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MAIS-VALIAS. HABITAÇÃO PRÓPRIA E PERMANENTE " O que disse o Tribunal"

santos2206

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Supremo Tribunal Administrativo, Acórdão de 22 Nov. 2017, Processo 0384/16


Texto

I - Da letra do n.[SUP]o[/SUP] 5 do artigo 10.º do Código do IRS – que dispõe que "são excluídos de tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar" –, resulta a necessária simultaneidade da propriedade e da permanência da habitação na titularidade do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, não se referindo a lei a qualquer limite temporal mínimo para a observância de tais requisitos, mas exigindo a destinação do imóvel a esse fim.II - No caso dos autos, em que o imóvel foi adquirido e alienado no mesmo dia, não pode ter-se por verificada a destinação do imóvel adquirido à habitação própria e permanente do sujeito passivo, pois as necessárias menos de 24 horas que mediaram entre o momento em que o imóvel foi adquirido e em que o mesmo foi alienado são objectivamente insuficientes para se entender que o imóvel adquirido foi utilizado, com carácter de habitualidade, para habitação do sujeito passivo ou do seu agregado, antes constitui indício de que a aquisição do imóvel foi efectuada com destino à sua posterior revenda.III - A alegada "propriedade económica do imóvel" decorrente da celebração de "contrato de comodato" com cláusula de opção de compra não é suficiente para fundamentar o carácter próprio do imóvel durante a vigência deste, pois que a norma de exclusão tributária do n.[SUP]o[/SUP] 5 do artigo 10.º do Código do IRS não convoca qualquer conceito extra-jurídico, devendo os conceitos a que alude - propriedade e permanência da habitação no imóvel - serem interpretados de acordo com os conceitos jurídicos que convocam e não quaisquer outros, em conformidade com o disposto no n.[SUP]o[/SUP] 2 do artigo 11.º da LGT.

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:



Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


- Fundamentação -
(.......)
6 - Questões a decidir

Artigo 10.º

Mais-valias

1.Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:
a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (...)
3.Os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos atos previstos no n.[SUP]o[/SUP] 1 (...)
5.São excluídos de tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente, as seguintes condições (...)
Importará, pois, determinar, para adequada resposta às questões decidendas, se:
a) Se a lei exige o caráter próprio da habitação para efeitos de aplicação da norma de exclusão da incidência;
b) Se o caráter próprio da habitação deve ser simultâneo ao caráter de permanência e se existe algum limite temporal mínimo para a observância do caráter próprio;
c) Se a posse de um imóvel titulada por contrato de comodato oneroso com cláusula de opção de compra constitui propriedade (económica de um imóvel.
No que à primeira (sub)questão respeita - a de saber se a lei exige o carácter próprio da habitação para efeitos de aplicação da norma de exclusão tributária - a resposta é inequivocamente no sentido de tal exigência, que decorre desde logo da letra do n.[SUP]o[/SUP] 5 do artigo 10.º do Código do IRS, que se lhe refere explicitamente.
Mas o que deve entender-se por "habitação própria"?
Dispõe o artigo 11.º. n.[SUP]o[/SUP] 2 da LGT, "sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei".
O conceito de "habitação" (v.g., de "direito de habitação") é definido pelo artigo 1484.º do Código Civil, que dispõe:
Artigo 1484.º

Uso e Habitação

1. O direito de uso consiste na faculdade de se servir de certa coisa alheia e haver os respectivos frutos, na medida das necessidades, quer do titular, quer da sua família.
2. Quando este direito se refere a casas de morada, chama-sedireito de habitação.
Assim, e como ensina Ana Prata em "Dicionário Jurídico - Volume I", 4.ª Edição, Almedina, p. 423, direito de habitação é o "direito real que consiste na faculdade que alguém tem de se servir de uma casa de morada alheia, na medida quer das suas necessidades (...) quer das da sua família".

