindústria
É sabido que um empresário procura ter meios de gestão da dívida e garantir facilidades na obtenção de fundos para desenvolver a actividade.
E, um dia, o pai Costa Leite procurou o ex-presidente e fundador do BCP, Jorge Jardim Gonçalves.
É este que conta: “Disse-me claramente que, em vez de ser um pequeno accionista de um grande banco, preferia ser um accionista de referência de um pequeno banco.
E saiu do BCP.” O que farão também Américo Amorim e Ilídio Pinho, irmão de Álvaro Costa Leite que deixou cair o apelido paterno depois de uma grande zanga familiar.
Ora, para não ficar “descalço”, Álvaro Costa Leite cria o seu próprio veículo financeiro, a Finindústria – Sociedade de Investimentos e Financiamento Industrial.
1994, Finibanco
O passo natural é transformar a Finindústria num banco de investimento. Nasce o Finibanco, com sede no Porto.
Em Novembro, a instituição faz um aumento de capital de 5 para 7,5 milhões de contos para dispersar 40% das acções por 20 clientes, na sua maioria empresários da região Norte e Centro. Para Álvaro Costa Leite, é fundamental arranjar um gestor.
O seu conterrâneo José Oliveira Costa afigura-se-lhe a escolha credível – aquele que virá a ser o principal arguido do caso BPN, na qualidade de secretário de Estado dos Assuntos Fiscais de Cavaco Silva, tinha aparecido envolvido nos anos 80 num controverso perdão fiscal de 2,1 milhões à empresa aveirense Cerâmica Campos; e em 1992 esteve no Luxemburgo, onde, em nome de Portugal, exerceu uma das seis vice-presidências do Banco Europeu de Investimento (BEI).
1996, Oliveira Costa
É quando entra na história Jorge Tavares de Almeida, um jurista e ex-parceiro de gabinete de José Nunes Pereira, futuro presidente da CMVM, e com relações familiares ao clã Costa Leite.
Álvaro Costa Leite levou-o para o Finibanco, mas impôs um compromisso: “Vens trabalhar comigo, mas limpas todas as tuas dívidas à banca.” O convite vai dar lugar a uma grande cumplicidade entre os dois.
Nesta fase, já Oliveira e Costa andava às “turras” com os donos do Finibanco, pois todos queriam ter a última palavra. Então, o patriarca pediu a Tavares de Almeida que ajudasse a fazer o consenso: “[Oliveira Costa] queria fazer no Finibanco o que fez no BPN, onde montou uma estrutura de capital com accionistas em regime de time-*******: entravam e saíam ao fim de um determinado tempo com muito dinheiro no bolso.”
Após um período de quase paragem no sector da construção, os investidores cavalgam agora na onda do imobiliário.
Na esfera de alguns bancos, constroem-se cadeias de interdependências e de troca de favores e de serviços que quase sempre dão origem a negócios paralelos que dependem de financiamento.
Tavares de Almeida estava a tentar urbanizar uma propriedade à entrada de Coimbra, designada por Colinas de Vale Meão. A Câmara de Coimbra exigiu-lhe que fosse falar com os vizinhos da Quinta de Santa Comba para que o loteamento fosse articulado.
Tavares de Almeida telefonou ao primo Humberto Costa Leite. “Fui propor-lhe criarmos uma empresa [que se vai designar Coleta – Costa Leite e Tavares de Almeida] para comprar a propriedade. Mas, para poder ter maior margem nas facilidades de crédito, o Humberto indicou o seu técnico de contas Manuel Pinto, que assumiu 50%.” Ao PÚBLICO, o ex-presidente do Finibanco explica que “não aceitou ser sócio da Coleta por constrangimentos resultantes da sua ligação ao banco”.
A 29 de Novembro aparece outra figura da igreja na história, o padre Vitorino Brandão, que era braço direito de Humberto Costa Leite na Jomar.
É ele que, em nome da Coleta, negoceia a aquisição da Quinta de Santa Comba e comparece à escritura.
O investimento de cerca de 1,5 milhões de euros será realizado com financiamento do Finibanco. O novelo vai começar a emaranhar-se, mas não já. Ainda teremos de esperar 12 anos.
Depois da aquisição da Quinta de Santa Comba, a Coleta começa a ser usada para fazer operações financeiras, “o que nos obrigou a criar uma nova sociedade”, diz Tavares de Almeida. Nasce a Vilões. Só que a perspectiva de urbanizar as Colinas de Vale Meão fica na gaveta até 2008.
No ano de 1996, sentam-se nos órgãos sociais da banca nomes respeitáveis; outros já são “cowboys”. O caso mais mediático é o de Oliveira e Costa, cuja gestão contínuava a gerar tensões no topo do Finibanco.
