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A guerra entre o Grupo Queiroz Pereira e o Grupo Espírito Santo veio abalar fortemente uma relação de oito décadas. Envolveu irmãos, primos, parceiros. Terminou agora, com a mão do Banco de Portugal, que quis impedir uma grave perturbação no sistema financeiro, que certamente traria consequências à economia. Esta é a história da batalha entre os dois titãs.
As batalhas entre accionistas são o terror de qualquer grupo empresarial e as mais mortíferas são as que ocorrem entre irmãos de sangue. E esta foi uma guerra típica familiar. Uma guerra entre “tios”, irmãos e primos Queiroz Pereira. Uma guerra sem diabos nem santos. Uma guerra de interesses e onde o combustível, como quase sempre, foi o dinheiro. Mas os conflitos à volta do Grupo Queiroz Pereira têm vários anos e reflectem um outro dado: a ascensão e a perda de influência do Grupo Espírito Santo. Um núcleo importante do poder económico privado com posições em grandes empresas e que a dada altura acreditou (diz-se) que poderia controlar a Semapa, hoje o maior grupo industrial português.
Quando os problemas financeiros, as polémicas — algumas associadas a investigações policiais — e as lutas pelo poder dentro do Grupo Espírito Santo se tornaram evidentes, Ricardo Salgado deixou de ter condições para se manter no Grupo Queiroz Pereira (dono da Semapa, que agrupa a Secil, Portucel, Soporcel e Inapa). E assinou um pacto de separação de águas com Pedro Queiroz Pereira (PQP), pondo fim a uma parceria empresarial de oito décadas. Ricardo Salgado, em processo de sucessão, já não se podia dar ao luxo de ter um corpo estranho (o próprio PQP) na cúpula do Grupo Espírito Santo, com 7% do capital (e ainda muita informação, poder arbitral e capacidade de influenciar). A Revista 2 revela agora os detalhes dos bastidores desta disputa que se travou entre os dois grupos — uma história cheia de incidentes e omissões.
Há 12 anos, Pedro Queiroz Pereira, presidente do Grupo Queiroz Pereira (GQP), interrogou Ricardo Salgado sobre quem eram os verdadeiros donos da Mediterranean (uma sociedade luxemburguesa que agregou três offshores, com presença forte na Semapa) e que o BES representava. O industrial conta que sempre ouviu a explicação: “Pertencem a investidores que não querem ser conhecidos, são discretos.” Não ficou elucidado.
Dez anos mais tarde, a resposta de Salgado continuava a mesma. E dois dias depois de PQP ter recusado nomear um delegado da Mediterranean para os órgãos de gestão das holdings familiares, por desconhecer a sua verdadeira titularidade, o BES assumiu, finalmente, o controlo. Foi a gota de água que fez transparecer a discórdia. Se a acção de Salgado foi táctica ou outra coisa, não se sabe.
Mas na Semapa (com actividade nas áreas do cimento, do papel e pasta de papel e do ambiente, e a jóia da coroa do Grupo Queiroz Pereira) estas movimentações accionistas são conhecidas como “o assalto à diligência”. PQP foi, nos últimos dois anos, o general das tropas anti-“investida” de Salgado, com um lugar-tenente, Fernando Ulrich (à frente do BPI, que detém 10% da Semapa e que assessorou PQP) e um oficial, José Maria Ricciardi (presidente do BES Investimento, BESI, e opositor assumido de Salgado na família Espírito Santo).
Queiroz Pereira acusa Salgado de o ter “iludido” para prosseguir um plano paciente e sistemático para dominar a Semapa, que reconstruiu após a morte do seu pai, Manuel, fundador do Grupo Queiroz Pereira em 1940.
Há acções judiciais a correr entre todos, mas sem acusações de ilícitos ou de roubos. Os detractores de PQP não lhe contestam o mérito, mas o caminho que escolheu para dominar: não ouviu ninguém, atropelou quem quis. O industrial discorda: nunca adquiriu para si uma única acção do grupo que herdou. E insiste no argumento central: “O meu pai deixou aos filhos uma empresa, que eu multipliquei infinitamente…” O Grupo Queiroz Pereira tornou-se líder industrial e o maior exportador nacional em valor acrescentado. Em 2012, o volume de negócios da Semapa foi de cerca de dois mil milhões de euros (1,5 mil milhões de pasta e papel).
