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GF Ouro
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Sem deixar de elogiar a privatização dos notários, a bastonária da respectiva ordem, Carla Cristina Soares, acusa este Governo de dar sinais contraditórios, de os afastar de programas como o Simplex, de “dar uma imagem negativa” dos seus representantes. Posto isto, surge a pergunta: está em causa o futuro desta profissão, a sua viabilidade financeira? Aqui, Carla Cristina Soares diz que vão “ser os portugueses a decidir se é importante a existência” dos notários.
Vida Económica - Que balanço é que fazem da privatização do notariado? São várias as queixas que têm vindo a público. O que destacaria como o de mais positivo e de mais negativo relativamente a esta reforma?
Carla Cristina Soares - A privatização do notariado recolocou o nosso sistema jurídico na tradição quer europeia quer portuguesa. E o nosso sistema só assim ganhou maior coerência: o notário era um profissional liberal, em Portugal, realidade que foi interrompida com o Estado Novo para voltar a ser retomada em 2005, com a liberalização do notariado. De notar que, embora exerça como profissional liberal, o notário desempenha uma função pública. O que se reflecte nos seus deveres para com a comunidade e para com o Estado.
Os serviços notariais pecavam antes da liberalização por vários defeitos: uma oferta muito inferior à procura - desde os anos 60 que o número de cartórios não aumentava - que provocava falta de celeridade. A isto, devemos ainda acrescentar o desinvestimento, um total desinvestimento. O Estado deixou de apostar na melhoria material dos cartórios, Posto isto, vou falar dos aspectos positivos e negativos desta reforma. Em relação aos primeiros, devo dizer que não há memória de uma reforma tão bem sucedida na área da Justiça. No espaço de, apenas, um ano, acabou a morosidade na prestação do serviço sem diminuir a segurança dos portugueses e sem que o custo dos mesmos serviços aumentasse. Tornou-se, assim, visível a melhoria da qualidade no atendimento, a proximidade dos utentes, a simplificação da sua vida na obtenção dos documentos, que hoje o notário recolhe pelo utente.
No que toca à parte mais negativa, devo recuar um pouco no tempo para se perceber melhor o que está em causa. Comecemos pela reforma que foi encetada pelo PSD, a qual foi abandonada e, posteriormente, combatida pelo PS escassos meses depois de os notários tomarem posse como profissionais liberais. O que aconteceu? A antiga legislação ainda em vigor não se adequou às novas realidades da profissão, afastando, assim, os notários da participação, por exemplo, do programa Simplex. A máquina potentíssima de propaganda do Estado apostou em utilizar e difundir uma imagem negativa dos notários, inclusive nos próprios textos legais.
VE - Os notários reclamam por parte do Estado uma indemnização de mais de sete milhões de euros pelo pagamento de serviços a que não correspondeu nenhuma contrapartida. O Ministério da Justiça já reagiu ou vão, mesmo, para a frente com a acção judicial?
CCS - Em 2008, entraram 241 pedidos de devolução da taxa ilegalmente paga ao Ministério da Justiça - estes somam um total de mais de 19 milhões de euros -, em 2009, entraram mais 90 pedidos num total de mais de sete milhões de euros. Ao todo, estamos a falar de 331 pedidos num valor global de mais de 26 milhões de euros.
A única reacção do Ministério da justiça é andar a declarar-se incompetente através do Instituto de Gestão Financeira e de Infra-Estruturas da justiça, IP e da Secretaria de Estado. E a devolver, em mão, os caixotes dos nossos pedidos aos advogados para que estes voltem a dar entrada dos mesmos pedidos. Mas nós, com muita paciência, não desistimos…
VE - Este problema a somar a outros poderá ditar a falência do notariado privado e, em última análise, o fim desta profissão?