1997, "amor livre"
A porta de saída abre-se para o principal executivo do Finibanco, que se retira a troco de “uma mega-indemnização”. Apesar dos sinais de uma gestão sui generis, o Banco de Portugal (BdP) manteve o registo de idoneidade, o que permitirá a Oliveira e Costa pôr de pé a megafraude do BPN.
Quem o substitui no Finibanco é o administrador Fernando Correia da Silva, que começa logo a recrutar quadros para a equipa. Um deles é António Couto Lopes, que se cruza pela primeira vez com o administrador executivo, Tavares de Almeida: “O Álvaro confiava e achava-lhe piada, porque considerava que era um livre-pensador.” Tavares de Almeida tinha andado por Paris na sublevação e no amor livre e fazia questão de dizer: “Eu sou um herdeiro do Maio de 68.” E “era visto como o ideólogo do regime”. Por coincidência, anos depois, quer Couto Lopes quer Tavares de Almeida tornar-se-ão uma ameaça à reputação de Humberto Costa Leite e de Tomás Correia, que estava à frente do grupo Montepio, banco e associação.
A colina de Vale Meão Sérgio Azenha
1998, relato
O grupo Vicaima está em expansão, e ganhar escala é, em regra, ganhar dívida, pois os investimentos ou são suportados por capitais próprios ou por externos. Datam daqui relatos de que o industrial estava com pressão de tesouraria e vendedor do Finibanco. Os jornais referem a Caja da Extremadura como interessada, mas Álvaro Costa Leite apressa-se a negar.
2000, CIA
A agência norte-americana CIA admite que se está a entrar “num período de dinamismo sustentável até 2015”. Para esta ideia, que se difundira, contribuía a decisão de deixar cair os muros entre a banca comercial e a de investimento, o lugar de onde sempre partem as engenharias especulativas.
Depois de em Março de 2000 as cotações das empresas tecnológicas terem entrado em queda livre, com perdas superiores a 5000 milhões, a atenção dos investidores começou a ser desviada para o imobiliário. Para promover o crescimento e reduzir o desemprego (6,1%), a Reserva Federal (FED) pôs em marcha um plano de baixas taxas de juro.
2002, Euro
O Finibanco já se tornara pequeno para a dimensão do grupo Vicaima. E quando Jardim Gonçalves se volta a cruzar com Álvaro Costa Leite ouve um comentário: “Disse-me que já tomara consciência de que um banco da dimensão do Finibanco não era sustentável e não lhe dava a capacidade de endividamento que esperara, enquanto um banco como o BCP permitia aos accionistas limites de exposição aos riscos mais elevados [pois o balanço do BCP era muito maior].”
A entrada em circulação do euro facilita muito o acesso da banca aos mercados interbancários e de emissão de dívida internacionais.O sector é grande consumidor de capital, “matéria” que falta em Portugal, e alguns accionistas industriais, aos poucos, deixam de responder às chamadas para não desnatarem as actividades de origem.Outros socorrem-se de mecanismos.
Em bancos controlados por núcleos restritos, nomeadamente por famílias ou grupos empresariais, a tentação passou a ser movimentar dinheiro em circuito fechado.
E surgem os primeiros sinais de desconforto no topo do grupo de Vale de Cambra: a direcção financeira da Vicaima procura crédito para desenvolver a sua actividade industrial e acompanhar os aumentos de capital do Finibanco; a administração do banco resiste a dar para se manter dentro das regras do Banco de Portugal, então liderado por Vítor Constâncio.
2003, Greenspan
Periodicamente surgem referências na comunicação social à intenção da Vicaima de vender o Finibanco. Álvaro Costa Leite volta a reagir: “O banco está em boa situação financeira e não faz sentido falarmos em venda ou em parcerias. Neste momento, pode crescer até ao dobro, sem que para isso seja necessário recorrer a aumentos de capital, pelo menos até ao final deste ano.”
A 25 de Junho, pela 13.ª vez desde Janeiro de 2001, Alan Greenspan, o homem forte da Reserva Federal Americana, anuncia um corte dos juros básicos norte-americanos agora para 1% ao ano, o patamar mais baixo desde 1958. Isto, conjugado com a inovação tecnológica que mudara o modo de fazer banca, torna os banqueiros generosos a dar financiamento para compra de casa, para construção e promoção imobiliária.
2004, Costa Leal
Costa Leal prepara-se para deixar a presidência do grupo Montepio, depois de a meio da década anterior ter assumido como meta fazer crescer o número de associados, que disparou de 15 mil para 239 mil. O Montepio já não se movimenta apenas na concessão de crédito à habitação: a rede comercial subiu de 32 para 300 balcões e atingia um milhão de clientes. Mas para a maioria ainda não era a primeira opção e muitos clientes mantinham conta aberta noutras instituições.