A Revista 2 ouviu os círculos próximos dos intervenientes e personalidades independentes. Apenas PQP, antes de os acordos com o BES e a família terem sido firmados nas últimas semanas, aceitou comentar aspectos históricos do grupo. Já os restantes actores (BES, Maude Lagos e os primos Carrelhas, accionistas minoritários), por intermédio dos seus advogados e assessores, declinaram abordar o conflito que minou uma relação que remonta às primeiras décadas do século passado.
Da fundação à revolução
1937. Datam daí os primeiros contactos entre os grupos Queiroz Pereira e Espírito Santo. Manuel Queiroz Pereira, filho de Carlos Pereira, accionista do Banco Comercial de Lisboa, cruzou-se com Ricardo Espírito Santo Silva (avô de Salgado e de José Maria Ricciardi), herdeiro do proprietário da Casa Bancária Espírito Santo. As duas instituições funcionavam paredes meias na Rua do Comércio e decidiram avançar para a fusão. “O Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa (BESCL) foi desde o primeiro momento presidido por figuras do Grupo Espírito Santo, pois o meu pai, ao contrário dos irmãos Espírito Santo, apresentava-se como industrial. Mas houve sempre um grande entrosamento entre eles”, sublinha, 73 anos depois, PQP. Era, portanto, o começo de uma bela amizade… mas com percalços.
A sede do BES quando Ricardo Espírito Santo Silva já lá trabalhava, em 1920
Ora, o primeiro desentendimento entre as duas famílias deu-se, na década de 1930, quando Oliveira Salazar decidiu, por decreto, criar uma indústria nacional de refinação e se concertou com Ricardo Espírito Santo numa “parceria-público ou privada”: a Sacor, de capitais públicos e onde o BESCL tinha uma posição, destinava-se a assegurar 100% da refinação e 50% da distribuição de crude. Assim que a Sacor estivesse a funcionar, a capacidade de distribuição da Sonap ia reduzir-se de 40% para 25%. Como a Sonap era detida por Manuel Queiroz Pereira (em conjunto com Manuel Boullosa), o industrial foi surpreendido e não gostou de ver o banqueiro desalinhar dos seus interesses particulares, pois era accionista do BESCL, para além de administrador.
Formado em Ciências Económicas e Financeiras de Lisboa, com 17 valores, Ricardo Espírito Santo era mais do que banqueiro. Era polifacetado, mecenas, amante de Amália, era ainda um homem de poder e de grande influência política — visitava Salazar todos os domingos à tarde. “Era brilhante, uma figura proeminente que marcou uma época”, enquanto “o meu pai, embora muitíssimo respeitado, era discreto”, considera PQP.
1937. 17 de Maio. Sain o quê? A Manuel Queiroz Pereira, o nome Martin Sain nada dizia, mas a dupla Salazar e Ricardo Espírito Santo vão envolver na construção da Sacor este romeno, refugiado em Paris. Nesse ano, o Estado concedeu alvará à Redeventza, de Martin Sain, para construir em Cabo Ruivo uma unidade de refinação e de distribuição de petróleo.
1949. A 5 de Março, nas vésperas do renascimento da Europa pós-guerra, nasceu, em Lisboa, Pedro Queiroz Pereira, cinco anos depois de Ricardo Salgado (Cascais). Um período que coincidiu com a primeira grande vaga de industrialização do país (obras públicas, barragens, electrificação), a que se seguiram os planos de fomento. A receita é sempre a mesma. Para promover a modernização da economia, Salazar criou o Banco de Fomento Exterior que entrou no capital da Sodim (hoje da família Queiroz Pereira) para construir, em Lisboa, o primeiro hotel de cinco estrelas. E pediu a Ricardo Espírito Santo que juntasse empresários para levar por diante o plano. Após a morte do banqueiro, em 1955, Manuel Queiroz Pereira ficou encarregue de executar a obra.
Ricardo Espírito Santo Silva, avô de Ricardo Salgado e de José Maria Ricciardi
Manuel Queiroz Pereira, pai e fundador do Grupo Queiroz Pereira e o poderoso banqueiro amigo de Salazar
P
As batalhas entre accionistas são o terror de qualquer grupo empresarial e as mais mortíferas são as que ocorrem entre irmãos de sangue. E esta foi uma guerra típica familiar. Uma guerra entre “tios”, irmãos e primos Queiroz Pereira. Uma guerra sem diabos nem santos. Uma guerra de interesses e onde o combustível, como quase sempre, foi o dinheiro. Mas os conflitos à volta do Grupo Queiroz Pereira têm vários anos e reflectem um outro dado: a ascensão e a perda de influência do Grupo Espírito Santo. Um núcleo importante do poder económico privado com posições em grandes empresas e que a dada altura acreditou (diz-se) que poderia controlar a Semapa, hoje o maior grupo industrial português.
