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"Estado Islâmico teria todo o gosto em matar portugueses"

kokas

GF Ouro
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Michael Ignatieff

Professor em Harvard, o canadiano esteve em Lisboa para uma conferência organizada pela Fundação Francisco Manuel dos Santos. Ao DN explicou que os ataques aéreos não chegam para derrotar os jihadistas no Iraque e na Síria
Sempre defendeu o intervencionismo dos EUA. Agora a América tem um novo inimigo, o Estado Islâmico. Mandar tropas por terra é a única forma de derrotar os jihadistas na Síria e Iraque?

Em primeiro lugar não é o inimigo da América, também é o seu inimigo. Já decapitaram pessoas com passaportes europeus. E teriam todo o prazer em matar portugueses se estivessem lá. É o nosso inimigo, não só o dos americanos. É verdade que não os conseguiremos derrotar com ataques aéreos. Podemos detê-los. Mas não derrotá-los. No entanto, não vejo como é que os EUA vão pôr tropas no terreno. Pode haver forças especiais para apoiar os ataques aéreos. Mas quem vai ter de combater no solo são as tribos sunitas. Os curdos vão defender o Curdistão mas não vão reconquistar o Iraque e a Síria. Os xiitas vão defender os seus lugares santos a sul de Bagdad, mas não irão para norte. O destino desta operação vai depender das tribos sunitas. Ninguém quer que uma organização terrorista tenha um território, controle poços de petróleo e tenha armas pesadas.
Conhece bem os curdos, armar os peshmerga pode desestabilizar a região, sobretudo a Turquia?
Não armaria as tribos sunitas, nem as milícias xiitas. Os peshmerga são os únicos que podemos armar porque têm uma cadeia de comando e estão sob controlo político. Vivi com os peshmerga um mês e respeito-os. Mas há problemas. Por causa do PKK que luta na Turquia. Por isso é preciso armar o peshmerga bom e não o mau.
E como é que se distinguem?
É muito difícil e obriga a ter agentes no terreno para perceber quem é quem. Mas vamos ser claros: se armarmos os peshmerga, vamos perder o controlo da situação_Os curdos podem levar isto para uma declaração de independência do Iraque unilateral. Estamos a olhar para o colapso do Iraque enquanto Estado. E a assistir à emergência de um Sul xiita, próximo do Irão; de uma entidade curda independente a norte; e de uma zona sunita, no meio, fora de controlo.
Os Estados Unidos estão a fazer ataques aéreos no Iraque, mas também na Síria. Os europeus só na Síria. Porquê?
No Iraque têm o consentimento do governo, por isso os ataques são legais. Não são legais se forem na Síria, onde as autoridades não os autorizaram. O outro problema é que ninguém quer pedir autorização a Assad. Por isso os americanos decidiram bombardear alvos de oportunidade na Síria, sem aprovação internacional. Vão conseguir conter a ameaça, não derrotá-la.
Assad tornou-se um mal menor?
Ainda diria que é o maior problema. Tendemos a esquecer que este homem lidera uma guerra contra o seu próprio povo há três anos. Esquecemos como começou, com a polícia secreta de Assad a torturar crianças e adolescentes. Se tivéssemos conseguido chegar a um acordo sob a égide da ONU em 2012 teríamos evitado o que está a acontecer agora: a desintegração de um país e o prolongamentoindefinido de uma guerra. Assad controla Damasco e a costa. Um vasto grupo de milícias controla o resto do país. E todos combatem o Estado Islâmico. A melhor solução que consigo ver é má. Há problemas que não têm solução. Este pode ser um deles. O outro dilema da Europa é que devíamos receber mais refugiados sírios. Isto é impopular. Seriam bons cidadãos, mas se os abandonarmos em campos de refugiados estaremos a criar terroristas.
Escreveu livros sobre "construção de nações". Como explica o falhanço da Primavera Árabe?
Na Tunísia não é. Houve mudanças constitucionais em Marrocos. Na Jordânia também não. Temos de ter cuidado para não generalizar. Mas, de facto, no Egito o que se passa é que a classe média preferiu o exército aos Irmãos Muçul-manos. Agora temos uma ditadura militar. Na Líbia foi uma catástrofe. O que prova que podem destruir-se países do ar, mas não se podem construir. A outra questão é que a capacidade da Europa para agir militarmente está limitadapor décadas de dependênciaem relação aos EUA. Se a Líbia se está a desmoronar é porque a França e o Reino Unido começaram uma coisa que não conseguiram acabar. Quem gasta menosde 2% do PIB em defesa acaba a fazer promessas que não pode cumprir.
A Europa não fala a uma só voz...
Em 2009 toda a gente achava que o euro ia acabar. Que os gregos iam sair e Portugal também. E a Espanha. Mas ainda há euro. Em março todos acharam que nada ia acontecer quando Putin anexou a Cri-meia. Mas houve uma pressão económica sobre a Rússia. A Europa não é perfeita, não está a fazer o suficiente para se defender, mas está a tomar algumas decisões a uma só voz.
O seu pai nasceu na Rússia, como vê o papel da Rússia na Ucrânia?
É um ato de agressão. É uma violação da soberania de um Estado. E coloca em questão toda a ordem europeia. Houve uma altura em que se pensou que a Europa podia ir de Lisboa a Vladivostoque. Já não. E estamos a olhar para um velho padrão: uma Rússia que quer fazer parte da Europa. Mas é dominada por um déspota autoritário, cleptocrático e corrupto. Vladimir Putin - com o colapso da União Soviética, a única parte que ficou a funcionar foram os serviços secretos. Foi a partir dessa rede de ex-agentes que Putin construiu um Estado despótico. Neste, vende a economia aos teus amigos e eles trabalham para os teus interesses. E crias uma grande classe média dependente do regime, que prefere a ordem à democracia. O mesmo se aplica na China. Estamos perante regimes que são ditaduras repulsivas, mas conseguiram um grande apoio popular. Os jovens nas ruas de Hong Kong lutam por valores que reconhecemos. Mas não querem ser liberais democratas ocidentais. Eles sabem que vivem em Hong Kong, por amor de Deus! Mas querem o direito a escolher os seus líderes. Entendem o conceito de "Uma China, dois sistemas", mas não querem ser tratados como crianças e espancados pela sua polícia.
Essa ideia de querer ordem mais do que democracia vai ditar o fim da revolta em Hong Kong?
Vamos ver como termina. Até o regime de Pequim percebe que enviar o exército para pôr fim aos protestos seria uma catástrofe. A razão para não esmagarem a revolta é que precisam do prestígio de Hong Kong como centro financeiro. Espero que os estudantes percebam os limites do que vão conseguir. Mas também espero que o regime perceba os limites do que pode impor.



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