Investigação deixou de fora serviços Secretos
No despacho de arquivamento, o Ministério Público admite que pessoas detidas pela agência de espionagem norte-americana possam ter passado por Portugal. Mas não há provas. A investigação inquiriu 137 pessoas e recolheu vários documentos. Mas não entrou numa área sensível do Estado: os serviços secretos portugueses que poderiam saber do caso.
Orlando Cosmeli da Fonseca estava referenciado no processo como uma das vítimas da CIA, no escândalo dos voos para Guantánamo. Teria sido levado, em 2004, por agentes secretos para Ceuta, onde foi interrogado e sujeito a torturas. Mas, contactado pela Polícia Judiciária, Orlando, que também possui bilhete de identidade português, contou à Judiciária que, afinal, não esteve em Ceuta, mas sim em Torremolinos, Espanha, onde esteve a passar férias. "Regressado a Portugal, decidiu inventar uma história, contando que perdera o autocarro com destino a Portugal e que, quando se preparava para entrar noutro, foi abordado por agentes da CIA, que o raptaram e o levaram para Ceuta".
A história de Orlando está contada pelo Ministério Público no despacho de arquivamento ao caso do voos da CIA (Central Intelligence Agency), a que o DN teve acesso. Uma investigação que decorreu durante dois anos, e na qual os investigadores se limitaram a recolher testemunhos (foram ouvidas 138 pessoas) e a analisar documentos.
Tratando-se de uma operação de um serviço secreto, a investigação portuguesa, segundo o que consta do despacho, não investigou os serviços de informações portugueses sobre o seu conhecimento quanto ao transporte de detidos ilegais e, eventualmente, colaboração. Apesar disto, os investigadores concluíram não existirem indícios que "qualquer funcionário ou dirigente do Estado português tenha estado envolvido, directa ou indirectamente" no escândalo internacional dos voos da CIA, que ficou conhecido como o "Expresso de Guantanamo".
No despacho de arquivamento, os procuradores do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) Paes de Faria e José Franco confirmaram "a passagem pelo território nacional" dos aviões sob suspeita, mencionados pela eurodeputada Ana Gomes, "e na identificação de 148 pessoas tripulantes ou passageiros".
"Não se exclui, nem se pode excluir, que estas 148 pessoas possam estar ligadas directa, ou indirectamente, às autoridades norte-americanas e, em concreto, ás actividades da CIA. Mas não se logrou demonstrar tal relação"
Os procuradores afirmam que foram "examinados" os registos disponíveis de várias empresas suspeitas de serem uma fachada da agência de espionagem norte-americana. Mas, uma vez mais, declaram que "nenhum elemento dos autos permite estabelecer qualquer ligação entre as empresas e entidades públicas norte-americanas, nomeadamente a CIA".
Mas, mesmo que a relação entre tais empresas e a CIA ficasse comprovada, a utilização de aviões em território nacional "não configura, por si só, qualquer acto ilícito criminal", escrevem os procuradores. "Igualmente, o transporte de prisioneiros, por si mesmo, não integra qualquer ilícito dessa natureza", acrescentam Paes Faria e José Franco.
Presos e deportados
A investigação debruçou-se ainda sobre os avistamentos na Base das Lajes, nos Açores. Os primeiros depoimentos de Ana Gomes e do jornalista Rui Costa Pinto apontavam no sentido de terem sido vistas pessoas agrilhoadas a circularem na plataforma. Ambos os denunciantes referiram que a informação provinha de fontes locais. Ora, o que a investigação apurou é que, num dos casos, o que se terá passado foi um "transporte de militares norte-americanos, em situação de detenção, provavelmente oriundos de cenários de guerra".
No segundo avistamento suspeito, os investigadores apuraram tratar-se de "transporte de deportados oriundos do Canadá através da Base das Lajes".
O caso chegou ao Ministério Público em Fevereiro de 2007, através da deputada Ana Gomes, depois de discutida a polémica no Parlamento Europeu.
Ontem, depois de divulgado o arquivamento da investigação, Ana Gomes queixava-se que apenas tomou conhecimento desta decisão através da comunicação social, mas garantiu que o caso não está encerrado e que não o deixará cair.
"Não me surpreende a decisão de arquivamento, tendo em conta as dificuldades que eu própria encontrei nas tentativas de apuramento da verdade e que sei que os próprios agentes da justiça também defrontaram", declarou Ana Gomes.
"Eu não deixarei cair, porque o que está em causa em Portugal é o respeito pelos direitos humanos, pelo Estado de Direito e pela nossa Constituição. Vou prossegui-lo com os meios que estiverem ao meu alcance, designadamente como assistente do processo", acrescentou.
Assim como Rui Costa Pinto que afirma ter tido conhecimento do despacho também pela comunicação social e continua a aguardar "serenamente ser notificado do supra referido despacho para sobre ele me poder pronunciar".
fonte:dn