Quando os problemas financeiros, as polémicas — algumas associadas a investigações policiais — e as lutas pelo poder dentro do Grupo Espírito Santo se tornaram evidentes, Ricardo Salgado deixou de ter condições para se manter no Grupo Queiroz Pereira (dono da Semapa, que agrupa a Secil, Portucel, Soporcel e Inapa). E assinou um pacto de separação de águas com Pedro Queiroz Pereira (PQP), pondo fim a uma parceria empresarial de oito décadas. Ricardo Salgado, em processo de sucessão, já não se podia dar ao luxo de ter um corpo estranho (o próprio PQP) na cúpula do Grupo Espírito Santo, com 7% do capital (e ainda muita informação, poder arbitral e capacidade de influenciar). A Revista 2 revela agora os detalhes dos bastidores desta disputa que se travou entre os dois grupos — uma história cheia de incidentes e omissões.
Há 12 anos, Pedro Queiroz Pereira, presidente do Grupo Queiroz Pereira (GQP), interrogou Ricardo Salgado sobre quem eram os verdadeiros donos da Mediterranean (uma sociedade luxemburguesa que agregou três offshores, com presença forte na Semapa) e que o BES representava. O industrial conta que sempre ouviu a explicação: “Pertencem a investidores que não querem ser conhecidos, são discretos.” Não ficou elucidado.
Dez anos mais tarde, a resposta de Salgado continuava a mesma. E dois dias depois de PQP ter recusado nomear um delegado da Mediterranean para os órgãos de gestão das holdings familiares, por desconhecer a sua verdadeira titularidade, o BES assumiu, finalmente, o controlo. Foi a gota de água que fez transparecer a discórdia. Se a acção de Salgado foi táctica ou outra coisa, não se sabe.
Mas na Semapa (com actividade nas áreas do cimento, do papel e pasta de papel e do ambiente, e a jóia da coroa do Grupo Queiroz Pereira) estas movimentações accionistas são conhecidas como “o assalto à diligência”. PQP foi, nos últimos dois anos, o general das tropas anti-“investida” de Salgado, com um lugar-tenente, Fernando Ulrich (à frente do BPI, que detém 10% da Semapa e que assessorou PQP) e um oficial, José Maria Ricciardi (presidente do BES Investimento, BESI, e opositor assumido de Salgado na família Espírito Santo).
Queiroz Pereira acusa Salgado de o ter “iludido” para prosseguir um plano paciente e sistemático para dominar a Semapa, que reconstruiu após a morte do seu pai, Manuel, fundador do Grupo Queiroz Pereira em 1940.
O Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa (BESCL) foi desde o primeiro momento presidido por figuras do Grupo Espírito Santo, pois o meu pai, ao contrário dos irmãos Espírito Santo, apresentava-se como industrial. Mas houve sempre um grande entrosamento entre eles
Pedro Queiroz Pereira
Já os círculos próximos de Salgado garantem que o banqueiro nunca quis mandar na Semapa e procurou ainda, por razões de afinidade histórica, proteger as irmãs Margarida Queiroz Pereira Simões e Maude Queiroz Pereira Lagos. Estas, por sua vez, não vendo os seus interesses particulares salvaguardados, recorreram a Salgado, em períodos distintos do tempo, para se defenderem do irmão.Pedro Queiroz Pereira
Há acções judiciais a correr entre todos, mas sem acusações de ilícitos ou de roubos. Os detractores de PQP não lhe contestam o mérito, mas o caminho que escolheu para dominar: não ouviu ninguém, atropelou quem quis. O industrial discorda: nunca adquiriu para si uma única acção do grupo que herdou. E insiste no argumento central: “O meu pai deixou aos filhos uma empresa, que eu multipliquei infinitamente…” O Grupo Queiroz Pereira tornou-se líder industrial e o maior exportador nacional em valor acrescentado. Em 2012, o volume de negócios da Semapa foi de cerca de dois mil milhões de euros (1,5 mil milhões de pasta e papel).
