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Tiago Patrício: 'Nunca vou conseguir chegar à Madeira em 1979. É sempre 2013'

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Tiago Patrício: 'Nunca vou conseguir chegar à Madeira em 1979. É sempre 2013'

As latitudes foram o tema do segundo dia do Festival Literário da Madeira.
Foi o título do cronovelema de Mário de Carvalho que deu o mote para a tarde do segundo dia do Festival Literário da Madeira, a decorrer na ilha até dia 7 deste mês.
João Tordo, Tiago Patrício, Raquel Ochoa e Tiago Salazar juntaram-se para uma conversa cruzada à volta do tema ‘A arte de morrer longe’. A frase remeteu imediatamente para o mundo das viagens. Que nem sempre exigem um avião um grandes distâncias percorridas. Tiago Salazar, viajante por natureza e profissão, lembrou as suas primeiras que fez, nas quais nem mudava de latitude. “Comecei a viajar no quarto da minha avó, que era também o meu, porque éramos muitos em casa. Era o meu ponto de fuga”.
Mas essa arte da fuga estava-lhe no sangue. Ainda novo, descobriu um outro ponto de escape. “Ia para o aeroporto, que era como um prado, mas tinha também aviões”. Ficava a vê-los voar, imaginava-lhes o destino. Um dia, também ele quis aventurar-se. “Tentei enfiar-me dentro de um porão. Queria ir para Cabo Verde. Mas fui apanhado”, lembra com algum alívio. Com a idade chegou a independência. E Tiago nunca perdeu a vontade de se meter em aviões e partir. Hoje já conhece Cabo Verde.
Raquel Ochoa, também ela uma viajante por natureza, elencou vária experiências que teve já em várias partes do globo. E que passaram por fugir de tubarões enquanto fazia snorkeling, escalar o Evareste a mais de 5 mil metros de altitude, percorrer de comboio 16 dos 28 estados da Índia, ou escrever meio romance no Sri Lanka. Tudo isso fez dela a pessoa que é hoje.
Foram experiências, diz, que a mudaram para sempre. Por isso, assegura, pelo menos por agora, está sempre disposta a ir. “Todos me dizem que um dia vou deixar de procurar e querer ficar. Talvez. Mas só daqui a muito tempo”. Apesar de tudo, há caminhos que a escritora não está disposta a fazer. “Os meus pais foram do ponto A – o da privação da liberdade – para o ponto B – a liberdade. Passámos de um mundo em que não existia democracia para a democracia. Eu cresci em liberdade. Aprendi o pensamento crítico e que as respostas para tudo estavam nos livros”.
Hoje, ao olhar para o seu país, Raquel teme vir a ser obrigada a fazer o mesmo caminho outrora trilhado pelos seus pais. Mas no sentido inverso: “O caminho do ponto B para o ponto A é um caminho violento que não estou preparada para fazer. E que não quero fazer”.
Também João Tordo, que viveu vários anos em Inglaterra e nos Estados Unidos, e que tantas vezes coloca pelo menos parte da acção dos seus romances em geografias bem distantes de Portugal, pensou sobre os sítios onde se sente confortável. E encontrou dois lugares que pode encontrar em qualquer parte do mundo. “Sinto-me muito bem dentro de água”, disse, rindo-se, lembrando o mergulho dado nessa mesma manhã numa piscina na Madeira.
E na escrita, território da imaginação que se torna tão real enquanto está absorto na criação de uma ficção. “Sinto-me bem quando estou a escrever. É um sítio que começa por ser físico e depois passa a ser mental”. E que implica também uma mudança de cenário. João Tordo afasta-se para poder escrever, para se libertar dos compromissos quotidianos que o afastam dos territórios ficcionais. “Quando vou escrever, saio. E esses sítios para que vou são sítios onde me sinto feliz: pode ser um apartamento em Montreal, ou pode ser uma casa de campo”.
Já Tiago Patrício, autor de Trás-os-Montes, romance que no ano passado venceu o Prémio Revelação Agustina-Bessa Luís, confessou-se refém das latitudes que lhe dividem a vida. “Tenho quase dupla nacionalidade. Nasci aqui, na Madeira, e cresci lá, em Trás-os-Montes”. Terras que são duas faces da mesma moeda, ele próprio, nas quais Tiago encontra algumas simetrias mas não consegue deixar de ver as diferenças: “A Madeira é rodeada por água, Trás-os-Montes é árido. Sou farmacêutico, penso na fisiologia. O corpo de uma criança é constituído por mais água que o de um adulto, que é ressequido”.
Com os lugares passa-se o mesmo. E há no autor um permanente sentimento de perda, pelo afastamento imposto desde criança do sítio que o viu nascer. “Nunca vou conseguir chegar à Madeira em 1979. Vá, nem mesmo em 1982, ou 1983. É sempre hoje, é sempre 2013”. Há coisas que não se conseguem recuperar.

Fonte: SOL
 
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