Por ser um direito real menor, o direito de habitação "pressupõe a existência de um direito mais extenso, v.g. o direito de propriedade, o direito de usufruto, etc." (cfr., Maria João Mimoso, "Âmbito do direito de habitação; detenção precária e modos de aquisição da posse (composse) e conflitualidade entre direito de habitação e outros direitos ou estados de facto", Portal Verbo Jurídico, Maio de 2013).
Ora, o direito de habitação na sua formulação "tradicional" refere-se, como se acaba de expor, ao direito de usar e habitar uma coisa alheia / um imóvel alheio.

Ou seja, quando se utiliza a expressão "habitação", sem mais, esta expressão deve ser interpretada com o significado que lhe é conferido pelo Direito Civil - isto é, como o direito de habitar um imóvel cuja propriedade pertence a um terceiro.
Assim, a adição da palavra "própria" ao conceito "habitação" por parte do legislador fiscal não é desprovida de sentido; aquela palavra permite, precisamente, sublinhar a necessidade de que, nesse caso, a habitação deverá encontrar-se na titularidade jurídica do sujeito passivo.

Esta é, a nosso ver, a única interpretação que se coaduna com as regras e princípios gerais de interpretação das leis, aplicáveis por força do artigo 11.º n.[SUP]o[/SUP] 1 da LGT - designadamente as regras que se encontram previstas no artigo 9.º do Código Civil, nos termos do qual "a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo" (n.[SUP]o[/SUP] 1) e "na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados" (n.[SUP]o[/SUP]3).
A esta mesma conclusão (i.e., à conclusão de que a "habitação própria" consiste na utilização de uma casa de morada que se encontra na titularidade jurídica do sujeito passivo) chegamos pela interpretação sistemática do preceito legal em análise. Efectivamente, no Código do IRS, o legislador fiscal utiliza as expressões "habitação permanente" e "habitação própria e permanente" com significado distinto: Quando o legislador utiliza a expressão "habitação permanente", quer referir-se ao uso de um imóvel por parte do sujeito passivo com carácter de habitualidade; Quando utiliza apenas a expressão "habitação permanente", quer referir-se ao uso e habitação de um imóvel alheio por parte do sujeito passivo (por exemplo, no âmbito de um contrato de arrendamento) e quando se quer referir ao uso e habitação, com carácter de habitualidade, de um imóvel de que o sujeito passivo é também proprietário, é utilizada a expressão "habitação própria e permanente".

É disso exemplo paradigmático o disposto no artigo 78.º-E do Código do IRS, referente à "dedução de encargos com imóveis":
Artigo 78.º-E

Dedução de encargos com imóveis

1 - À coleta do IRS devido pelos sujeitos passivos é dedutível um montante correspondente a 15 % do valor suportado por qualquer membro do agregado familiar:
a) Com as importâncias, líquidas de subsídios ou comparticipações oficiais, suportadas a título de renda peloarrendatáriode prédio urbano ou da sua fração autónoma para fins dehabitação permanente, quando referentes a contratos de arrendamento celebrados ao abrigo do Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto-Lei n.[SUP]o[/SUP] 321-B/90, de 15 de outubro, ou do Novo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei n.[SUP]o[/SUP] 6/2006, de 27 de fevereiro, até ao limite de € 502;

b) Com juros de dívidas, por contratos celebrados até 31 de dezembro de 2011, contraídas com aaquisição, construção ou beneficiação de imóveispara habitação própria e permanente ou arrendamentodevidamente comprovadopara habitação permanente do arrendatário, até ao limite de € 296;

