"Tomar Tamiflu não é nada agradável"
Profissional do sector farmacêutico tomou comprimido antiviral após viagem com colega infectado nos EUA. Medo afastou os amigos.
A mensagem foi curta: "Deu positivo. Estou internado no Curry Cabral". O aviso chegou de manhã ao telemóvel de Ana (nome fictício) um dia depois de ter regressado de uma viagem de trabalho de oito dias aos EUA, no mês passado. Era a confirmação nunca imaginada de que, afinal, o colega que se tinha sentido mal no regresso tinha mesmo gripe A (H1N1). Coube a Ana dar a má notícia aos restantes 28 elementos do grupo. O medo, conta, foi imediato: "Todos pensámos, e agora o que fazemos? Temos filhos e já dormimos com os maridos e as mulheres...".
Das 30 pessoas, todas residentes na Grande Lisboa, Ana diz que era a mais bem informada e, por isso, assumiu a tarefa de saber o que fazer. "Eu tinha Tamiflu em casa, mas contactei a Linha de Saúde 24. Foi-me dito para tomar um comprido durante dez dias e que o meu filho e o meu marido não precisavam de ser medicados". Ana e os outros não tinham sintomas da doença e o enfermeiro da linha telefónica disse-lhe que "podiam ir trabalhar". Os colegas também telefonaram. "Nesse mesmo dia, fomos todos contactados pelo delegado de saúde da área de residência. Eram quatro da tarde e foi excelente. Fiz todas as perguntas e fiquei sem dúvidas".
Há excepção de Ana, mais ninguém tinha o antiviral e foram encaminhados para os respectivos centros de saúde. "Já estavam à espera deles e deram-lhes o Tamiflu, sem pagar. Foi-lhes dito também que no dia seguinte podiam regressar ao trabalho, mas a nossa empresa, por uma questão segurança, sugeriu que só voltássemos no dia seguinte". Feitas as contas, três dias depois de ter regressado dos EUA e de iniciar a toma de Tamiflu, o grupo estava novamente a trabalhar. Mas o cenário de normalidade foi ilusório.
Vendas de Tamiflu caíram para metade
"Nenhum de nós tinha sintomas, logo não poderia haver contágio. Contudo, várias amigas minhas afastaram-se. Parecia que tinha peste", conta Ana. E a experiência ainda teve outro lado negativo: "O medicamento deu-me náuseas e dores da cabeça. A única maneira de suavizar os efeitos era tomar o comprimido depois de um bom pequeno-almoço. Na verdade, tomar Tamiflu não é nada agradável". O mesmo foi-lhe dito pelo colega infectado. "Ele teve febre alta mesmo a tomar dois comprimidos por dia. Diz que foi uma gripe muito forte, mas que foi muito bem tratado". O doente não quis falar ao Expresso - aliás, como a maioria dos outros portugueses adultos infectados.
O Tamiflu é, para já, a única arma terapêutica contra o novo vírus, contudo, os responsáveis de saúde mundiais têm alertado a população para o perigo da automedicação. Em causa está a possibilidade do vírus desenvolver resistências (ver texto em baixo), alerta que também tem sido feito aos médicos.
A mensagem passou, pelo menos em Portugal. Segundo a IMS Health (multinacional que monitoriza o sector do medicamento), as vendas dos armazenistas às farmácias foram reduzidas para mais de metade só num mês. Entre Abril - quando a infecção foi comunicada ao mundo, no dia 24 - e Maio, passou-se de 36.193 embalagens vendidas para 12.918, representando uma redução de €649.664 para €231.878.
O que está a ser feito em Portugal
Tratamento de doentes
A actual rede de hospitais - Estefânia e Curry Cabral, em Lisboa; Hospitais da Universidade de Coimbra e São João, no Porto - para onde são transferidos os casos de infecção vai ser alargada. A ministra da Saúde ainda não disse quando e como, mas o Expresso apurou que a mudança deverá ocorrer quando o número de doentes ascender a 50. Aí, deverão ser 'activados' hospitais no Algarve, Alentejo e no Interior Norte e Centro do país, bem como vários centros de saúde.
Laboratórios
Um grupo de dez novos laboratórios vão poder fazer a confirmação dos casos. Dispersos pelo continente e ilhas, vão ser coordenados pelo Instituto Ricardo Jorge (INSA), o laboratório de referência nacional e que nos dias 9 e 10 Julho vai formar os novos técnicos. Actualmente, o INSA trabalha 24 horas por dia e consegue obter resultados entre quatro a seis horas após a recepção da amostra.
Ambulâncias
Todos os casos suspeitos e doentes têm sido transportados em ambulâncias do INEM, mas o aumento dos casos vai obrigar a recorrer às viaturas dos bombeiros. Os fatos de protecção já estão disponíveis e esta semana o INEM recebeu 10 mil novos equipamentos, mais adequados ao novo vírus. É a primeira encomenda e poderá ser reforçada.
Medicamentos
Esta gripe só é tratada com dois antivirais: o Tamiflu e o Relenza, mais difícil de tomar por ser em pó. Os medicamentos podem ser comprados na farmácia com receita médica e o Estado tem uma reserva estratégica para dispensar aos doentes internados, mas a sua toma deve ser cautelosa. Segundo as orientações internacionais, que os médicos portugueses têm seguido, estes antivirais só devem ser dados nos casos graves. A primeira opção é o Tamiflu, ficando o Relenza guardado para os casos de resistência. Até agora, há dois (Dinamarca e Japão), mas o fabricante do Tamiflu diz ser "absolutamente normal. Nos adultos, 0,4% desenvolvem resistência".
Vacina
Há cinco laboratórios a tentar fabricar uma vacina eficaz, contudo só com um golpe de sorte estará no mercado no tempo certo. A epidemiologista do INSA, Cristina Furtado admite que "o ideal era iniciar a vacinação em Setembro e Outubro, mas a vacina só deverá chegar depois". Portugal vai fazer uma encomenda, cujas quantidades e destinatários - para um máximo de 30% a 40% da população - podem ficar definidos a partir de segunda-feira, após a reunião do Conselho de Ministros europeus. Muitos portugueses vão ficar fora da lista, mas os médicos salientam que esta gripe é benigna e que as mortes estão associadas a outras doenças.
Contágio
A melhor forma para prevenir a infecção é lavar frequentemente as mãos, usar lenços de papel e tapar a boca e o nariz quando se espirra. Em caso de febre acima dos 38 graus deve telefonar-se primeiro para a Linha de Saúde 24. O contágio só acontece quando se está perto, pelo menos uma hora, de um doente que tenha sintomas.
Expresso