O futuro do grupo começa a suscitar divergências, que levam ao aparecimento de duas listas a disputar os órgãos sociais. Uma liderada por Maldonado Gonelha, ex-ministro do Trabalho de Mário Soares, e outra por José Silva Lopes, ex-ministro das Finanças de Vasco Gonçalves. Ganhou esta segunda, com o apoio de Costa Leal.
Depois da OPA ao Finibanco, o grupo Montepio teve mil milhões de perdas. E em 2015, pela primeira vez, a Associação teve um prejuízo de 393 milhões
2005, Fraude
Quando o procurador Rosário Teixeira tropeçou no mega-esquema de fuga ao fisco que envolvia alguns bancos, deu-lhe o nome operação Furacão. Aparecem o BCP, o BES, o BPN, o Finibanco e centenas de empresas clientes.
Os processos são do domínio público e revelam, por exemplo, que no Finibanco (entre outros) tinha sido montado um esquema de fraude fiscal sustentado numa sociedade irlandesa, a Finatlantic (que pertencia a Diogo Viana e prestava serviços ao sector), que emitia facturas falsas. O banco disponibilizava aos clientes serviços para reduzirem a matéria colectável. Para evitar declarar as comissões que cobrava, o Finibanco partilhava o mesmo mecanismo com os clientes. E foi assim que vários administradores e directores do Finibanco, entre os quais Humberto Costa Leite, foram acusados de envolvimento num esquema que lesou o Estado em 30 milhões de euros. E que vigorou entre 2001 e 2007.
Mas nem Vítor Constâncio nem o BdP vão colocar em causa a idoneidade do presidente da instituição.
No Porto, na Rua Júlio Dinis, sede do Finibanco, as acções policiais começam a preocupar a gestão e não é apenas por causa do que está a ser investigado. É que Rosário Teixeira tropeçou num nome: Rainbank, com sede num paraíso fiscal anglo-saxónico. E ligou-o ao Finibanco.
Mas não chega a conclusões, isto é, o Rainbank não era utilizado para o esquema das facturas falsas, mas tinha outro ângulo.
“A ideia de criar um banco para fazer emissões de dívida pontuais para o resto do grupo industrial partiu do Correia da Silva”, evoca Couto Lopes, o primeiro presidente do Rainbank, que lhe deu o nome. “Nunca ninguém lá foi ver o que aquilo era.” Inquirido como certificava as contas, explicou que “perguntava ao contabilista: 'Está tudo em ordem?' Ele dizia que sim. E eu assinava o balanço”.
“O Rainbank podia tomar firme a dívida emitida por veículos da esfera da Vicaima, seguindo-se a sua colocação aos balcões do Finibanco. As obrigações [títulos] eram apresentadas aos clientes como um produto autónomo e atractivo, pois a taxa de juro era superior à da remuneração dos depósitos a prazo e estavam garantidas por um banco estrangeiro, o que lhes dava segurança.” Isto é Tavares de Almeida a pensar alto. Acrescenta ainda: “Como formalmente não eram risco do Finibanco, mas do Rainbank, ficavam fora do balanço.”
Para um ex-quadro de topo do Finibanco, “o pivot das operações nem era tanto o Rainbank, mas um departamento interno que emitia o papel comercial onde estava uma senhora” que obedecia “ao director financeiro”. Remata: “Quando as emissões chegavam à maturidade e não havia dinheiro para pagar aos clientes, faziam-se novas emissões.”
Hoje, ainda não é claro em que contexto foi desenhado o programa de emissão de obrigações do grupo Vicaima e que pode ter sido usado “para contornar os limites prudenciais” de exposição aos grandes riscos dos accionistas.
E que, no caso do Finibanco, eram de 70 milhões.
2006, Horácio Roque
Acabado de ser eleito primeiro-ministro, José Sócrates inaugura um programa de investimentos públicos: TGV, novo aeroporto, PPP. Os interesses da banca e os do Estado reencontram-se em terreno comum.
Os banqueiros podiam ter rapidamente virado a página, mas preferiram continuar a beneficiar de um clima de grande facilidade de acesso a liquidez fora de portas e, nesse período e nos anos que se lhe vão seguir, endividam-se em 164 mil milhões de euros para sustentar a expansão do crédito público e privado.
Este cenário explica que os banqueiros portugueses vivam numa “espécie” de euforia, apresentando lucros cada vez mais altos: entre 2004 e 2006, dispararam 135%.
E prosseguem ganhos de escala com os pequenos a fazerem-se de grandes.