(...) [nosso sublinhado]
Entendemos, pois, que a lei exige o carácter próprio da habitação, no sentido de "propriedade jurídica" do imóvel, para efeitos de exclusão de tributação da mais valia imobiliária.
No caso dos autos, a "propriedade jurídica" do imóvel "...........", cuja alienação gerou a mais-valia, foi adquirida em 23/05/2005 - cfr. a alínea G do probatório fixado - precisamente no mesmo dia em que o referido imóvel foi alienado - cfr. a alínea H) do probatório fixado -, havendo, pois, que responder à questão de saber se o caráter próprio da habitação deve ser simultâneo ao caráter de permanência e se existe algum limite temporal mínimo para a observância do caráter próprio.
O acórdão recorrido entendeu que o n.[SUP]o[/SUP] 5 do artigo 10.º do Código do IRS exige a concomitância ou simultaneidade do carácter próprio e permanente da habitação por parte do sujeito passivo, dado que só assim se cumpre a razão de ser da norma legal de proteção da aquisição de casa de habitação do agregado familiar".

Assim o entendemos também.
Da letra do n.[SUP]o[/SUP] 5 do artigo 10.º do Código do IRS - que dispõe que "são excluídos de tributação osganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar" -, resulta a necessária simultaneidade da propriedade e da permanência da habitação na titularidade do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, não se referindo a lei a qualquer limite temporal mínimo para a observância de tais requisitos, mas exigindo a destinação do imóvel a esse fim.

Desde logo, porque alguém só pode transmitir aquilo que é seu, sendo que esse pressuposto fica logo sublinhado na parte inicial da disposição legal - "são excluídos de tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis".

Acresce que, o legislador não se bastou em referir que são excluídas de tributação as mais-valias resultantes da transmissão onerosa de imóveis que consistam na habitação própria e permanente do sujeito passivo, antes refere, expressamente, que são excluídas de tributação as mais-valias derivadas da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar.
Ora, se legislador distingue, deve o intérprete também distinguir (uma vez que, de igual forma, onde a lei não distingue, não cabe ao intérprete distinguir - ubi lex non distinguit, nec nos distinguere debemus), daí que entendamos que essa habitação que é sua (porque apenas aquilo que se encontra na sua titularidade poderá ser sujeito a alienação), esse imóvel que é seu, tem também de consistir num imóvel dirigido / determinado a consistir não apenas na sua habitação permanente, mas igualmente na sua habitação própria. Ou, por outras palavras, da alusão feita pela lei ao "destino" do imóvel, resulta a exigência legal de que o imóvel alienado tenha sido destinado à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar em momento anterior ao da constituição do facto tributário.
Esta interpretação do preceito legal, para além de ser aquela que encontra reflexo na letra da lei, é também aquela que encontra eco na finalidade da norma.
A este respeito, importa atentar que a norma em análise não é um mero benefício à aquisição de casa própria, nem sequer ao reinvestimento de qualquer mais-valia na aquisição de habitação própria, pois que não é indiferente a origem ou natureza do bem alienado. Ao legislador interessa também a "origem" da mais-valia - isto é, interessa-lhe que a mesma tenha resultado da aquisição, e posterior alienação, de um imóvel destinado a habitação própria e permanente do sujeito passivo.
Assim ensina também Rui Duarte Morais in "Sobre o IRS", Almedina, Coimbra, 2006, p. 114, referindo que "o objectivo da lei é claro: eliminar obstáculos fiscais àmudança de habitação, em casa própria, por parte das famílias" (nosso sublinhado).

Nas palavras de José Guilherme Xavier de Basto, "IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos", Coimbra Editora, 2007, refere que "o objetivo do regime de exclusão da incidência é pois,o de não embaraçar a aquisição, imediata ou mediata,de habitação própria e permanente financiada com o produto da alienação de um outro imóvel a que fora dado o mesmo destino. Usa-se uma técnica de roll-over, que torna não tributáveis essas mais-valias enquanto os valores de realização forem reinvestidos em imóveis também destinados à habitação (...). A exclusão referida só vale pois para as mais-valias de imóveis destinados à habitação própria e permanente quando o reinvestimento se opera em imóveis com o mesmo destino. O imóvel «de partida» e o «de chegada» têm de ser destinados à habitação própria e permanente»".