CCS - As profissões existem porque são necessárias à comunidade. Os notários surgiram, porque era necessário que os contratos fossem seguros. Ou seja, que fosse certo que, num dado momento, aquelas pessoas quiseram aquele contrato e que isso se pudesse provar, sem dúvidas, no futuro. Pela mesma razão nasceram os registos ainda que estes se destinem a publicitar os contratos perante a comunidade, enquanto o notário protege os interesses das partes que celebram o contrato na sua presença.
Não há registo credível sem títulos credíveis: notários e conservadores são ambos peças necessárias para a segurança na contratação, os seus papéis são diferentes e complementares. Mas vão ser os portugueses a decidirem se é importante que os notários existam ou se é preferível celebrar um contrato perante um funcionário com a quarta classe ou perante uma entidade que não tem obrigação de dar acesso ao seu arquivo. E talvez também seja importante ouvir a opinião dos jornalistas, porque, a continuar assim, dentro de pouco tempo não haverá mais “Freeports”…
E para finalizar não quero deixar de referir que algumas explicações começam a surgir ao fundo do túnel: altos responsáveis já defendem publicamente a privatização das conservatórias. Por isso, é preciso primeiro desviar o trabalho dos notários para que os felizardos que as adquiram no futuro tenham muito lucro…
“Privatização não põe em causa fé jurídica”
Será que a privatização põe em causa a fé jurídica dos actos celebrados pelos notários? A esta pergunta, a bastonária da Ordem dos Notários, Caria Cristina Soares, responde com um rotundo não. “Não de todo”, destaca. E acrescenta: “Os notários continuam a exercer uma função pública, a fiscalizar a legalidade dos actos que formalizam”. Carla Cristina Soares explica que os notários, embora em gestão privada, “continuam a ser disciplinarmente responsáveis perante a Ordem dos Notários e o Ministro da Justiça”. Os cartórios, afirma ainda a bastonária, “não são um qualquer escritório, continuam a ser repartições públicas”. E Caria Cristina Soares continua na defesa da sua ‘dama’ ao destacar que o notário é um “agente da administração da justiça, imparcial, que protege todas as partes envolvidas e as aconselha de acordo com os seus interesses no caso concreto” em que estão envolvidos. E o que pensa esta responsável sobre a vontade modernizadora deste Executivo? Sobre as reformas que visam simplificar, no seu geral, os actos administrativos? Aqui, Carla Cristina Soares diz que a “simplificação é positiva quando não põe em causa a segurança jurídica e quando, efectivamente, funciona”. Para funcionarem, diz ainda, reformas como o Simplex têm que recolher o contributo de todos e isso não aconteceu com os notários”. E a bastonária justifica estas posições, desde logo a ausência de segurança jurídica, com o facto dos meios informáticos não garantirem este valor. Carla Cristina Soares acusa-os de não serem globais e de não reutilizarem os dados introduzidos. “Criaram-se sistemas parciais e o utilizador digita e volta a digitar os mesmos dados cada vez que acede ao serviço”, destaca. E acrescenta: “Essa é uma das muitas críticas que é feita ao Simplex num recente estudo publicado pela OCDE”. Mas, as críticas não ficam por aqui. Referindo-se ainda a este estudo, Carla Cristina Soares fala de um projecto que não envolve “as autarquias e as regiões autónomas” e em relação ao qual não foi feita uma análise de custo/resultado. Posso adiantar, diz, “que os programas informáticos só na área dos registos custaram já mais de nove milhões de euros fora os gastos em publicidade, pessoal e instalações”.
Cidadãos satisfeitos com a melhoria do serviço
Como é que as empresas, os cidadãos encaram a privatização dos notários? Carla Cristina Soares diz que estes “sentiram de imediato a melhoria do serviço”. Segundo esta responsável, o que eles não entendem “é esta política de descontinuidade entre os sucessivos Governos, ou seja, este desgoverno”. E as palavras duras da bastonária continuam com Carla Cristina Soares a afirmar que a “sociedade portuguesa e os juristas, em particular, percebem a atitude vergonhosa que o actual Executivo tem tido para com os notários”, No entender da bastonária dos Notários “é muito mais fácil, cora muito dinheiro, investir em publicidade enganosa do que fazer passar a ideia de que os negócios se querem seguros. E que isto é compatível com a simplificação e celeridade”.
