F-1 retrô, Fórmula 1 :‘Senna’ no cinema: vale a pena
Antes de começar, queria deixar algumas coisas claras. Tenho duas visões sobre o filme “Senna”: uma do fã de Fórmula 1 que cresceu vendo as vitórias de Ayrton Senna, e uma outra profissional, sobre a parte técnica da produção. Vou tentar, neste texto, mesclar estas duas coisas. Para mim, é difícil separá-las, já que, na minha cabeça, elas caminham bem juntas. Fora isso, é um documentário que vale a pena ser assistido por quem é torcedor e por quem não é.
A intenção do diretor Asif Kapadia e do roteirista Manish Pandey era contar a história do tricampeão sem focar demais no fim de semana de sua morte, em Imola, 1994. O objetivo é cumprido com louvor; é um documentário que narra os feitos do piloto, eleito até hoje, em pesquisas internacionais, como o melhor da história. Outro ponto positivo é que você não precisa ser um iniciado em Fórmula 1 para assistir e entender a história. Basta sentar na poltrona do cinema e aproveitar as quase duas horas. São imagens históricas muito bem montadas.
A história é toda montada em cima do duelo psicológico entre Ayrton Senna e Alain Prost, que foi o principal da Fórmula 1 entre 1988 e 1993. Como o brasileiro é o heroi do filme, o francês acaba sendo meio que o vilão, ainda que eu não veja desta forma. A leitura é um pouco mais sutil; a produção mostra ambos como duas faces da mesma moeda: o sucesso de um dependia do que o outro fazia na categoria. Por não usar imagens de entrevistas atuais e tampouco um narrador, como nos clássicos documentários, a narrativa ganha ares de ficção, com o próprio Senna contando a história.
Senna é mostrado como alguém que luta contra o sistema vigente naquela Fórmula 1 comandada por Jean-Marie Balestre, então presidente da Federação Internacional de Automobilismo (FIA). O francês comandava a categoria com mão de ferro para satisfazer seus próprios interesses, como mostrado em várias imagens inéditas de briefings e entrevistas. Está aí o grande vilão do filme: o dirigente é mostrado quase como um mafioso, com decisões intransigentes. E uma frase resume isso:
- A melhor decisão é a minha decisão – disse Balestre, em uma das imagens do documentário.
É claro que não dá para dizer que o filme é perfeito. Senti falta de algumas coisas, como uma ênfase maior na relação entre Senna e Nelson Piquet – uma imagem mostra Piquet concordando com o compatriota no briefing do GP do Japão de 1990. Além disso, os duelos contra Nigel Mansell e a temporada de 1993, alguns dos melhores momentos da carreira do tricampeão, são exibidos rapidamente. Mas é claro que é complicado de mostrar tudo isso em um filme de pouco menos de duas horas. E o duelo entre Senna e Prost foi priorizado. Para o grande público, é o que importa.
Depois da análise técnica, vamos para o lado mais emocional. Para quem cresceu assistindo às vitórias de Senna na televisão, é impossível não ficar tocado pelas várias imagens do filme. São lembranças de bons tempos, não da Fórmula 1, mas da vida mesmo. Era uma rotina acordar aos domingos para ver o piloto e o documentário traz um pouco deste gostinho de volta. Eu, em particular, acabei me apaixonando pelo automobilismo naquela época; muitas outras pessoas só gostavam de ver o Brasil vencer e largaram o esporte de mão. Por isso, para mim, aquele período de Senna na Fórmula 1 foi muito importante para o que eu seria no futuro e decidir seguir a carreira do jornalismo.
Em suma, “Senna” é um filme que vale a pena ser assistido, seja por quem é fã, seja por quem conhece pouco da história dele. É claro que tudo fica concentrado no lado positivo do tricampeão, mas é natural. Ele é um dos poucos atletas a transcender a barreira do futebol no Brasil e sempre figurar na lista de herois do esporte brasileiro. E para quem não gosta do piloto, é essencial assistir desarmado de preconceitos. É o melhor documentário que já vi sobre Ayrton Senna.