Humberto Costa Leite presidia ao Finibanco quando Tomás Correia lançou a OPA do Montepio, a 30 de Julho de 2010 Ana Banha
A 13 de Dezembro, Horácio Roque, dono do Banif, anuncia a compra de 7,7% do Finibanco. Valor: 23,2 milhões. Quando o mercado fecha, a cotação do banco portuense disparara 12%, para 3,38 euros, o que levou Roque a contabilizar em poucas horas uma mais-valia de 1,8 milhões.
Horário Roque e o patriarca Costa Leite tinham uma relação directa. E conversaram. Um dos diálogos é relatado ao PÚBLICO por um colaborador do ex-Banif: “Mas tu queres comprar o banco?” E Roque replicou: “O Artur Fernandes é que está a tratar do investimento que é financeiro, mas se te aborrece mando parar.” Nunca houve zangas, pois as investidas do Banif ajudavam a subir a cotação do Finibanco.
Ainda em 2006, o britânico Barclays bate de porta em porta para comprar balcões. Humberto Costa Leite confirma que recebe uma oferta deste banco inglês de quase quatro euros por acção.
Mas o pai recusou. “O Álvaro não era um vendedor e todos os seus investimentos eram projectos próprios”, explica Tavares de Almeida.
2007, Luanda
Os mercados são um negócio, não são caridade. As grandes casas de investimento tinham brincado com dinheiro que não era seu, que é o mesmo que dizer que jogaram com o próprio balanço. Neste ano, o grau de endividamento do emblemático grupo norte-americano Lehman Brothers mais que supera 30 vezes o seu valor real: a dívida contraída garante nova dívida.
No BdP há falta de atenção sobre o que se passa no sistema.
E isto não é irrelevante.
O então governador Vítor Constâncio – actual vice-governador do Banco Central Europeu – recebe do Montepio uma denúncia sobre movimentos financeiros associados ao BPN/SLN através de contas do Banco Insular em Cabo Verde.
Mas, aparentemente, não lhe deu seguimento e, no julgamento do BPN, o Ministério Público fez o reparo: se o BdP tivesse levado a sério a informação, a investigação teria começado mais cedo e evitaria o desaparecimento de documentação importante.
E aos contribuintes teria poupado milhões.
Os associados da AMMG reúnem-se no dia 28 de Março. Uns reclamam a revisão dos estatutos e outros uma maior transparência no grupo mutualista. No prazo de 90 dias foi entregue um plano de trabalho, que ficou na gaveta. Mas ninguém contestou.
Quando os mercados dão um trambolhão, no dia 24 de Julho, já a derrocada financeira estava a caminho.
Os sinais de perigo irrompem pelos noticiários televisivos: nos últimos três anos, 14 milhões de norte-americanos contraíram créditos à habitação, sete milhões deles fizeram-no com juros a subir 17 vezes.
A meio do Verão, a situação piora. E nas salas de mercado os sinos tocam a rebate. É quando Costa Leite-pai e Costa Leite-filho convocam o administrador Couto Lopes. “Queriam que eu fosse dirigir um banco em Luanda. Perguntei: ‘Já tenho 60 anos e agora querem que eu vá para Angola?’” Álvaro Costa Leite argumentou: “Sabes bem porquê. A situação está complicada e o banco com problemas.”
Em Outubro, Humberto Costa Leite e Couto Lopes viajam para Luanda para assinarem a escritura de constituição do Finibanco Angola, uma parceria com investidores angolanos. A operação era para estar activa daí a um ano.
Em Novembro, na ronda anual de resultados trimestrais, os banqueiros deixam o discurso optimista. O BPI encerra o Fundo Renda Trimestral e assume perdas noutro fundo. Os lucros caem 41% e Fernando Ulrich desabafa: “Em 24 anos de actividade, de todas as crises que vivi, a do mercado hipotecário de alto risco nos EUA é a que mais me preocupa. E a turbulência ainda não acabou.” Também o BCP aparece com resultados a descer 27,5%, mas ainda positivos, de 445 milhões.
O contrato de venda de 30 hectares situados à entrada de Coimbra está na origem de uma guerra familiar que se alastrou ao Montepio, o banco mais antigo do país, com 175 anos. E que colocou a OPA ao Finibanco como alvo das autoridades
É Ricardo Salgado, do BES, e Horácio Roque, do Banif, que surpreendem com lucros a subir, respectivamente, 60%, para 487,8 milhões, e 21,9%, para 64,7 milhões.
Aparentemente, no BdP não houve quem se impressionasse.
Em Dezembro, numa conferência sobre Turismo, o empresário André Jordan (que construiu a Quinta do Lago e reabilitou Vilamoura) chama a atenção para a falta de regulação dos mercados e para a “bolha” imobiliária. E conclui: “É o fim de um ciclo económico.”
Em consonância, revela que começara já a desinvestir do imobiliário.
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