"Trata-se, naturalmente, de não onerar fiscalmente a efectivação do direito fundamental à habitação" (cfr. André Salgado de Matos, Código do Imposto do Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), Anotado, ISG, Coimbra, 1999, p. 168).
No caso dos autos, em que o imóvel foi adquirido e alienado no mesmo dia - cfr. as alíneas G) e H) do probatório fixado -, não pode ter-se por verificada a destinação do imóvel adquirido à habitação própria e permanente do sujeito passivo, pois as necessárias menos de 24 horas que mediaram entre o momento em que o imóvel foi adquirido e em que o mesmo foi alienado são objectivamente insuficientes para se entender que o imóvel adquirido foi utilizado, com carácter de habitualidade, para habitação do sujeito passivo ou do seu agregado, antes constitui indício de que a aquisição do imóvel foi efectuada com destino à sua posterior revenda, como aliás pugnado pelo MP desde a primeira instância.

Aqui chegados, já seria possível concluir que não merece censura o decidido pelo TCA-Sul, ao entender que, no caso dos autos, não estão preenchidos os pressupostos de que depende a aplicação da norma de exclusão tributária das mais-valias imobiliárias reinvestidas prevista no n.[SUP]o[/SUP] 5 do artigo 10.º do Código do IRS.
Manda, porém, o Acórdão deste STA que admitiu a revista que se decida ainda a questão de saber se a habitação no imóvel titulada por um contrato de comodato oneroso com previsão de opção de compra preenche o conceito de habitação própria para efeitos de aplicação daquela norma, o que faremos de seguida.

Importa, como ponto prévio, precisar não ser inequívoco o carácter oneroso do "contrato de comodato" a que se refere a alínea A) do probatório fixado, celebrado entre a impugnante mulher e a Sociedade de direito estrangeiro C......., com sede em ............, .........., junto como Anexo 1 da petição inicial de impugnação, a fls. 9 e 10 dos autos.

É que, nos termos da cláusula 3.º do referido contrato, diz-se que "A comodatária não paga qualquer valor pela ocupação do imóvel, mas obriga-se em contrapartida a efectuar, a expensas suas todas as obras de reparação e benfeitorias necessárias e inadiáveis de que o imóvel carece" e, nos termos da cláusula 10º que "Sem prejuízo da gratuitidade do presente contrato, a comodatária será responsável pelo pagamento de todas as despesas relacionadas com a utilização do imóvel, designadamente electricidade, gás, água, telefone, seguros, IMI, durante o período de vigência do presente contrato".


Ora, a norma de exclusão tributária do n.[SUP]o[/SUP] 5 do artigo 10.º do Código do IRS não convoca qualquer conceito extra-jurídico, devendo os conceitos a que alude - propriedade e permanência da habitação no imóvel - serem interpretados de acordo com os conceitos jurídicos que convocam e não quaisquer outros, em conformidade com o disposto no n.[SUP]o[/SUP] 2 do artigo 11.º da LGT.

(....)

O contrato de comodato celebrado entre a impugnante e a sociedade de direito estrangeiro não transferiu para a impugnante a propriedade do imóvel, daí que esta não possa pretender-se ser proprietária do imóvel em momento anterior ao da sua compra. E o facto de nele ter habitado em momento anterior ao da compra não legitima o entendimento de que, no momento em que o comprou, o tenha destinado a habitação permanente, porque o comprou para vender no mesmo dia.
E como tal, não podem os recorrentes pretender beneficiarem da exclusão de tributação da mais-valia imobiliária obtida com a venda, em razão do seu reinvestimento na aquisição de habitação própria e permanente, pois que o "imóvel de partida" não pode ter-se como tendo sido "destinado à habitação própria e permanente" dos recorrentes.
Pelo exposto se conclui que o recurso não merece provimento, sendo de confirmar o acórdão recorrido que bem julgou.

- Decisão -

9 - Nestes termos, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em negar provimento ao recurso.
Custas pelos recorrentes.
Lisboa, 22 de Novembro de 2017
 
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