A Revista 2 ouviu os círculos próximos dos intervenientes e personalidades independentes. Apenas PQP, antes de os acordos com o BES e a família terem sido firmados nas últimas semanas, aceitou comentar aspectos históricos do grupo. Já os restantes actores (BES, Maude Lagos e os primos Carrelhas, accionistas minoritários), por intermédio dos seus advogados e assessores, declinaram abordar o conflito que minou uma relação que remonta às primeiras décadas do século passado.
Da fundação à revolução
1937. Datam daí os primeiros contactos entre os grupos Queiroz Pereira e Espírito Santo. Manuel Queiroz Pereira, filho de Carlos Pereira, accionista do Banco Comercial de Lisboa, cruzou-se com Ricardo Espírito Santo Silva (avô de Salgado e de José Maria Ricciardi), herdeiro do proprietário da Casa Bancária Espírito Santo. As duas instituições funcionavam paredes meias na Rua do Comércio e decidiram avançar para a fusão. “O Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa (BESCL) foi desde o primeiro momento presidido por figuras do Grupo Espírito Santo, pois o meu pai, ao contrário dos irmãos Espírito Santo, apresentava-se como industrial. Mas houve sempre um grande entrosamento entre eles”, sublinha, 73 anos depois, PQP. Era, portanto, o começo de uma bela amizade… mas com percalços.

Ora, o primeiro desentendimento entre as duas famílias deu-se, na década de 1930, quando Oliveira Salazar decidiu, por decreto, criar uma indústria nacional de refinação e se concertou com Ricardo Espírito Santo numa “parceria-público ou privada”: a Sacor, de capitais públicos e onde o BESCL tinha uma posição, destinava-se a assegurar 100% da refinação e 50% da distribuição de crude. Assim que a Sacor estivesse a funcionar, a capacidade de distribuição da Sonap ia reduzir-se de 40% para 25%. Como a Sonap era detida por Manuel Queiroz Pereira (em conjunto com Manuel Boullosa), o industrial foi surpreendido e não gostou de ver o banqueiro desalinhar dos seus interesses particulares, pois era accionista do BESCL, para além de administrador.
Formado em Ciências Económicas e Financeiras de Lisboa, com 17 valores, Ricardo Espírito Santo era mais do que banqueiro. Era polifacetado, mecenas, amante de Amália, era ainda um homem de poder e de grande influência política — visitava Salazar todos os domingos à tarde. “Era brilhante, uma figura proeminente que marcou uma época”, enquanto “o meu pai, embora muitíssimo respeitado, era discreto”, considera PQP.
1937. 17 de Maio. Sain o quê? A Manuel Queiroz Pereira, o nome Martin Sain nada dizia, mas a dupla Salazar e Ricardo Espírito Santo vão envolver na construção da Sacor este romeno, refugiado em Paris. Nesse ano, o Estado concedeu alvará à Redeventza, de Martin Sain, para construir em Cabo Ruivo uma unidade de refinação e de distribuição de petróleo.
Saiba Vossa Exa. que empreendimentos desta grandeza [Sacor] não se fazem com meninos de coro
António Oliveira Salazar
1939. 1 de Setembro, início da Segunda Guerra Mundial. Visitar São Bento era um direito reservado a um núcleo restrito. O pai de PQP foi ter com Salazar: “O custo da refinaria [Sacor] está a ser pesado e a deixar ‘comissões’ em todo o lado, Martin Sain não é pessoa fiável.” De onde vinha o poder de Sain? Com olhar malicioso, o ditador respondeu: “Saiba Vossa Exa. que empreendimentos desta grandeza [Sacor] não se fazem com meninos de coro.”António Oliveira Salazar
1949. A 5 de Março, nas vésperas do renascimento da Europa pós-guerra, nasceu, em Lisboa, Pedro Queiroz Pereira, cinco anos depois de Ricardo Salgado (Cascais). Um período que coincidiu com a primeira grande vaga de industrialização do país (obras públicas, barragens, electrificação), a que se seguiram os planos de fomento. A receita é sempre a mesma. Para promover a modernização da economia, Salazar criou o Banco de Fomento Exterior que entrou no capital da Sodim (hoje da família Queiroz Pereira) para construir, em Lisboa, o primeiro hotel de cinco estrelas. E pediu a Ricardo Espírito Santo que juntasse empresários para levar por diante o plano. Após a morte do banqueiro, em 1955, Manuel Queiroz Pereira ficou encarregue de executar a obra.


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