@ Vida Económica
Vida Económica - Que balanço é que fazem da privatização do notariado? São várias as queixas que têm vindo a público. O que destacaria como o de mais positivo e de mais negativo relativamente a esta reforma?
Carla Cristina Soares - A privatização do notariado recolocou o nosso sistema jurídico na tradição quer europeia quer portuguesa. E o nosso sistema só assim ganhou maior coerência: o notário era um profissional liberal, em Portugal, realidade que foi interrompida com o Estado Novo para voltar a ser retomada em 2005, com a liberalização do notariado. De notar que, embora exerça como profissional liberal, o notário desempenha uma função pública. O que se reflecte nos seus deveres para com a comunidade e para com o Estado.
Os serviços notariais pecavam antes da liberalização por vários defeitos: uma oferta muito inferior à procura - desde os anos 60 que o número de cartórios não aumentava - que provocava falta de celeridade. A isto, devemos ainda acrescentar o desinvestimento, um total desinvestimento. O Estado deixou de apostar na melhoria material dos cartórios, Posto isto, vou falar dos aspectos positivos e negativos desta reforma. Em relação aos primeiros, devo dizer que não há memória de uma reforma tão bem sucedida na área da Justiça. No espaço de, apenas, um ano, acabou a morosidade na prestação do serviço sem diminuir a segurança dos portugueses e sem que o custo dos mesmos serviços aumentasse. Tornou-se, assim, visível a melhoria da qualidade no atendimento, a proximidade dos utentes, a simplificação da sua vida na obtenção dos documentos, que hoje o notário recolhe pelo utente.
No que toca à parte mais negativa, devo recuar um pouco no tempo para se perceber melhor o que está em causa. Comecemos pela reforma que foi encetada pelo PSD, a qual foi abandonada e, posteriormente, combatida pelo PS escassos meses depois de os notários tomarem posse como profissionais liberais. O que aconteceu? A antiga legislação ainda em vigor não se adequou às novas realidades da profissão, afastando, assim, os notários da participação, por exemplo, do programa Simplex. A máquina potentíssima de propaganda do Estado apostou em utilizar e difundir uma imagem negativa dos notários, inclusive nos próprios textos legais.
VE - Os notários reclamam por parte do Estado uma indemnização de mais de sete milhões de euros pelo pagamento de serviços a que não correspondeu nenhuma contrapartida. O Ministério da Justiça já reagiu ou vão, mesmo, para a frente com a acção judicial?
CCS - Em 2008, entraram 241 pedidos de devolução da taxa ilegalmente paga ao Ministério da Justiça - estes somam um total de mais de 19 milhões de euros -, em 2009, entraram mais 90 pedidos num total de mais de sete milhões de euros. Ao todo, estamos a falar de 331 pedidos num valor global de mais de 26 milhões de euros.
A única reacção do Ministério da justiça é andar a declarar-se incompetente através do Instituto de Gestão Financeira e de Infra-Estruturas da justiça, IP e da Secretaria de Estado. E a devolver, em mão, os caixotes dos nossos pedidos aos advogados para que estes voltem a dar entrada dos mesmos pedidos. Mas nós, com muita paciência, não desistimos…
VE - Este problema a somar a outros poderá ditar a falência do notariado privado e, em última análise, o fim desta profissão?
CCS - As profissões existem porque são necessárias à comunidade. Os notários surgiram, porque era necessário que os contratos fossem seguros. Ou seja, que fosse certo que, num dado momento, aquelas pessoas quiseram aquele contrato e que isso se pudesse provar, sem dúvidas, no futuro. Pela mesma razão nasceram os registos ainda que estes se destinem a publicitar os contratos perante a comunidade, enquanto o notário protege os interesses das partes que celebram o contrato na sua presença.
