Termalismo
As características da água definem as suas aplicações terapêuticas ao nível das mais variadas doenças. O conceito vem de longe, mas ganha novo fôlego nos nossos dias.
Não é possível sobreviver sem água, pois ela é fonte de vida. A água cobre quatro quintos da superfície terrestre, encontrando-se nos rios, oceanos e calotes polares. Está presente em todos os alimentos que ingerimos e em cerca de 60 por cento do nosso organismo – em todos os órgãos, desde a pele ao cérebro –, tendo um papel essencial no transporte dos minerais, vitaminas e nutrientes até às células humanas. Esta quantidade de água nos tecidos humanos encontra-se tanto mais equilibrada quanto mais novo é o organismo. Isto significa que ela tenderá a reduzir naturalmente à medida que envelhecemos. Com esta redução, surgem as rugas, a flacidez e eventuais problemas de saúde.
Seja como for, os médicos são peremptórios: muito antes deste tempo chegar, um adulto deve ingerir cerca de 2,5 litros de água por dia, de forma a repor a quantidade que é perdida diariamente através do suor e da urina, por exemplo.
A ingestão de água hidrata a pele, evita o envelhecimento precoce e favorece o funcionamento dos rins, entre outras funções. Mas, dependendo das suas características, os benefícios podem ir muito mais longe. A ingestão da água mineral ou o contacto com ela, através do banho de imersão ou duche, tem um efeito terapêutico e aplica--se a variadas patologias.
A cura termal, ou seja, o uso da água como agente terapêutico não é um conceito novo: bem pelo contrário, desde o princípio dos tempos que o homem usa a imersão neste precioso líquido para curar o corpo e a alma – os romanos ergueram balneários para o efeito pelos territórios conquistados. O conceito apenas ganha um novo fôlego nos nossos dias, como mais uma alternativa no tratamento de diversas patologias, desde as respiratórias às musculares, passando pelos problemas de pele, entre muitas outras. As propriedades terapêuticas de cada tipo de água dependem directamente da sua composição química. É o que garante Sebastião Baleiras, especialista de Medicina Geral e Familiar, com experiência como médico hidrologista. “É a riqueza dos seus elementos que lhe confere as propriedades específicas”, comenta. Existem as águas sulfatadas e as bicarbonatadas de sódio, mas também as magnesiadas, entre outras. Independentemente destas propriedades, o efeito dos banhos e duches varia também de acordo com a temperatura. Regra geral, os quentes activam as funções orgânicas, estão direccionados para o tratamento das manifestações crónicas do reumatismo, gotas e nefrites, entre outros quadros clínicos. Os banhos mornos têm uma acção bem mais sedativa, funcionam ao nível da redução do stress, estados de excitação e insónias. Os banhos e duches frios estão direccionados para a activação sanguínea, podendo ser aplicados como antitérmico no tratamento de algumas doenças do foro nervoso. A técnica usada é igualmente importante no tratamento. “A água administrada por jacto, por exemplo, tem um efeito estimulante ao nível muscular e das articulações, sendo que muitas vezes estes jactos são dados com temperaturas alternadas, quentes e frios”, explica o médico.
O mesmo acontece com a ingestão da água, sendo que alguns tratamentos podem ser feitos exclusivamente desta forma. “Regra geral, o plano terapêutico inclui a ingestão e o banho, mas há casos em que, de facto, se opta exclusivamente pela primeira”, observa. Por vezes, o líquido é administrado à temperatura com que emerge da fonte – normalmente, é superior a 25ºC – e, noutros casos, é preciso arrefecê-lo. Seja como for, “a ingestão é sempre feita de acordo com a orientação médica, tomada de forma doseada e progressiva. Tomar para além do que é descrito pode levar ao surgimento de perturbações consideráveis”.
É precisamente para evitar estas situações, e não só, que as estâncias termais têm o seu próprio especialista. Embora actualmente os médicos de família estejam sensibilizados para a cura termal e possam encaminhar os seus doentes para este tipo de tratamento, cabe ao médico residente fazer o plano terapêutico. “Após avaliação do estado de saúde e doença do utente, é-lhe prescrita a medicação mais adequada”, observa Sebastião Baleiras, sublinhando que, se o doente não reunir determinadas condições, pode-lhe mesmo ser recusado o tratamento hidrológico. Para além da consulta inicial, utente e especialista vão encontrar- -se mais duas vezes, “a meio do tratamento, para avaliar a evolução do mesmo, e no final, para uma visão mais global dos resultados”.
As estâncias termais não são apenas residências onde é possível tratar diversas patologias pela água, também são – e cada vez mais – lugares aprazíveis, ecológicos, com uma envolvência que convida ao relaxamento e à purificação. “Há uma motivação geral para que as pessoas adiram a uma vida mais calma e saudável, não fumem nem consumam bebidas alcoólicas e caminhem ao ar livre, entre outras coisas”, observa o especialista. O regime alimentar encontra-se em conformidade, uma vez que são sempre recomendadas dietas específicas que levam em linha de conta quantidades de sal, gordura e açúcar. Mas, ao contrário do que se praticava há alguns anos, os utentes não são aconselhados a abandonar eventuais terapêuticas químicas que estejam a tomar durante o período de permanência nas termas. “O que está preconizado hoje é precisamente que se mantenha a medicação essencial, com os ajustes que for possí vel fazer”, explica o médico. A prática mostra que a redução da dose medicamentosa é sempre viável, o que é compreensível no contexto e no próprio conceito das estâncias.
Não existem estatísticas rigorosas que possam comprovar, em números, os verdadeiros benefícios da cura termal, mas utentes e médicos estão de acordo sobre as interessantes vantagens deste tratamento ancestral e natural nas mais variadas patologias, que ganha cada vez mais adeptos de todas as idades.
Rico em águas minerais, Portugal tem neste momento cerca de 40 estâncias termais em funcionamento por todo o país. Aliás, tem havido um enorme investimento neste campo, e em todas as suas vertentes – nos balneários e técnicas, mas também nos próprios edifícios termais e ambiente circundante – porque, afinal, o interesse pelas termas está de volta. Para completar a oferta, algumas termas nacionais estão a apostar, de momento e simultaneamente, nos spas. A ideia parece agradar a muitos utentes habituais e despertar o interesse de potenciais. Mas atenção! Não se confunda termas com spas, embora tenham ambas a água como pano de fundo. Os especialistas são peremptórios: as primeiras são locais que se caracterizam pela existência de águas minerais com propriedades terapêuticas para as mais variadas doenças, estando sujeitas à prescrição médica, como qualquer outra terapia curativa ou de prevenção; as segundas estão direccionadas para o relaxamento e a estética. As duas podem completar-se e tornar este período de cura longe dos centros urbanos ainda mais agradável e purificante.