Não há registo credível sem títulos credíveis: notários e conservadores são ambos peças necessárias para a segurança na contratação, os seus papéis são diferentes e complementares. Mas vão ser os portugueses a decidirem se é importante que os notários existam ou se é preferível celebrar um contrato perante um funcionário com a quarta classe ou perante uma entidade que não tem obrigação de dar acesso ao seu arquivo. E talvez também seja importante ouvir a opinião dos jornalistas, porque, a continuar assim, dentro de pouco tempo não haverá mais “Freeports”…
E para finalizar não quero deixar de referir que algumas explicações começam a surgir ao fundo do túnel: altos responsáveis já defendem publicamente a privatização das conservatórias. Por isso, é preciso primeiro desviar o trabalho dos notários para que os felizardos que as adquiram no futuro tenham muito lucro…
“Privatização não põe em causa fé jurídica”
Será que a privatização põe em causa a fé jurídica dos actos celebrados pelos notários? A esta pergunta, a bastonária da Ordem dos Notários, Caria Cristina Soares, responde com um rotundo não. “Não de todo”, destaca. E acrescenta: “Os notários continuam a exercer uma função pública, a fiscalizar a legalidade dos actos que formalizam”. Carla Cristina Soares explica que os notários, embora em gestão privada, “continuam a ser disciplinarmente responsáveis perante a Ordem dos Notários e o Ministro da Justiça”. Os cartórios, afirma ainda a bastonária, “não são um qualquer escritório, continuam a ser repartições públicas”. E Caria Cristina Soares continua na defesa da sua ‘dama’ ao destacar que o notário é um “agente da administração da justiça, imparcial, que protege todas as partes envolvidas e as aconselha de acordo com os seus interesses no caso concreto” em que estão envolvidos. E o que pensa esta responsável sobre a vontade modernizadora deste Executivo? Sobre as reformas que visam simplificar, no seu geral, os actos administrativos? Aqui, Carla Cristina Soares diz que a “simplificação é positiva quando não põe em causa a segurança jurídica e quando, efectivamente, funciona”. Para funcionarem, diz ainda, reformas como o Simplex têm que recolher o contributo de todos e isso não aconteceu com os notários”. E a bastonária justifica estas posições, desde logo a ausência de segurança jurídica, com o facto dos meios informáticos não garantirem este valor. Carla Cristina Soares acusa-os de não serem globais e de não reutilizarem os dados introduzidos. “Criaram-se sistemas parciais e o utilizador digita e volta a digitar os mesmos dados cada vez que acede ao serviço”, destaca. E acrescenta: “Essa é uma das muitas críticas que é feita ao Simplex num recente estudo publicado pela OCDE”. Mas, as críticas não ficam por aqui. Referindo-se ainda a este estudo, Carla Cristina Soares fala de um projecto que não envolve “as autarquias e as regiões autónomas” e em relação ao qual não foi feita uma análise de custo/resultado. Posso adiantar, diz, “que os programas informáticos só na área dos registos custaram já mais de nove milhões de euros fora os gastos em publicidade, pessoal e instalações”.
Cidadãos satisfeitos com a melhoria do serviço
Como é que as empresas, os cidadãos encaram a privatização dos notários? Carla Cristina Soares diz que estes “sentiram de imediato a melhoria do serviço”. Segundo esta responsável, o que eles não entendem “é esta política de descontinuidade entre os sucessivos Governos, ou seja, este desgoverno”. E as palavras duras da bastonária continuam com Carla Cristina Soares a afirmar que a “sociedade portuguesa e os juristas, em particular, percebem a atitude vergonhosa que o actual Executivo tem tido para com os notários”, No entender da bastonária dos Notários “é muito mais fácil, cora muito dinheiro, investir em publicidade enganosa do que fazer passar a ideia de que os negócios se querem seguros. E que isto é compatível com a simplificação e celeridade”.
@ Vida Económica